Desde há milénios a sabedoria bíblica repete: «Onde há um homem ou uma mulher, há procura de vida, desejo de felicidade». Esta, na realidade, é a vocação mais radical que habita o ser humano. O desejo ínsito em nós como uma pulsão e uma força que brota da nossa profundidade é desejo de felicidade. Fome, sede, necessidade de respirar são instintos e carências de todos os animais, enquanto felicidade, amor, sentido de vida são desejo e busca em cada pessoa humana.

Mas o ser humano pode ser arrastado por este desejo, deixando de saber discernir os necessários limites, e assim o desejo, de vocação, arrisca tornar-se em instinto mortífero. Infelizmente, entre as dez palavras de Moisés não há a necessária reflexão sobre aquela que diz: não desejes aquilo que pertence ao teu próximo. Este mandamento especifica bem a origem da inveja, do ciúme, do rancor e das formas de violência de que podem revestir-se. O desejo pode ser tão forte que se torna cupidez, uma voragem que impele a tomar, a extorquir; e quando tal não é possível, induz a negar e destruir aquilo que se deseja e é possuído pelos outros.

O desejo de obter aquilo que não se tem ou de se tornar aquilo que não se é, se não é disciplinada e contida, desencadeia inveja e rancor para com as pessoas que beneficiam dessas condições, como alguém chegou a dizer: «Eram felizes, eu não, por isso matei-os». Este desejo muda o olhar (“inveja” deriva do latim “in-videre”, não querer ver, portanto, olhar de maneira turva, má). O olhar alterado vive do confronto e da comparação, vê a carência e o sofrimento como sendo causados por quem, ao contrário, é feliz, tem sucesso, recebe reconhecimentos, tem riqueza. Assim, a existência é envenenada pelo confronto que faz emergir sem cessar a pergunta: “Porquê a ele sim, e a mim não?”.

Vivemos hoje uma estação de incerteza e rancor social, que acaba por suscitar tentações de inveja, e portanto de violência, sobretudo em pessoas “infelizes”: pessoas desafortunadas a quem é negado qualquer tipo de amor humano, desde logo por parte dos pais, ou que não souberam reconhecê-lo; pessoas que podem recriminar-se contra a história familiar ou até contra o destino… Uma só é a certeza, sob a forma de pretensão: tem de se ser feliz a todo o custo.

Também não pode ser esquecida a presença dentro do invejoso do narcisista, que espera tudo do exterior, da admiração dos outros. Esta figura substitui com o amor de si a sua dor inconfessável pelo facto de não ser amado e de não saber amar. Tem medo do amor, e por isso sofre de uma impotência que o conduz a ser vingativo e cruel para quantos agravam a imagem que ele tem de si ou lhe apresentam a imagem daquilo que ele gostaria de ser, mas sem o conseguir.

Disciplinar o desejo deveria ser uma verdadeira exigência da educação, sobretudo nos jovens, mas na realidade é um exercício necessário em cada idade da vida: então, sim, é possível construir a felicidade.

Enzo Bianchi
In Monastero di Bose
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 03.11.2020 no SNPC

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