Diz Etty Hillesum no seu belíssimo diário: «É preciso cada vez mais poupar as palavras inúteis para poder encontrar aquelas poucas que nos são necessárias; e esta nova forma de expressão deve amadurecer no silêncio.
Muitas vezes para as coisas melhores da vida faltam-nos as palavras, e as poucas que temos surgem-nos retóricas e gastas. As palavras são um grande engano quando nos persuadem de ter atingido a verdade, distraindo-nos da busca. Quando algum de nós pensa que tem uma qualquer experiência espiritual ou religiosa sente de imediato a necessidade de falar dela, de a cobrir de teorias, de a comunicar com muitos discursos.
«Não o digais a ninguém», recomenda Jesus aos apóstolos, as palavras devem seguir os gestos, não antecedê-los. É ilusão pensar que se atinge a essência das coisas só com as palavras, sem primeiro as ter feito viver em nós.
As palavras têm o poder de curar, mas o silêncio cumpre em nós algo mais, faz renascer aquilo que dorme e reata relações com a nossa identidade profunda e autêntica.
Procuro aceder ao silêncio sobretudo na transparência da manhã, donde do coração foi removido o tumulto dos nossos rancores, das nossas cóleras, de todos os nossos preconceitos, e se aprende a encarar e a escutar o silêncio de Deus. A minha fraqueza e pobreza precisam de silêncio e de acolhimento para se desdobrarem em mais humanidade.
Quanto mais este mundo está imerso no ruído, mais forte para mim se torna a necessidade de momentos de silêncio, para que minha presença diária com os outros manifeste a presença de Deus em mim.
Ao encontrar os outros tendemos a preencher o vazio que há entre nós e eles com demasiadas palavras, quando deveríamos deixar esse vazio aberto a fim de que a relação com o outro continue a ser viva. O silêncio é condição necessária para continuar a acolher sem subjugar e dominar.
Raramente encontro ouvintes do silêncio. Homens e mulheres que espalham o silêncio mesmo quando falam, que procuram e não se resignam, que sofrem mas não se desesperam, que sabem escutar e ver os sinais da presença de Deus.
Ouvintes do silêncio, que fazem uso do silêncio como de um canto, de uma oração do coração, a aí aprendem a interrogar-se, a ver-se na profundidade ao elevarem-se para além de si próprios.
Ouvintes do silêncio que abraçam na sua doçura e força, sobriedade e liberdade, ao ponto de se tornarem simples e sem pose, livres de toda a máscara ou narcisismo.
O silêncio ao início requer um esforço, mas depois deve tornar-se uma atmosfera de vida, um modo de estar na realidade. O encontro com o silêncio primeiro evita-se, porque tem o sabor de ausência insuportável, de tal maneira que se apresenta passivo como o aborrecimento, a espera e a dor; mas a certo ponto o silêncio torna-se plenitude do vazio, hospitalidade recíproca, sentes que és hospedado pelo silêncio e que tu o estás a hospedar em ti.
«Eis que o atrairei a mim, conduzi-lo-ei ao deserto, e falarei ao seu coração» (Oseias 2,16). O silêncio pede-te para saíres, conduz-te para. Quem procura a essência da vida passa sempre por dúvidas e incertezas, mas só quando encontrares o silêncio, ele te conduzirá para além do limite da inteligência, falará ao teu coração e far-te-á render diante do amor.
Publicado em 01.04.2020 no SNPC