“Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo” (Lc 3,11)

Advento e Natal nos situam no clima das grandes esperanças da humanidade; neste dezembro mágico nosso coração caminha mais rápido, rompe o tempo, já está lá na frente, pronto para acolher a surpresa.

Tudo aponta para o Eterno que nos escapa e nos encontra. Aqui a imaginação trabalha e cria momentos felizes. Com essa esperança, podemos dar sabor à nossa vida, muitas vezes modesta e simples.

A esperança não é só uma virtude teologal, mas uma habilidade que temos de exercitar; podemos aprender a ter esperança, e esta destreza nos faz mais humanos e mais fortes diante das adversidades da vida.

Quem vive o clima do Advento não é prisioneiro da “cotidianidade”; toda a nossa vida se transforma na história de uma espera e de um encontro surpreendente. Nessa espera vislumbramos detalhes decisivos: a vivência da ternura, a reinvenção da vida em cada amanhecer, a gratuidade amorosa, a alegria descontrolada, o despertar de sonhos... Espera-se Jesus vivendo os valores que Ele encarnou: a sintonia com os pobres, o coração dilatado no serviço, o cuidado terapêutico, a ajuda gratuita...

Nessa atitude de espera o cristão pode dar sabor à sua vida: nos pequenos gestos ela floresce e aponta para um sentido novo. 

“O povo estava na expectativa...”: uma bonita maneira de indicar uma atitude positiva de espera diante de João Batista que, sob o impulso da Palavra brotada no deserto, tocou o coração de muitos.

De fato, João Batista é um personagem instigante e provocativo; muitas pessoas, impactadas pelo seu modo de falar, vão até ele para escutá-lo. João não fala do cumprimento minucioso das normas legais ou dos ritos religiosos. Em nenhum caso faz alusão a uma nova religião, que exigisse um culto diferente, e sim a uma nova forma de viver que dá sentido à própria existência e desperta um modo de proceder para que a relação com os demais seja realmente fraterna, carregada de respeito, de cuidado, de partilha.

O chamado de João à conversão e seu apelo a uma vida mais fiel a Deus despertou em muitas pessoas uma pergunta concreta: “Que devemos fazer?”.  Com algumas pinceladas João reforça a necessidade de mudar a maneira de pensar e de agir; isto é, ativar o que já está presente em nosso coração: o desejo de uma vida mais justa, digna e fraterna.

Todas as propostas que João Batista faz estão direcionadas a melhorar a convivência humana. Percebe-se uma maior preocupação por tornar mais humanas as mútuas relações, superando toda atitude egocentrada.

De fato, uma religiosidade que não se alarga em direção aos outros não é a religiosidade que Deus deseja. Aqui não se trata propriamente de fazer coisas nem de assumir deveres, mas ser de outra maneira, viver de forma mais humana; em outras palavras, a partir do centro de cada um, despertar aquilo que é o mais verdadeiramente humano, para que flua humanidade em todas as direções. Que todo o nosso ser se mova na perspectiva do amor oblativo, que se expressa em “entranhas solidárias”.

João Batista é mais um personagem de Advento; tudo estava tranquilo até que ele apareceu no deserto. Sua pregação sacudiu as consciências, fazendo reacender o espírito solidário que estava atrofiado no coração de todos: a multidão, os publicanos, os soldados... Segundo a definição do Papa Francisco “a solidariedade deve ser vivida como a decisão de devolver ao pobre o que lhe corresponde” (EG 189). A solidariedade é uma decisão, carregada de afeto. A razão, por si mesma não nos leva a ela. É uma decisão pessoal, cordial, livre, voluntária...

A solidariedade é espontânea, não se impõe a partir de cima, senão que supõe uma predisposição favorável ao encontro com o outro, deixando-nos afetar cordialmente pela realidade de quem sofre. A solidariedade nasce da gratuidade e nos faz mover em direção dos outros, sobretudo dos excluídos, daqueles privados de sua dignidade humana.

O encontro com o “outro” marginalizado dá um “toque” especial à nossa espiritualidade e nossa espiritualidade faz nossa ação mais radical – mais enraizada em si mesma e vai mais fundo nas raízes da injustiça. Aproximar-nos do “pobre” e deixar-nos “afetar” pelo seu sofrimento torna-se a maior fonte de nossa espiritualidade. Suas “fraquezas” suscitam em nós o melhor de nós mesmos e, ao nos envolver afetivamente em sua vida, faz com que vivamos um misto de ternura e indignação a que chamamos compaixão.

A solidariedade nos leva a reconhecer no outro (sobretudo o outro que é excluído, marginalizado...) uma dignidade e uma capacidade criativa de superar sua situação; ela gera protagonismo e nunca dependência; compartilha sem humilhar; cria humanidade em seu entorno, com generosidade, humildade e silêncio; supera todo exibicionismo, sentimentalismo ou instrumentalização do outro.

Sabemos que há uma profunda afinidade entre “sólido” e “solidário”; ambas as palavras, etimológicamente, procedem da expressão latina “solidus”. Diz-se “sólido” em virtude de sua firmeza, densidade, fortaleza ou por ser aquilo que se estabelece com razões fundamentais e verdadeiras; a pessoa “solidária” é aquela que encarna tais virtudes. Há um “plus” maior quando essa pessoa vive a fé cristã. Porque, uma fé ausente de solidariedade carece de coerência e sentido; não é firme e não tem a suficiente densidade para suportar as incompreensões daqueles que não estão em sintonia com suas atitudes solidárias.

Portanto, solidariedade é uma “questão de entranhas”, ou seja, encontrar, experiencial e vitalmente, os “outros” excluídos e despojados de tudo, e sentir-se tocado, afetado pela imensa dor que marca a vida de tantos. A partir daqui o rosto da pessoa solidária é modelado pela compaixão e gratuidade.

A “solidariedade compassiva”, que brota do “patire cum” ou compadecer-nos diante da dor e da miséria do outro, devolve a todos nós a imagem de seres humanos. A solidariedade nos humaniza.

Trata-se aqui de viver a cultura da solidariedade, entendida evangelicamente, que forja nosso ser e nosso fazer no manancial que brota da compaixão e se desenvolve realizando a justiça.

A solidariedade que nasce da compaixão não acaba nela mesma, mas leva a reconhecer no outro uma dignidade e uma capacidade criativa de superar sua situação. 

Isto pede de nós uma atitude de abertura ao outro, o que implica colocar-nos em seu lugar, deixar-nos questionar e desinstalar por ele... Importa, pois, redescobrir com urgência a solidariedade como valor ético e como atitude permanente de vida...; não uma solidariedade ocasional, mas uma solidariedade cotidiana que se encarna nos pequenos gestos de serviço no dia-a-dia.

Só assim o tempo Advento deixará transparecer seu sentido mais profundo. Deus, ao entrar na história, se faz solidário com a humanidade, salvando-a. O rosto solidário de Deus se visibilizará em cada um de nós quando entramos no fluxo do Seu amor descendente e comprometido. 

Texto bíblico: Lc. 3,10-18

Na oração: A originalidade do Advento está em “alargar” o espaço interior para que os outros encontrem lugar. A atitude da partilha, da solidariedade e do compromisso com os últimos são expressões deste Tempo tão nobre e inspirador.

* Na sua vivência cristã, como responder frente ao chamado tão simples e tão humano de João Batista?

Pe. Adroaldo Palaoro sj

08.12.21