Os protestos... Admiro que não aconteceram antes. Havia tanto buraco no asfalto que cedo ou tarde o carro teria de parar. Mas qual foi precisamente a causa?



No curso ginasial aprendemos a distinguir entre causa e ocasião. Os protestos que hoje tomam a rua têm sua ocasião, aliás, bem escolhida: o Brasil está na vitrine graças ao amado e odiado futebol. Ademais, as eleições se aproximam... Isso não é mera coincidência. 



Mas as causas, quais são? Não é só por R$ 0,20. Embora façam diferença, para muita gente, esses vinte centavos (diversas vezes multiplicados por causa de transportes não integrados)!



Protesta-se contra a desproporção entre o custo da infraestrutura e organização da Copa e os parcos investimentos em outros serviços públicos, bem mais essenciais. Está certo, nada a comentar.


Outra causa é a saúde. Faltam milhares de médicos nas regiões periféricas, e importá-los também não resolve tudo, pois em muitos municípios a infraestrutura se restringe a uma ambulância para levar os pacientes até a próxima cidade maior. Precisa-se antes de motorista do que de médico...



Uma causa profunda é o problema da educação. A falta de percepção penetrante e de responsabilidade assumida —a meta da educação— manifesta-se, não tanto no banditismo, que quase inevitavelmente acompanha protestos sem firme liderança, mas na classe dirigente, que tratou com extrema leviandade as prioridades do povo, desde os dias em que a redemocratização fez nascer esperanças nunca realizadas. Isto é, durante uma geração inteira. Geração que, em vez de educação sólida e profunda, recebeu smartphones que permitem convocar manifestações instantâneas. 



Parece que agora está havendo alguma percepção. Os manifestantes estão percebendo alguma coisa, ainda que seja difícil distinguir o quê. E os destinatários do protesto, que não estavam percebendo nada senão seu poder —seu próprio mundo, alienado daquilo que o povo percebe sem poder expressá-lo—, parece que de repente ficaram capazes de tomar, no atropelo, decisões que há muito deveriam ter tomado. 


A educação não se restringe à escola, mas esta é, sobretudo diante da atual desintegração da família e do tecido comunitário, a última esperança da educação. Ora, os profissionais das escolas públicas descrevem o lugar onde trabalham como depósitos de crianças, sem estrutura pedagógica nem programas adequados para ensinar realmente alguma coisa. Um exemplo de como as coisas evoluem: em Betim-MG, município grande e comparativamente rico, a Secretaria de Educação decide substituir os pedagogos na escola por professores, já que, destes, muitos vão sobrar com o remanejamento que prevê 35 alunos por turma no ensino básico e 40 no médio (com ‘inclusão’ dos casos problemáticos). Escolas menores são fechadas, bibliotecário/as reduzidos à metade, eliminado o atendimento nos intervalos, quando as crianças poderiam aproveitar a biblioteca. E daí em diante. 



Além disso, o discurso em torno da educação só fala em qualificação (para o mercado), nunca em formação humana integral para a vida. Neste sentido, os protestos e até o vandalismo que os acompanha são reveladores... Lula ficaria satisfeito, declarou, se todos os brasileiros tivessem três refeições por dia. Não precisa algo a mais?



Há também fatores mais submersos, fatores socioculturais que não foram levados em consideração. A frustração da não participação: jovens despolitizados, alheios e indiferentes em relação ao sistema político vigente. Mas isso não quer dizer que não percebem nada. Pode até ser que a aparente despolitização seja a sua verdadeira posição política. O governo não soube dialogar em tempo. Mas quais seriam os canais do diálogo? Os partidos? Os sindicatos? Os movimentos populares? Além de esvaziados, correspondem a outras épocas. A juventude não se comunica através de organizações, mas através do instantâneo. Será que as estruturas de nossa vida política correspondem à mutação sociocultural causada pelas novas tecnologias e os correspondentes novos comportamentos?



Finalmente, vejo uma causa mais profunda ainda: uma estrutura de natureza cultural. Uma estrutura é um conjunto de relações permanentes e autorreprodutoras; está aí para funcionar e se reproduzir. Ora, na cultura brasileira existe uma estrutura, talvez consequência da enorme presença da escravidão, que reproduz no povo um medo quase incompreensível. Assembleias votam manifestos que depois ninguém tem coragem de entregar. O jeitinho, o medo do confronto. Os coronéis mudaram de nome e de roupa, tornaram se SA e Cia Ltda, mas continuam mandando.



Só espero que não organizem alguma ‘marcha da família’ para pôr em segurança uma estrutura que está corroendo a família junto com a sociedade toda.

 

 

Pe.Johan Konings

Publicado no site Dom Total em 28.06.2013