Para a maioria das pessoas, a palavra gentileza significa uma postura elegante, refinada, coisa de elite. A gentileza seria a prática corrente do gentil-homem, um termo antigo para designar aristocrata, e tão exclusivo que nem permitia uma versão feminina: alguém aí já ouviu falar de gentil-mulher?


Prefiro pensar em gentileza de forma diversa. Prefiro pensar em gentileza como coisa de gente. Gente, no sentido mais elevado do termo. Aquele sentido que usamos quando dizemos: "Fulano é gente". Ser gente é importante. Ser gente é viver a condição humana com generosidade, com altruísmo, com elegância. E a decorrência lógica deste modo de vida é a gentileza.


Mas do que falamos quando estamos falando em gentileza? Estamos falando, em primeiro lugar, de coisas simples, de pequenos gestos. Exemplo clássico: dar lugar no ônibus. Para uma pessoa idosa, para uma grávida, para uma mulher. Aparentemente é fácil de fazer. Aparentemente deveria ser uma iniciativa espontânea. Não é. Os ônibus têm um aviso lembrando que alguns assentos estão destinados preferencialmente a essas pessoas. Mas nem todos os passageiros dão bola para o aviso. Nem todos os passageiros são gentis. Gentileza, ao contrário da taxa de juros, é algo que está em baixa. E por que está em baixa?

 

Em primeiro lugar, porque gentileza se traduz exatamente em coisas como esta, em abrir mão de uma situação de vantagem, em dar o lugar. E dar o lugar, qualquer que seja este lugar, é uma iniciativa que poucos tomam.

 

Compreensivelmente, porque a regra em nosso mundo é ocupar lugar, não dar lugar; a regra é a pessoa conseguir o seu próprio espaço, é abrir caminho usando os cotovelos, se for o caso. Ou seja, a lei da selva adaptada ao convívio urbano - ironicamente, porque urbanidade implica gentileza.



Mas há uma atitude pior: negar a gentileza em nome de uma pretensa igualdade. As mulheres não queriam ser iguais aos homens? Então, que fiquem de pé nos ônibus. Como os homens.



É um raciocínio ao qual não falta uma certa lógica. O que falta a este raciocínio é outra coisa. É serenidade (substituída, não raro, por um mal disfarçado rancor). É generosidade. E as pessoas não renunciam à serenidade e à generosidade sem pagar um preço elevado.

Quando deixamos de dar o lugar, deixamos de dar. De novo, isto pode ser encarado com cinismo. As palavras de São Francisco, "é dando que se recebe", são usadas, sobretudo na política brasileira, como sinônimo de arreglo, de barganha, de toma-lá-dá-cá. É o princípio que preside ao loteamento de cargos. Cargos, como se sabe, representam lugares privilegiados, pelos quais muita gente luta encarniçadamente.



Isto é o raciocínio primário. A pessoa que ultrapassa esse raciocínio sabe que dar o lugar beneficia enormemente aquele que vai ficar de pé. Porque, ficando de pé, ele se torna gente. Ele cresce, figurativamente falando. Ele se destaca entre os demais. O cara que dá o lugar no ônibus é olhado pelos outros. É olhado com respeito, quando não com inveja. A gentileza fala do que existe de melhor na espécie humana. E o que existe de melhor na espécie humana é fácil de conseguir. Com a gentileza, acreditem, a gente fica gente.

 

 

Moacyr Scliar

(texto que circulou pela internet)