“Os docentes incumbir-se-ão de zelar pela aprendizagem dos alunos” (LDB, Título IV, art. 13, inciso III).
Exatamente para zelar e garantir o aprendizado, os docentes pedem socorro ao considerar o universo de conflitos no qual a Escola Pública se encontra. A sociedade em geral e suas autoridades constituídas precisam com urgência se curvar sobre a tarefa de elaborar estratégias legais, sólidas e claras no sentido de responder à qualidade esperada e necessária do ensino-aprendizagem básico escolar.
As consequências da omissão em relação à garantia dos direitos da criança e do adolescente são assustadoras quando se trata do funcionamento da instituição escolar pública. Têm-se exigido da Escola resultados demonstráveis, o que é justo e necessário, porém há de se reconhecer que como bem está dito no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é dever da família, da comunidade, da Sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (LEI 8.069/90 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, art. 4º). Tornou-se natural aceitar como naturais, indicadores nas escolas públicas que deveriam ser firmemente repudiados pela sociedade. Percebe-se a inexistência de estratégias para assegurar com absoluta prioridade os princípios da legalidade supra citados. Eis alguns dos principais problemas constantes nas escolas públicas:
1.Ameaça ao espaço escolar
Não há segurança nas unidades públicas escolares na entrada e saída dos turnos e nem mesmo um guarda adequadamente treinado para os portões de entrada das escolas. Pessoas estranhas aos profissionais da escola pertencentes ao tráfico ou não estão sempre à procura de adolescentes nas portas das escolas públicas, principalmente na entrada e na saída dos turnos. Invasões também acontecem em horários de aulas. Brigas e roubos são frequentes tanto na entrada das escolas, como dentro delas. Muitos são os conflitos relacionados à insegurança nestas instituições.
2.Alunos vulneráveis
São muitos os casos de alunos em situações totalmente vulneráveis, que não conseguem ouvir ou atender as solicitações mínimas dos professores, da direção e coordenadores pedagógicos referentes às obrigações do aluno. Essa realidade quando não resolvida de imediato, provoca um grande prejuízo no aprendizado de toda a turma em que se encontram esses alunos. Aqui estamos tratando de situações nada simples, e quando a escola identifica o problema e faz os devidos encaminhamentos, a família não reage. Quando os familiares confessam abertamente que não conseguem mais acompanhar aquele adolescente que eles matricularam na escola, os profissionais da educação se sentem impotentes. São situações de alunos que necessitam socorro além das possibilidades da escola e que, após a escola esgotar as tentativas de ajuda e encaminhamentos, lá prosseguem esses alunos sem o devido atendimento, aumentando o problema para o próprio aluno, para a turma e, quase sempre, para toda a escola. Há vários registros na escola de alunos, por exemplo, que já estão no tráfico de drogas ou na marginalidade e as famílias já não têm mais autoridade. E neste caso a escola não tem recursos humanos para atender ou estar com este aluno até que os desfechos legais aconteçam. Em períodos longos, não muito raros, escolas ficam totalmente reféns destes alunos e dos seus comparsas. A questão não consiste apenas em afirmar que o lugar do aluno é na escola. Ele merece e precisa estar lá, mas COMO ele deve estar nesta escola? Até que ponto a escola deve aceitar, por exemplo, tráfico, ou roubos e indiferença total às solicitações dos profissionais da parte dos alunos?
Sabemos que quando alunos não conseguem ouvir os diálogos amorosos e firmes até mesmo da coordenação da escola, isso significa que necessidades vitais anteriores não foram supridas. Por exemplo, frequentemente são constatados casos em que a família não acompanha em nada o filho em relação às obrigações escolares. Há casos, inclusive, em que os familiares nem mesmo comparecem à escola quando solicitados, sendo preciso que alguém da escola vá até a residência ver o que se passa. Mas quem, e a que hora? Mesmo assim existem casos de trabalhos voluntários de coordenadores.
Em muitas situações os profissionais da escola ficam no desespero. Tentando ajudar fazem o papel de psicólogos, advogados, psiquiatras, assistentes sociais, policiais e aí se dão mal. Não muito raro, acontece violência por parte dos alunos como também dos seus familiares a estes profissionais. Na verdade o problema é mais profundo e demanda outros recursos além do que pode fazer um professor. Zelar pelo aprendizado em determinadas situações exige gritar socorro para estes alunos. Falta uma pré-condição ao aprendizado escolar. Adoecimentos provocados pelo estresse e suas combinações físicas dos profissionais da educação é o que as estatísticas confirmam frequentemente, além do abandono da profissão. Recai sobre a Escola uma carga educacional que ultrapassa os seus muros.
