Erra quem pensa que nascemos uma só vez. Para quem quer viver, a vida está repleta de nascimentos.
Nascemos muitas vezes durante a infância, quando os olhos se abrem em alegria e maravilha.
Nascemos nas viagens sem mapa nos quais a juventude se arrisca.
Nascemos na sementeira da vida adulta, amadurecendo, entre invernos e primaveras, a misteriosa transformação que coloca no caule a flor, e dentro da flor o perfume do fruto.
Nascemos muitas vezes naquela idade avançada em que as atividades não cessam, mas reconciliam-se com os vínculos interiores e os caminhos que tinham sido adiados.
Nascemos quando nos descobrimos amados e capazes de amar.
Nascemos no entusiasmo do riso e na noite de certas lágrimas.
Nascemos na oração e no dom.
Nascemos no perdão e no conflito.
Nascemos no silêncio ou iluminados por uma palavra.
Nascemos no levar ao termo um compromisso, e na partilha.
Nascemos nos gestos ou para além dos gestos.
Nascemos dentro de nós e no coração de Deus.
Por isso, peço-te, Jesus, que me ensines a nascer:
quando as esperanças se rompem como coisas gastas;
quando me faltam as forças para o degrau seguinte, e hesito;
quando da semente parece que só recolho o vazio;
quando a insatisfação corrói também o espaço da alegria;
quando as mãos desaprenderam a transparente dança do dom.
Quando não sei abandonar-me em ti.
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: pexels.com
Publicado em 21.12.2020 no SNPC