O que nos torna semelhantes a Deus não será, certamente, o nosso subtrair-nos aos outros, mas, ao contrário, a descoberta da possibilidade de durar no amor, muitas vezes em contraposição com o primeiro juízo emitido pela razão ou com o peso daquelas que consideramos ser as evidências.
Cedemos com grande facilidade à tentação de fechar portas, consumar rupturas, resignarmo-nos a certas perdas (ou também, cinicamente, delas nos tranquilizarmos).
Se assimilarmos como regra de vida o pragmatismo da expressão «dos presentes não falta ninguém» (pragmatismo mais espalhado entre nós do que talvez tenhamos consciência), não poderemos compreender porque é que o pastor, na parábola de Jesus, deixa as noventa e nove ovelhas no deserto e parte à procura daquela perdida (Lucas 15, 4,7).
Nem compreenderemos porque é que a mulher se dá ao esforço (negligenciando, provavelmente, outros afazeres mais imediatos e urgentes) para encontrar a moeda que tinha perdido dentro de casa (Lucas 15, 8-10). Não tinha ela outras nove na bolsa?
Nos itinerários pessoais ou comunitários que estamos a fazer, há um dado que emerge com suficiente clareza: não nos aproximaremos do mistério da misericórdia se não pusermos dentro de nós aquilo que o grande teólogo Nicolas Cabasilas chamou «o amor louco de Deus pelos homens». A verdade de Deus e incindível do amor.
D. José Tolentino Mendonça
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: D.R.
Publicado em 09.07.2019