Como vimos, os profissionais da educação pública se dão conta de que certas atitudes dos alunos, que constituem obstáculos no processo de aprendizagem, revelam sofrimentos traumáticos de desamparo, solidão, ausência da autoridade materno/paterna, o que se traduz na ausência de limites e conflitos ligados à violência. A situação indica a necessidade dos profissionais da psicologia, da assistência social e da segurança para cada unidade escolar pública.
3.Conselho Tutelar
A Escola faz encaminhamentos de alunos: à Secretaria Municipal de Assistência Social - SEMAS, ao Centro de Referência à Educação Inclusiva — CRAEI, ao Conselho Regional de Assistência Social — CREAS, e a outras entidades de apoio socioeducativo. Em muitos casos, porém, a própria família omite-se e não acompanha o filho no atendimento prestado por essas entidades de Assistência Social. Normalmente as Escolas têm documentação comprovando as suas ações em favor do aluno e da sua família, porém está consciente de que, sozinha, não consegue atender as solicitações inadiáveis que são necessidades prévias ao ensino/aprendizagem.
A Escola comunica ao CONSELHO TUTELAR os fatos relevantes ocorridos em suas dependências, para que esse órgão, no uso de sua atribuição, acompanhe e emita requisições de serviços aos órgãos governamentais e não governamentais para atendimento aos alunos em situação de risco pessoal e social. Porém quase sempre as respostas são tardias para problemas imediatos. Já quando se trata de ordens provenientes da Promotoria de Justiça a intervenção do Conselho Tutelar junto à Escola é rápida e a cobrança direta. Todavia, quando a Escola busca soluções para os casos mais conflituosos de encaminhamentos e ou proteção que só devem ser acionados pelo Conselho Tutelar, constata-se uma imensa demora para a Escola obter a atuação e o resultado em tempo hábil. Citamos um caso acontecido: após todos os devidos registros feitos pela escola em relação a um aluno em situação vulnerável e já em uso de entorpecentes, após relatórios enviados ao conselho e visitas de conselheiros tutelares à escola, só após dois anos chegaram papéis com resoluções do que fazer, e o aluno como já podemos supor, nesta altura do processo, já tinha provocado muitos problemas na escola, sendo finalmente morto por traficantes da área. E casos como esse acontecem frequentemente.
O conselho tutelar registra a matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimentos oficiais de ensino fundamental. Daí prossegue a questão fundamental: COMO este aluno deve estar na escola? Está havendo um desrespeito muito grande não só em relação ao adolescente que se encontra na dificuldade ou ausência de socorro, como também em relação aos outros alunos e os profissionais que são fortemente prejudicados no processo ensino aprendizagem.
De um lado, os conselheiros reclamam da demanda dos trâmites legais da Promotoria. Do outro lado, a Escola vivencia a morosidade no atendimento, o arrastar de casos urgentes. E a defasagem no aprendizado dispara, não só em relação a vitima, mas também em relação aos outros alunos e, não muito raro, vem em seguida o adoecimento dos profissionais.
Assim, na perspectiva do inciso V, do art. 88, da Lei nº. 8.069/90 (ECA), que dispõe sobre as diretrizes da Política de Atendimento aos direitos da criança e do adolescente, entendem-se necessárias atitudes integradas das autoridades administrativas, suas assessorias, administração escolar e corpo docente. É patente, porém, a falta de políticas públicas no tratamento das questões sócio familiares, relacionadas à proteção da criança e do adolescente como determina o ECA. (Inciso V – integração operacional de órgãos do Judiciário, do Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional).
Diante desse quadro sugere-se à Administração Municipal:
Ampliação dos atendimentos nas unidades do CONSELHO TUTELAR para articulação em tempo real com as escolas e com os familiares dos alunos.
Conselheiros com as habilidades próprias da função, protegidos e conscientes dos grandes desafios a enfrentar, sobretudo o da influência e pressão de chefes do tráfico nas ações em favor da criança e do adolescente que cometem atos infracionais.
Criação de: Delegacia Especializada de atendimento à criança e adolescente; Promotoria exclusiva de atendimento à criança e ao adolescente; Vara da Infância e Adolescência. Tendo em vista que as inúmeras ocorrências e solicitações relacionadas sobrecarregam os conselheiros nas suas funções específicas.
Orientação e respaldo da Assessoria Jurídica da Prefeitura Municipal. Faz-se necessário um planejamento responsável de estratégias e métodos claros, para efetivação do entendimento e da aplicação das normas do ECA, tanto para os profissionais da educação, como para os CONSELHEIROS TUTELARES.
