“As multidões perguntavam a João: ‘que devemos fazer?’” (Lc 3,10)

 

Na iminência da vinda do Messias, os que se deixam envolver pela pregação do Batista lhe pedem normas de comportamento. Estas poderiam ser resumidas numa palavra: humanismo, ser gente.

 

Novamente, estamos acostumados demais a estes textos, impedindo-nos de descobrir sua novidade. Mas, o normal que se esperaria do profeta e asceta como o Batista, seria: exercícios de penitência, jejum e cilício. No entanto, o Batista tem as ideias muito claras; não propõe às pessoas acrescentar às suas vidas novas práticas religiosas, não lhes pede que fiquem no deserto fazendo penitência, não lhes fala de novos preceitos. É preciso acolher o Messias, olhando atentamente e comprometendo-se com os necessitados.

Em outras palavras: viver a partilha; para os fiscais de imposto, serem honestos; para os soldados, não devem molestar as pessoas e contentar-se com seu soldo.

Ser humano: esta é a exigência do momento quando o Reino de Deus acontece no meio de nós.

 

Nesta terceira semana do Advento os sinais se tornam mais concretos: é preciso abrir-se à alteridade para viver a partilha, sair do estreito círculo do “meu”, para que o instinto de posse deixe passagem à liberdade de preferir o bem maior da relação: oportunidade de humanizar nosso louco consumismo, fazer-nos mais sensíveis ao sofrimento das vítimas, crescer em solidariedade prática, denunciar os desmandos na gestão da coisa pública, ativar a força da compaixão... Essa será nossa maneira de acolher com mais verdade o Messias em nossas vidas.

 

O Advento nos torna flexíveis, atentos às inspirações do Espírito; é um estado de alerta, de escuta e de uma grande atenção em relação à realidade que nos cerca, buscando ser presença que ajuda, que eleva e que salva quem está em situação de necessidade. O Advento revela a natureza humana verdadeira, quando esta não está entulhada pela ilusão e pelo ego; é des-centrar-nos, desfazer-nos de tudo aquilo que acreditamos ser, para que somente fique em nós o que é próprio de Deus.

 

Viver em “estado de mobilidade expansiva” é sair de nossos hábitos, sair do conhecido. Se entrarmos nessa aventura, nossa vida será virada pelo avesso e completamente questionada.

 

O Advento é o que diz “sim” em nós: sim à vida, sim ao compromisso, sim à compaixão... É necessário que descubramos em nosso interior, o sim mais profundo; ativá-lo para que nossa vida cresça em humanidade e alargue nossa capacidade de sair e caminhar para além de nós mesmos. O sim interior deve ser uma irradiação de todo o nosso ser.

 

Quando o impulso para o além, para a transcendência nos habita, tudo se torna sagrado, nossos olhos se tornam contemplativos e se fazem mais oblativos, movendo-nos em direção aos outros. Podemos dizer que o Advento, quando carregado por uma expectativa de Alguém que vem ao nosso encontro, destrava nosso coração, mãos e pés: coração cheio de compaixão e ternura; mãos que curam, cuidam, abençoam... e pés que nos arrancam de nossos lugares estreitos e nos deslocam em direção às margens, para junto dos pobres e excluídos.

 

Uma pessoa marcada pela vivência do Advento não é aquela que, por medo, se distancia do mundo, mas é aquela que, movida por uma radical paixão, desce ao coração da realidade em que se encontra, aí se encarna e aí deixa transparecer o rosto da velada presença do Inefável. Isso significa uma maneira diferente e original de ser presença na realidade, dividida e conflituosa.

 

A espera do Messias não é passiva; ela se revela na saída de si mesmo, descentrar-se para entrar em sintonia com o outro, sobretudo os mais necessitados.

 

A espera implica um “modo de proceder” aberto e expansivo... Também na vivência cristã somos contaminados pela cultura do imediatismo e do ativismo; somos vítimas ingênuas de uma competitividade que nos é imposta e que nos exige desumanamente; com isso, o desejo de ajudar e de servir ficam soterrados pelo esgotamento, pela descrença e pelo desgaste profundo.

 

Há uma doença terrível e mortal que nos afeta a todos: a “compulsão prática” (popularmente conhecida como “fazeção”) ou seja, preocupação sem medida com o “fazer”. Com a chegada do “utilitarismo”, a pessoa passou a ser definida pela sua “produção”: a identidade é engolida pela “função”. E isto se tornou tão enraizado nela que, quando alguém lhe pergunta “quem ela é”, responde imediatamente o “que ela faz”.

 

Estamos mergulhados na cultura de resultados. A existência inteira faz-se maquinal e rotineira; já não encontramos mais “tempo” para desfrutar das atividades mais simples e humanas. Sentimo-nos invadidos por ruídos, pressas, atropelos, ansiedade, resultados imediatos, vivências superficiais... sem uma unidade interna e sem uma direção. Vivemos uma quantidade de experiências rápidas, amontoadas, sem possibilidade de avaliação... e vamos perdendo, pouco a pouco, a história pessoal e comunitária. Com isso, nosso “modo de viver” torna-se rotineiro, pesado, carregado de desencanto..., nos tornamos medíocres e nos acomodamos na passividade.

 

Nossas ações e nosso serviço se esvaziam, tornam-se “insensatos” (sem sentido, sem inspiração e sem motivação: “para quê?” “para quem?”); fazemos coisas que não faríamos se pudéssemos tomar distância e discernir a respeito do que estamos fazendo. Tudo isso nos faz viver à margem de nós mesmos, na superficialidade... sem poder captar o “mistério” escondido em nosso interior, nos outros e nas criaturas.

 

É neste contexto dramático e perigoso que devemos situar o lugar e o sentido do Advento, fonte primordial de inspiração do novo, de sentido evangélico de nossa ação, de esperança ousada.... como um modo de ser, uma atitude de base a ser vivida em cada momento e em todas as circunstâncias.

 

O Advento é a contracorrente do ativismo. Se, de um lado, o ativismo nos arrasta para a repetição e a conservação, de outro lado, a espiritualidade do Advento nos impulsiona para a busca, a criatividade, a ação discernida... visando o “maior e melhor serviço”.

 

Devemos habitar um mundo onde a interioridade faz a diferença, ou seja, onde as pessoas se definem por suas visões, paixões, esperanças, sonhos, imaginação criativa...

 

Texto bíblico:  Lc 3,10-18

 

Na oração: A realidade cotidiana (casa, comunidade, trabalho, militância, relações...) é o “lugar” onde somos chamados a viver o Advento e a deixar-nos conduzir pelo mesmo Espírito que animou João Batista, o levou a mergulhar na trama humana e a assumir o risco do compromisso.

 

- Contagiar os outros com a nossa esperança: esta é a disposição de uma “Igreja em saída” e que não aguarda numa sala de espera.

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj