“Então, abraçando as crianças, abençoou-as, impondo as mãos sobre elas”. (Mc 10,16)

 

No filme “O Decálogo 1” do cineasta polonês K. Kiewsloski, o protagonista é um menino de nome Pawel, órfão de mãe, cujo pai o educa sem ensinamento religioso. Um dia o menino, brincando com o computador, vira-se repentinamente em direção à sua tia que está no quarto e lhe pergunta: “Tia, como é Deus?”. A tia permanece em silêncio por um instante, fixa nele o olhar, depois abre os braços e diz: “Vem aqui Pawel”. Ambos se abraçam intensamente.

 

E a tia lhe pergunta: “Diga-me Pawel, como você se sente agora?”. O menino responde: “Bem, eu me sinto bem”. E aquela que o abraça, diz: “É isso Pawel, Deus é assim”.

 

Deus como um abraço: uma das mais sugestivas definições de Deus, elaboradas não a partir de uma linguagem teológica, talvez sofisticada e complexa, definição encontrada nos catecismos, mas uma definição que brota da experiência do abraço, no estilo das parábolas de Jesus.

 

“Deus como um abraço”, experimentado na ternura e no carinho de um abraço. Um Deus que conforta a vida, porque “nominar” Deus deve equivaler a confortar a vida. Se o Deus que transmitimos não conforta e não aquece a vida, a nossa palavra é inútil. Isso vem de encontro o que dizia Pascal: “Eu estou cansado de dizer Deus, eu quero senti-Lo”.

 

O filme, de fato, trata da relação com Deus, a fé e a ciência. Pawel vai crescendo junto a um pai racionalis-ta, cujo único “deus” é o seu computador e a ciência, vista como o futuro e o progresso. A ciência não pode errar, tem respostas para todas as perguntas, diminuindo progressivamente o espaço para Deus.

 

Mas, no fim das contas, ela é incapaz de satisfazer o íntimo desejo do coração, o calor do afeto, que a Pawel é demonstrado por um simples e caloroso gesto da tia, demonstração exemplificada da verdade surpreendente da terna vizinhança de Deus. Se sobre isso se faz experiência, “sente-se Deus” e, a partir disso, supera-se a resistência de falar de Deus e a vida se regenera.

 

Na Igreja, podemos falar de diversos métodos pastorais. Em primeiro lugar está a importância da palavra, oral ou escrita, para anunciar o Evangelho de Jesus. Mas, junto à palavra, é preciso acrescentar as imagens e os sinais sacramentais que falam a nossos sentidos. “Somos corpo”, “somos sensibilidade”, e Deus quebra as distâncias, “faz-se corpo”, “faz-se sensibilidade” para expressar a ternura do seu coração.

 

Jesus acrescenta a estes métodos um caminho pastoral novo: a pastoral dos gestos significativos e em concreto a pastoral do abraço. Abraça crianças e enfermos, anciãos e mendigos, os paralíticos...

São abraços ternos e fortes ao mesmo tempo, sem palavras, como os abraços  às crianças da Palestina, ou como o abraço do pai a seu filho que chegava à casa fracassado e ferido.

 

O Mestre de Nazaré se identifica com as “crianças” ou “os últimos” (abraçar significa identificar-se) e deixa claro que só pode compreender e viver seu projeto – que Ele chamava “Reino de Deus” – quem está disposto a “ser criança”, ou seja, a colocar-se voluntariamente no último lugar, como Ele mesmo havia feito: “o filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir” (Mc 10,45).

 

Para abraçar uma criança é preciso “descer” em direção à ela; com isso o abraço significa colocar-se no mesmo nível dela. Não se abraça de cima para baixo. O abraço nos faz iguais e nos humaniza.

 

Não é preciso ser especialista culto ou profissional para descobrir que o abraço expressa proximidade, afe-to, carinho, solidariedade, empatía, amor. O abraço é sem dúvida algo comum na família e na sociedade, mas quando se realiza no espaço religioso expressa, com gestos concretos, o amor e a benevolência de Deus Pai a seus filhos e filhas, seja qual for sua situação física, cultural, social ou moral. É um abraço que antecipa o abraço eterno do Pai às suas criaturas no final dos tempos.

