Tem gente que vê sinais por toda parte, chamados, milagres, fogachos do destino. Há essa espécie de atenção exacerbada que às vezes alucina e vê mensagens em código no vento, num enxame de borboletas, numa combinação de números de uma placa, na cruz de luz que o sol faz numa esquina. Há quem leia as cartas de Rilke como se lhe fossem especialmente endereçadas. Por que não? Há quem tenha certeza de que um dia recebeu uma graça da Nossa Senhora Mãe dos Homens, tanta certeza, e certeza tão sagrada, que até evita o assunto. Gente que cultiva um sentido seu para as coisas além das coisas mesmas, gente que fala com as árvores e a quem as árvores respondem, gente que vê anjos em desconhecidos. Tem também quem se diga muito sóbrio, muito claro e limpo de delírio, mas quando dorme sonha sonhos metafísicos. Por que não? Já encontrei minha finada avó uma vez num bolero tocado no metrô de Paris. Já vi meu finado avô numa revoada sobre a praça da matriz de Paraty. Já me afeiçoei a uma formiga amarela a que dei o nome de caramela e que quase veio para casa comigo. Foi delírio? Delírio nada. Foi só um pouco mais bonito do que seria se o coração não tomasse parte nas coisas. Foi só um pouco de amor que de repente deitou âncora na realidade. Por que não? Há quem tenha um coração que quer estar em toda parte. Gente que, a um passo do próprio fim, canta a “Ode à alegria” dentro da Nona de Beethoven. Gente que trama vínculos.
Mariana Ianelli
In: Rubem. 19.05.2018