Na penumbra da noite, olhos carregados de nuvens, encontro oculto um convite a descobrir o sentido da chuva em mim. O piano toca baixinho a melodia dedilhada nas batidas do coração. Raios cortam o céu, fazem um espetáculo acontecer. Tomada pelo assombro diante do espetáculo da vida sinto essa sensação quase esquecida... Gravo na retina a imagem do céu, que cai sobre minha face no meio da escuridão. Soberana a natureza manifesta sua grandeza. Recorda-me a pequenez e a fragilidade da vida humana e ainda assim, a vida humana encarnada por Deus...

 

Durmo no embalo dessa torrente de águas que envolve meus sonhos. Aconchegada a cobertas e travesseiros entrego-me. O inconsciente, esse mundo desconhecido, então se abre à graça. Não sei, mas sinto: é aí que acontecem os milagres que já não posso ver. É nesse lugar que Deus afasta nuvens pesadas, carregadas de tantas preocupações e passeia tranquilo por entre os fios de meus cabelos. Ventos impetuosos abrem portas e janelas no meu interior. Suas mãos num delicado gesto derramam  sem pressa, o bálsamo perfumado sobre as cicatrizes endurecidas. Sou banhada como a chuva em terra seca, embalada como um recém nascido. Suavemente sinto o sopro sobre os meus sonhos sufocados. Respiro profundamente e solto-me dos travesseiros... Liberdade chega sorrateira no toque de seus lábios a cobrir de beijos enternecidos os meus, seus, desejos em mim. Seus pés tocam com intimidade o chão da minh'alma e as franjas de sua veste varrem carinhosamente tudo que preciso esquecer. Então Ele sorri pra mim num rosto de criança fazendo alegre a menina dos meus olhos.

 

O tempo, amigo, lá não existe. Os raios de sabedoria vão formando mandalas de vida brincando com a luz na escuridão... e os medos, esses que falam mansinho o dia todo ao pé do ouvido, esses saem voando ao som dos trovões. Assim que eles saem a chuva mansa vem então testemunhar, o amor eterno de meus pais que me visitam só para lembrar: meu lugar de filha em seus corações para sempre vai estar.

 

Acordo desejando lá permanecer... mas a chuva mansa se transforma numa melodia alegre anunciando o novo dia. Agora posso sentir o assombro e a surpresa pela vida renascida em mim. Descubro o sentido de ter nascido assim... em meio a chuvas, no tempo da espera da vinda, da esperança! Reconheço-me toda Advento, a espera do que já se realiza no meu interior: o natal, o Deus conosco Emanuel.  

 

No meu aniversário é esse o presente que eu desejo: que cada ser humano, em sua fragilidade tão divina, sinta o assombro pela vida renascida a cada dia, na presença do Amor encarnado em seus corações em forma de esperança que encharca de  sentido o existir.

 

Lilian Carvalho

BH - 18.12.2016