 

A Igreja deve manifestar-se, deste modo, como uma mãe carinhosa e não como uma juíza autoritária que com seu dedo levantado ameaça a todos os que se desviaram do bom caminho. Assim expressou João XXIII na inauguração do Concílio Vat. II: “em nosso tempo a Igreja prefere usar a medicina da misericórdia mais que a da severidade”.

 

Por isso o papa Francisco não se limita a falar dos pobres ou a optar por eles, mas se aproxima deles e os abraça. Não é simplesmente um abraço pastoral mas algo mais profundo, a pastoral do abraço. É um abraço que tem um profundo sentido profético de denúncia de um sistema que descarta e exclui. Por isso, o papa Francisco abraça sobretudo àqueles que não tem quem os abrace, aos que estão sozinhos, aos marginalizados, aos descartados, aos feridos do caminho;  a estes lhes manifesta a ternura e o carinho de Deus.

 

Seguramente a pastoral do abraço precisa complementar-se com outras mediações pastorais, mas, com certeza, é o caminho pastoral mais impactante, e, em muitos casos, o mais necessário e o único possível, quando as palavras e os gestos são incapazes de expressar algo muito profundo. Os setores populares são aqueles que melhor captam este tipo de pastoral.

 

O abraço pastoral faz parte da dimensão encarnatória da salvação e da graça. Deus não chega até nós através de uma espécie de fluidos etéreos e invisíveis, mas através de mediações sensíveis, físicas, corporais, sacramentais. O abraço sacramental é como um sacramento que expressa a dignidade de cada pessoa e o amor misericordioso do Pai, que em Jesus se revelou a nós e que o Espírito atualiza na história. E por isto não basta o abraço litúrgico da paz na eucaristia, é preciso sair às ruas e abraçar o pobre, o enfermo, a mulher abandonada, o ancião desamparado, o privado de liberdade...

 

Como afirma o Papa Francisco, “no abraço ao pobre estamos abraçando a carne de Cristo”.

Através de seus abraços e através da pastoral do abraço Jesus nos aproximou a presença e a ternura de Deus. Com seus abraços nos manifestou e expressou o abraço do Pai a seu povo. E nos abriu um caminho pastoral para que nós façamos o mesmo: a pastoral do abraço. Seremos capazes de segui-la?

 

O abraço é a palavra da pele que acaricia, das mãos que tocam, dos braços que sustentam, do corpo que diz sua verdade a outro corpo, o compromisso de acolher e defender a outra pessoa. Foi neste nível que Jesus se situou, expressando às crianças a alegria de sua vida e recebendo, em troca, a ternura e a carícia que elas lhe transmitiam com a sua alegria; Jesus se revela em gesto generoso de entrega e doação, para que o outro seja, para que a criança possa crescer em humanidade.

 

Abraçar é: segurar, envolver alguém com os braços, especialmente de modo afetuoso, manter próximo. É uma forma de carinho, de apoio e compreensão. Não se abraça só o corpo, mas a pessoa. É um gesto que ‘diz’: “eu estou unido a você”.

“O abraço é como uma circunferência. De forma simbólica, é um elo. Um momento em que os corações estão mais próximos e se comunicam. Entrega até anatomicamente.”

 

Texto bíblico:  Mc 10,2-16

 

Na oração: O abraço fala uma linguagem universal. Abraçados nós nos ajudamos uns aos outros.

A tecnologia ergue barreiras, um abraço as derruba. A linguagem do abraço é a tradução da linguagem do coração.

 

Deixe que um abraço fale por você, quando as palavras parecerem inoportunas ou saírem com dificuldades...

Um abraço nunca diz: “A culpa é sua”. É comemoração, celebração. Significa apreço, afeição, reconhecimento. Significa confiança, empatia, segurança.

 

Desde sempre fomos abraçados pelo Criador: prolongue este gesto divino no seu cotidiano. Abrace sempre! Abrace muito!

 

Pe. Adroado Palaoro sj

Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI