Existem poetas que nos atraem para dentro de uma cela, a olhar para os cantos das paredes e ouvir o que murmura o branco. Existem aqueles que nos chamam para um jardim com fino tato de monge ou borboleteios de criança. Há os que nos puxam para o meio de um tumulto, e falam alto. E há os mais íntimos, os que nos chamam de lado, apagam o resto da casa e nos levam para a cama. Vinicius é um desses íntimos, que podemos dizer nosso.
Cedo descobri, numa antologia de 1967, da saudosa editora Sabiá, que minha mãe era uma das mulheres de Vinicius. O livro amaciado de muito manuseio também acabou passando por minhas mãos. Eu menina também me deitava num chão de morangos, também me chamava Maria, e era flor de melancolia, me chamava Ariana, uma amiga entre as amigas que se perdiam e achavam gosto em se perder. Quis ser também a onda que o poeta via, distante das praias, e das luas quis ser a que reflete na água, e ser o ventre novo no qual um pensamento de amor semeia sua continuidade.
Tudo o que Vinicius fazia com as palavras para encantar a namorada desconhecida me alcançava, seu ar trágico de tão apaixonado, seu confessar-se menino de alma delicada, sua tara pela beleza das mulheres meninas garças. Queria me fazer cada uma de suas palavras, ser mar de acolher suas âncoras de promessa, ser a face imaginada, vinda do futuro, a face da ausente, resto de nuvem, ave de tempestade. Que polícia, que tribunal dos bons costumes, que nada. Eu menina me deitava com Vinicius, ele o meu monstro de delicadeza, eu uma de suas amigas ignoradas.
Mariana Ianelli é escritora, mestre em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
In: Rubem.wordpress.com