A Igreja quis, em sua sabedoria, que, dentre todos os outros, um dia fosse dedicado à Santíssima Trindade. E que aí nós nos dirigíssemos a ela não a partir de nossa miséria e suas imensas necessidades e petições. Mas que voltássemos para esse mistério o olhar de nossa admiração, gratuita e livremente, a fim de contemplarmos os segredos de sua beleza e bondade... assim como o fazemos, por exemplo, ao mirarmos a vastidão dos céus, ou o livre ir e vir das nuvens, ou o jogo de cores e luzes de um pôr-do-sol. Tais coisas e outras tantas, nunca poderemos apreendê-la e segurá-las e tê-las a nosso serviço. E, no entanto, é encantador contemplá-las, em seu sem-por-que nem para-que. E tal seria o que nos propõe a fé cristã, nesse dia: Que nos dobrássemos (reflectere), em reverência, na direção de Deus. Assim simplesmente, sem nenhum outro interesse que não seja: admirar quão grande e quão profundo, quão belo e bom e inescrutável e inefável (Ef 3, 17-19) é aquilo que os homens quiseram expressar com a palavra: Deus. 

Uma contemplação por assim dizer originária, prévia quase aos conceitos, às doutrinas e ao rigor verbal das formulações dogmáticas sobre Deus e seu ser. Um refletir sobre Deus que fosse capaz de recolher, quase em silêncio, aquilo que se manifestasse ao nosso próprio espírito. 

Se conseguíssemos fazê-lo, com delicadeza, humildade e rigor, talvez percebêssemos, então, que a Trindade de Deus não é uma experiência reservada apenas a uns poucos e privilegiados místicos, nem tampouco um complexo teorema, resultado de espetaculares especulações do espírito humano. Talvez, então, compreenderíamos que incompreensível não é Deus, mas nossa resistente e renitente incapacidade de ver, fundo, o que se oferece, permanentemente, ao nosso olhar. 

E aquilo que experimentamos de Deus não é um incógnito impenetrável, primariamente. Antes, sente-se o homem no mundo como um ser-aí, lançado na vida. É a primeira e surpreendente constatação: somos, sem que tenhamos sido nós a origem de tal milagre. Cerca-nos, para onde quer que se volte o nosso olhar, um maravilhamento, que se formula em muitas questões sem resposta imediata: Por que são a vida, o mundo e os seus seres e por que não é, antes, o nada? Seria tudo isso apenas um resultado aleatório e fortuito do acaso? E o que é isto: o acaso? Aquilo para o qual não há mais razões explicativas? O que estaria fora da cadeia férrea da lógica da causalidade? Uma singularidade? O fundo sem mais fundamento? A origem sem origem? O impenetrável? Como quer que nomeemos e descrevamos esse misterioso, dele se sentem os homens, o lugar em que a vida reflete sobre si mesma, provenientes, como criaturas de um criador. Para essa origem originária, o espírito humano cunhou a palavra Deus e, por experimentá-lo como força criadora e geradora de tudo que é, a fé cristã acreditou bem chamá-lo de pai. 

Mas Deus não é somente essa força criadora, silenciosa, distante, altíssima, inimaginável, inacessível e impenetrável, no transfundo do universo, do segredo dos quarks e dos léptons, do jogo quase lúdico da matéria e da antimatéria, da implosão de sóis, das explosões de supernovas, do nascer, morrer e renascer das estrelas, lá na origem de tudo que é... e diante da qual só nos restaria cair de joelhos, atônitos, assombrados e emudecidos. Um Deus infinitamente portentoso, fascinoso e admirável, mas jamais amável, de coração a coração. Seu mistério, porém, nós o experimentamos não apenas como força, mas também como delicada proximidade, falando-nos a nós, na silenciosa linguagem dos seres que nos cercam, hierofanias e visibilidades (sacramenta) de seu infinito segredo e suprema criatividade. Ele vem a nós, diuturnamente, nos reflexos de seu amor. E só assim é-nos possível olhar para o infinito sem sermos tomados pelo temor e o vazio de uma terrível humilhação. Só assim ser-nos-á possível observar, sim, sua imensurável grandeza, mas, junto a isto, dirigir a ele nossa reverência, dizendo-lhe: “Quando contemplamos os teus céus, obra de tuas mãos, e a luz e as estrelas que tu chamaste à vida, o que é o homem, para dele te lembrares? E o filho do homem, para dele te aproximares? És grande, Senhor, e nos fizeste tão próximos de ti e de honra e glória nos coroaste. Quão magnífico és, em tua verdade, ó Senhor, Senhor nosso” (Sl 8, 1-9). Pois algo nos diz que ele não apenas nos fez (criador / pai), mas que está conosco, junto de nós (filho / irmão), e cuida de nós: Quando nos acolhem, quando nos confortam, quando nos abraçam, quando nos ajudam, quando nos enriquecem, quando convivem conosco as suas criaturas, sobretudo as que essencialmente pertencem também a nós, os nossos irmãos. 

Mas ainda isso não é tudo. Fosse Deus apenas nosso criador, outra coisa não conseguiríamos ser senão apenas suas criaturas. E fosse Deus também apenas amor, que nos recobre com sua bondade, mais não poderíamos ser senão apenas dependentes de seu zelo e seus cuidados. Mas ele é ainda um terceiro mistério que, nele mesmo e em nós, une distância e proximidade, silêncio e palavra, criador e criatura, pai e filho, na harmonia de verdadeiramente diferentes. É o Espírito que, sendo Deus e habitando também em nós, é quase como o abraço de tão tamanhas diferenças: Deus e o mundo e o homem. 

A fé cristã ousa ainda acreditar que aquilo que de Deus experimentamos (Trindade econômica) é, sim, aquilo que ele é, em si mesmo (Trindade imanente). Poder, na origem. Humilde amor, no caminho. Plenitude e harmonia, ao fundo e ao fim de tudo que é. Ele, o único Deus e Senhor, é, em si mesmo e para nós, esta tríade una e indissolúvel: o ontem, o hoje e o amanhã de todas as vidas. 

Frei Prudente Nery

Frei Capuchinho e renomado teólogo já falecido.