Há conversões e vocações que nascem de grande choque. São Paulo se tornou o paradigma maior. Perseguidor dos cristãos se viu circundado por luz divina e de dentro dela saiu o apóstolo das gentes. Que vida de enorme zelo pela jovem fé cristã! Assim alguns entram para a vida religiosa, para ser jesuíta, depois de forte e estremecida experiência.
João, o apóstolo, bem jovem ouve seu mestre, também ele João, o Batista, dizer-lhe que aquele homem que lá caminhava pelas margens do Lago de Genesaré era o Messias. Na inocência dos anos juvenis, deixa pai, rede, barco e se põe a seguir a Jesus e morrerá, em alta idade, na fidelidade do mesmo Mestre. Paradigma de vocações que se desenvolvem de maneira quase natural, sem sobressaltos, nascidas por algum encontro casual na linguagem dos fatos e providencial sob o olhar da fé.
Ainda criança, um padre jesuíta perguntou-me que queria ser. Naqueles idos, facilmente, sem hesitar, era comum responder diante de um padre que se queria ser padre. Nada de formal nem decisivo. No entanto, tudo começou aí. Da resposta até ir para o Rio estudar com os jesuítas já tendo no horizonte tornar-se um dia um deles foi um pulo.
Os longos dos anos de contacto e formação com os jesuítas me foram forjando numa vocação bem plural como é a deles. Missão no estrangeiro, colégio, universidade, missões populares, vida intelectual, numa palavra, um leque amplo se me abriu diante dos olhos. E embarquei-me para valer nessa nau na qual estou até hoje.
Conjunturas e coincidências conduziram-me para a teologia. A nova trajetória iniciou com a função de diretor de estudos do Colégio de seminaristas brasileiros em Roma. Aí me concentrei na orientação das matérias teológicas que me levaram ao doutorado e depois à docência da teologia até o dia de hoje. Agradeço imensamente a Deus por essa jogada, imprevista, de lançar-me na peleja das Letras Sagradas.
Mais: não estudei teologia para ficar adscrito a uma Faculdade ou Universidade européia. Corri tal perigo e quase fiquei no Velho Continente. De novo, o pequeno aleatório me salvou. A casa de estudos de teologia dos jesuítas do Brasil me tinha solicitado antes e o povo de Roma respeitou tal pedido. E então voltei para o Brasil depois de mais de 10 anos na Europa.
Aqui fazer teologia é outra coisa. Estava nascendo a teologia da libertação. E logo me engajei nela. E faz parte dela não se dedicar unicamente à academia, ao estudo trancado no gabinete e sim imergir-se na realidade pastoral para a partir dela pensar a teologia.
Nos primeiros anos de volta da Europa dediquei-me a circular pelo Brasil, pelo Continente e alguns países da Europa falando da teologia da libertação, mas também bebendo experiências, sobretudo nos países da América Latina. Foram anos muito ricos e me fizeram mergulhar na realidade latino-americana.
Depois aterrissei mais no Brasil. Circulei por todo ele, do Rio Grande do Sul ao Acre. E finalmente acampei em Vespasiano. Aí bebo da seiva gostosa da vida paroquial. Tive a felicidade de encontrar uma paróquia viva e prestar então algum serviço concreto à comunidade em sintonia e em colaboração com o pároco Pe. Lauro. São já anos que aqui venho e dou um pouco de mim nas celebrações, cursos, visitas, atendimentos. A pastoral se alimenta da teologia e me alimenta a teologia. Existe uma circularidade que enriquece. Sou imensamente grato por tudo o que recebi e recebo do contacto com a vida paroquial. Como jesuíta, ajudando um padre diocesano, percebo duas coisas: confluência e complementaridade. Nossas intenções e propostas pastorais convergem e se pautam pelas decisões colegiadas das Assembléias. E pelo fato de eu ser jesuíta e teólogo contribuo com algum toque, por mais simples que seja, que soma ao conjunto da paróquia.
Que tem de fascinante uma vida de jesuíta? Por que ela me reteve tantos anos? E por que espero nela terminar os meus dias? A ordem jesuíta oferece excelentes oportunidades para boa formação espiritual e intelectual. E depois de formados, lança-nos no mundo, dando-nos ampla liberdade de ação apostólica. A missão recebida dos superiores delimita-nos o campo, mas dentro dele existe enorme o espaço de criatividade e originalidade. E, sobretudo cria dentro de nós consciência crítica e livre para “em tudo amar e servir”.
A fonte da vocação encontra-se no desejo, no entusiasmo e na alegria de servir o povo de Deus. Nada faz o ser humano ser tão feliz como colaborar no crescimento interior e espiritual das pessoas. Além desse nível estritamente pessoal, o trabalho pastoral estende, por diversas maneiras, a influência para campos mais vastos. No meu caso, lanço as sementes da Palavra de Deus por muitos rincões quer por escrito nos livros e artigos, quer nas pregações e palestras. E o Mestre maior, o Senhor Jesus, aproveita de nossas pequenas e simples palavras para fazer avançar o seu Reino. E na fé participar desse empreendimento apostólico carrega-nos a vida de sentido. Se algum jovem leitor, ele ou ela, sentir tocado/a pelo desejo de empreender aventura semelhante, que o Senhor lhe dê força e coragem!
Pe. João Batista Libânio
falecido em 30.01.2014