Estava te olhando outro dia. Pensando. É um mistério, um rosto. Pode embrutecer com o tempo, pode suavizar-se. Teu rosto, por exemplo, é tão estranho. É como se tivesse sido aquarelado. De onde vem essa delicadeza como a da relva fina que brota de um terreno arrasado? Um rosto de penugem loira, renascido de quê? Vejo teu rosto e penso no rosto da santa de Lisieux, aquele sorriso doce desde os oito anos de idade. Foi uma graça recebida quando a menina tinha dez anos que não deixou que esse sorriso se apagasse. Parecia o mesmo rosto pacificado e feliz desde sempre, nenhum sinal de noite escura, nenhuma pedra no caminho, parecia, e era aí que estava o milagre. Um sorriso mais sugerido do que exposto, como de uma pequena Gioconda mística, esfinge de uma alegria preservada. É mesmo um mistério, um rosto. Eu, que vi teu rosto em outros tempos e encontro o rosto de outra pessoa agora, penso numa florzinha dessas cujo nome ninguém sabe. É uma beleza que demora a aparecer, mas está ali, coisa sutil, de amor que vinga. Será que é isso? Será que foi uma graça de amor que transformou teu rosto assim?  Porque quem te vê não pensa em precipício, pesadelo, eclipse, solidão, medo pânico. Quem te pensa não vê nada de grave, nada de grande. Quem te vê, quando vê em detalhe, quem te pensa, quando pensa com calma, colhe uma rosa do deserto, que é quase nada e é um milagre. Era só o que eu estava pensando enquanto te olhava outro dia no nada entre dois assuntos. Bonito esse teu novo rosto.

Mariana Ianelli é escritora, crítica literária, poeta.

In: Revista Rubem. 02.06.18