Erra quem pensa que nascemos uma só vez. Para quem quer viver, a vida está repleta de nascimentos.

Nascemos muitas vezes durante a infância, quando os olhos se abrem em alegria e maravilha.

Nascemos nas viagens sem mapa nos quais a juventude se arrisca.

Nascemos na sementeira da vida adulta, amadurecendo, entre invernos e primaveras, a misteriosa transformação que coloca no caule a flor, e dentro da flor o perfume do fruto.

Nascemos muitas vezes naquela idade avançada em que as atividades não cessam, mas reconciliam-se com os vínculos interiores e os caminhos que tinham sido adiados.

Nascemos quando nos descobrimos amados e capazes de amar.

Nascemos no entusiasmo do riso e na noite de certas lágrimas.

Nascemos na oração e no dom.

Nascemos no perdão e no conflito.

Nascemos no silêncio ou iluminados por uma palavra.

Nascemos no levar ao termo um compromisso, e na partilha.

Nascemos nos gestos ou para além dos gestos.

Nascemos dentro de nós e no coração de Deus.

Por isso, peço-te, Jesus, que me ensines a nascer:

quando as esperanças se rompem como coisas gastas;

quando me faltam as forças para o degrau seguinte, e hesito;

quando da semente parece que só recolho o vazio;

quando a insatisfação corrói também o espaço da alegria;

quando as mãos desaprenderam a transparente dança do dom.

Quando não sei abandonar-me em ti.

Card. José Tolentino Mendonça
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: pexels.com
Publicado em 21.12.2020 no SNPC