“Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse:’Não chores!’” (Lc. 9,13)
No evangelho de hoje, Lucas revela-se um artista: com poucas palavras consegue pintar o quadro tão bonito do encontro das duas procissões: a procissão da morte que sai da cidade e acompanha a viúva que leva seu filho único para o cemitério; a procissão da vida que entra na cidade e acompanha Jesus. As duas se encontram na pequena praça junto à porta da cidade de Naim.
Frente a esta dura realidade da morte de um jovem e do abandono de uma viúva, Jesus sente estremecer suas entranhas. É o sentimento de compaixão que aflora e o impulsiona à ação. Jesus não consola nem solicita resignação. Sua compaixão incontrolável o move a transgredir a norma legal que proibia tocar o corpo de um defunto, correndo o risco de ser contaminado.
A compaixão de Jesus não conhece fronteiras. Desencadeia uma práxis capaz inclusive de encontrar saída diante daquilo que parece irreversível, como é o caso da morte.
É a compaixão que leva Jesus a falar e a agir. Compaixão significa literalmente “sofrer com”, assumir a dor da outra pessoa, identificar-se com ela, sentir com ela a dor. É a compaixão que aciona em Jesus a força da vida sobre a morte, energia re-criadora.
Deus é compassivo: esta é a base da atuação de Jesus. Ele nunca fala de um Deus indiferente, frio, afastado dos homens, de costas aos nossos problemas. Do mesmo modo vemos que Jesus não apresenta um Deus preocupado por seus interesses, sua glória, sua liturgia, seu templo, seu sábado… A preocupação do Deus de Jesus é o ser humano, sobretudo aquele que mais sofre e é excluído.
O Deus do templo, o Deus da lei e da ordem, o Deus do culto e do sábado não poderia gerar a atividade profética de Jesus como curador da vida e defensor dos últimos. Segundo o AT, a compaixão de Deus pelo povo nasce das entranhas e se manifesta como ternura materna. O termo hebreu “rehem”: útero, entranhas, ventre materno, está em sintonia com a raiz “rhm” (compadecer-se). Deus é feminino e é mãe na compaixão.
A compaixão é a reação primeira de Deus diante de suas criaturas. Poderíamos dizer que a primeira coisa que Deus sente ao olhar-nos é compaixão. Jesus diz que Deus sente para com seus filhos e filhas o que uma mãe sente para com o filho que carrega em suas entranhas, ou seja, Deus nos carrega em suas entranhas; Deus não exclui ninguém e em seu coração compassivo cabem todos.
É precisamente esta compaixão de Deus a que move Jesus em direção as vítimas inocentes: os maltratados pela vida ou pelas injustiças dos poderosos. É a compaixão de Deus que faz Jesus tão sensível ao sofrimento e à humilhação das pessoas. Sua paixão pelo Deus da compaixão se traduz em compaixão pelo ser humano.
A partir desta experiência de um Deus compassivo, Jesus vai introduzir um princípio de atuação, a compaixão. Chegou o momento de recuperar a compaixão como a herança decisiva que Jesus deixou à Humanidade, a força que deve impregnar a marcha do mundo, o princípio de ação que deve mover a história para um futuro mais humano. É a compaixão, ativa e solidária, aquela que nos há de conduzir para esse mundo mais digno e ditoso querido por Deus para todos.
Para muitos, pode parecer que a compaixão não esteja de moda, pode ser sentimentalismo, uns são mais bondosos, tem mais coração, outros não... mas não é assim. Para Jesus, a compaixão é um princípio de ação; simplesmente é interiorizar a dor alheia, que doa em mim o sofrimento dos outros e reagir fazendo o possível por essa pessoa para aliviar seu sofrimento.
Quem sofre possui uma autoridade indiscutível, porque ele fala e toca o profundo de cada ser humano, toca aquelas instâncias em que a essência humana reage como cuidado e compaixão essencial. Quem já foi tocado por um olhar de uma pessoa pobre ou sofredora e deixou que este olhar penetrasse no fundo do seu coração sabe que não sai “ileso” desta experiência; algo mudou dentro de si. É uma experiência que o modifica profundamente, tanto que muitos interpretam esta experiência como uma “experiência de Deus”, uma experiência de ter conhecido no rosto do pobre o rosto de Cristo.
De fato, a compaixão não é um sentimento menor de “piedade” para com os fracos e nem é uma virtude a mais, mas o único caminho para reagir frente ao clamor dos que sofrem e para construir um mais humano. Além disso, a compaixão é a única maneira de começar a nos parecer com Deus. O modo de olhar o mundo com compaixão, o olhar as pessoas com compaixão, o olhar os acontecimentos e a vida inteira com compaixão, é a melhor maneira de nos parecer com Deus.
Um exemplo concreto desse “amor compassivo” está presente na “revivificação” do filho da viúva de Naim. Se observarmos bem, descobriremos que neste texto está presente o “modo de proceder” de Jesus que brota da experiência de Deus compassivo e que se expressa nas três atitudes: a das mãos, a da boca e a do coração. O coração: antes de mais nada Jesus, vendo a mulher, “foi tomado de compaixão por ela”.
A boca: a palavra boa, amigável, com a qual Jesus se aproxima da mãe e lhe diz: “Não chores mais”. As mãos: o gesto bom de Jesus que se aproxima da padiola, toca-a e diz: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te”. A compaixão – que é o coração – faz brotar na boca a palavra consoladora e depois se expressa nas mãos, através de um gesto eficaz.
A com-paixão não é passiva, mas sim altamente ativa. Com-paixão é a capacidade de com-partilhar a própria paixão com a paixão do outro. Trata-se de sair de si mesmo e de seu próprio círculo e entrar no universo do outro enquanto outro, para sofrer com ele, para cuidar dele, para alegrar-se com ele e caminhar junto a ele, e para construir uma vida em comunhão e solidariedade.
É precisamente isto o que Jesus deseja quando afirma “sede compassivos como o Pai é compassivo”. Em sua mensagem e sua atuação profética pode-se escutar este grito de indignação absoluta: o sofrimento dos inocentes deve ser tomado a sério; não pode ser aceito como algo normal, pois é inaceitável para Deus.
A compaixão que Jesus introduz na história reclama uma maneira nova de relacionarmos com o sofrimento que há no mundo. Para além de imperativos morais ou religiosos, Jesus está exigindo que a compaixão penetre mais e mais nos fundamentos da convivência humana e se torne um “estilo de vida”.
Passos para a oração
1. Coloque-se na presença de Deus.
2. Peça a graça: “Que o Espírito me ajude a ver-me um pouco mais como Ele próprio me vê”.
3. Leia e “saboreie” a Palavra de Deus: Lc 7,11-17
4. Imagine agora os dois cortejos: quando Jesus (a Vida) entrava na cidade de Naim, a Morte saía.. Dois cortejos diferentes: uns seguem a Vida; outros a Morte! Onde você se encontra? E quem é o morto? Um jovem. Ironia da vida!... Aquele que tinha tudo para viver, está morto!..
Quantos jovens estão mortos! Cedo, perderam o sentido da vida, sem ideal, sem projeto, sem sonhos. Incapazes de uma decisão. Esperam. Jesus se aproxima dessa realidade e grita: “Jovem, levanta-te!” “Levanta-te do desânimo, da indecisão! Entra no meu Caminho!” Jesus nos quer no seu cortejo, como discípulos.
Deixe que a vida entre em você; que ela chegue ao mais profundo, onde jazem “seus mortos”.
5. Escute a palavra interior que brota dentro de você... Sentimentos, pensamentos... desejos... apelos...
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana – CEI
03.06.2013