4.O mínimo de retenção de alunos
Claro, nenhuma criança e adolescente merece retenção. Para isso os professores aplicam o reforço, porém em casos dos alunos em situação de vulnerabilidade e sem os atendimentos prévios necessários fora da escola, estes reforços não alteram em nada a atuação do aluno. Apenas dá-se a chance sem resolver o que continua provocando o atraso, a defasagem. Não há evolução no aprendizado, muitos alunos não fazem a recuperação, entram nela, mas novamente não conseguem. No final do ano o aluno deve mesmo entrar no processo de progressão no ciclo como se estivesse tudo bem? Alunos com 12, 13, 14 anos não sabem ler, não sabem escrever, muito menos interpretar um texto. Os professores necessariamente têm de promovê-los? Será mesmo que não importa qual o nível do aprendizado deste aluno? O que os docentes estão confirmando para a vida deste aluno? E os sonhos deles? Não estão sendo iludidos, enganados? E as decepções logo após o Ensino Fundamental? Grande angústia nessas situações experimentam os profissionais da área quando se trata do eticamente correto em sua profissão.
5.Atendimento especializado para alunos portadores de necessidades especiais.
Quanto ao atendimento especializado para integração de alunos portadores de necessidades especiais está dito na Constituição Federal: art. 208, inciso III e LDB, art. 58, § 1°, Art. 59, inciso III que o dever do Estado com a educação será efetivado, entre outras medidas, mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.
Alunos portadores de necessidades especiais estão matriculados em classes regulares, à revelia da regra constitucional supra transcrita e com flagrante falta de verificação da regra do art. 58 e seus §§, da LDB, que exige, nos casos da espécie, a presença de profissional especializado, apto a atendê-los em suas necessidades especiais. A atitude inclusiva sem o cuidado previsto na lei resulta em dificuldades muito presentes no processo da aprendizagem e socialização tanto do aluno portador de deficiência como em muitos casos, dos colegas de sala. Esta ponderação não configura oposição à inclusão social, mas sim alerta responsável pela necessidade do profissional especializado para o atendimento.
Uma solução possível seria aplicar, às escolas públicas, estagiários do Ensino Superior, de preferência da área da saúde, após o terceiro período de seus cursos, para ajudar os profissionais da educação nas classes regulares onde se encontram alunos portadores de necessidades especiais.
6.Profissionais da educação e suas funções específicas
Gestores, coordenadores pedagógicos e professores, envolvidos nesses impasses acima, entre outros não aqui referidos, dificilmente conseguem desempenhar seus papéis específicos.
O salário dos profissionais da educação dispensa comentário. Encontra-se entre os mais desvalorizados para graduados, pós-graduados, mestres e doutores.
Não dá mais para aturar uma realidade em que os protagonistas da transformação, os profissionais da educação se tornam cada vez mais apáticos, deixam a profissão, ficam doentes, se sentem culpados, abandonados... Não, não pode ser por aí.
7.Conclusão
Concluindo, cabe lembrar que, entre os princípios norteadores da educação dentro dos quais o ensino deve ser ministrado está o princípio da garantia do padrão de qualidade e a vinculação entre a educação escolar, trabalho e práticas sociais.
Zelar pela aprendizagem inclui a luta e a denúncia dos obstáculos que a impedem de fluir digna e verdadeiramente. Como garantir qualidade no ensino/aprendizagem sem amparo legal efetivo e – não apenas em tese – coerente e calcados em métodos eficientes de reorientação dos alunos nos casos graves que conduzem a comportamentos que são obstáculos à vida, ao desenvolvimento saudável ou que conduzem à destruição da vida? No tempo de formação da personalidade e da abertura para o aprendizado, a instituição escolar, se não estiver munida das ferramentas essenciais para o desenvolvimento saudável dos alunos, apenas contribui para uma situação de perigo, de incentivo à criminalidade, a escravidão e a proliferação da pobreza no país. Negam-se as possibilidades abundantes de ensino/aprendizagem diretamente voltadas à elevação e desenvolvimento pleno, que são próprias do ensino educacional básico.
Os problemas diários vivenciados pelas escolas estão diretamente afetos não apenas ao coletivo da escola, mas tem que encontrar solução no apoio direto do Poder Executivo e do Ministério Público, o principal dos órgãos tutelares dos interesses de crianças e adolescentes em idade escolar. Esse apoio deve se materializar não apenas na contratação de pessoal e alocação de verbas, mas também, conforme as exigências de situações específicas, no diálogo orientativo com as diversas assessorias profissionais de apoio ao Poder Executivo. Não dá mais para ouvir aconselhamentos baratos enfocando apenas a formação do professor. Urge um diálogo aberto das autoridades competentes com os profissionais “na ponta” sobre os principais problemas implicados nas escolas públicas e as medidas eficazes que se devem tomar para as reais e comuns situações que constatamos.
Johan Konings
FAJE-Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia