A feliz expressão de Fédor Dostoievski, «a beleza salvará o mundo», faz com que cada um chegue à percepção de que o mundo pode ser resgatado com a beleza, a beleza do gesto, da inocência, do sacrifício, do ideal, da gratuitidade.
Hoje, porém, num mundo que relegou a beleza para o campo do fútil ou do ornamental, é legítimo interrogar-se: quem salvará a beleza do risco de se tornar vazia? Na nossa modernidade, a beleza rebaixa-se, permanece uma palavra que todos pronunciam, de que não conseguem privar-se, mas está confinada a um ângulo banal e sem valor: o efémero.
Foi reduzida a pouca coisa, frente às questões econômicas, financeiras e científicas que agitam a nossa sociedade. Foi-lhe reservado um lugar entre as mil coisas inúteis da vida, ficou confinada ao decorativo, àquilo que é máscara da realidade. Marginalizada também pela teologia.
É necessário salvar a beleza do mundo (Stefano Zecchí). Ela encontra-se, hoje, perante uma encruzilhada: entre a beleza-cosmética, autorreferencial, para a qual não tem sentido a busca do bem e do verdadeiro, porque não existe verdade, e a beleza-símbolo, porta que abre para o conhecimento e para o futuro, em que o homem aperfeiçoa a sua pessoa, intensifica a pesquisa, leva a cabo contínuas aproximações ao ser.
«O bem, separado da verdade e da beleza, é apenas um sentimento indefinido, um impulso privado de força. A beleza sem bem e verdade não passa de um ídolo. A verdade é o bem; a beleza é esse mesmo bem e essa mesma verdade encarnados numa forma viva e concreta» (Vladimir Solov'êv).
A beleza, em sentido próprio, é aquela que nos faz continuar a interrogar-nos com obstinado amor sobre o que vemos. Ela traz uma memória e uma profecia: evoca o reflexo de uma justiça ou de uma harmonia originária da criação, prefigura, com a força do seu fascínio, a restituição da criação ao seu sentido.
Ao invés, desviada da sua profecia, distraída da sua memória, a beleza autorreferencial encoraja também uma extinção voraz do desejo, uma posse destrutiva, como para Narciso. Exilada do seu nómos primeiro, que é o amor, pode introduzir uma trágica anestesia diante da dor do mundo, uma indiferença aos aviltamentos da Terra. A beleza separa-se, então, da esperança do homem.
Cabe a cada um, com as suas escolhas individuais, salvar esta beleza do mundo. Preservar a beleza que conserva em nós a capacidade de êxtase e de comunhão, a possibilidade do prazer de viver e de crer. Preservar o deslumbramento matinal do mundo.
A beleza confere, então, à existência, o sentido de uma aventura inédita que, com a arte e a realidade, com as coisas e com o espírito, com os afetos e com o absoluto, se mede por uma incessante maravilha (Salvatore Natali) e com obstinado amor.
Ermes Ronchi
In Tu és beleza, ed. Paulinas-Portugal
02.09.2013