“Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, a fim de apresentá-lo ao Senhor” (Lc 2,22)

No oriente, esta festa é conhecida como “o encontro”; no Ocidente, tomou o nome de “purificação de Maria” ou “candelária”, porque a cerimônia mais vistosa deste dia era a procissão das candeias, ou seja, quarenta dias depois do nascimento de Jesus (fechando o ciclo do Natal), os cristãos (especialmente as mulheres) iam às igrejas com velas/candeias, dando graças pela vida.

Na nova liturgia, a festa deste dia chama-se “apresentação do Senhor”; nela retoma-se o simbolismo da Epifania, recordando Jesus como Luz de todos os povos.

Falamos de nova Epifania quando Jesus é manifestado a Israel, representado por dois idosos (Simeão e Ana) que estavam no Templo, alimentando uma esperança que agora se realiza: tomar nos braços o Menino Salvador. Na primeira Epifania, os Magos, depois de adorarem o Menino, regressam às suas terras por outro caminho. Agora é a Epifania daqueles que também querem “partir” com a vida plena e realizada.

O relato do nascimento de Jesus em S. Lucas é desconcertante: não há lugar para acolhê-lo; os pastores o encontram deitado em um presépio, sem outras testemunhas a não ser Maria e José. Temos a impressão que Lucas sente a necessidade de construir um segundo relato no qual o menino é resgatado do seu anonimato para ser apresentado publicamente. E o Templo de Jerusalém é o lugar mais apropriado para que Jesus seja acolhido solenemente como o Messias enviado por Deus a seu povo.

Mas, de novo, o relato de Lucas é desconcertante. Quando os pais se aproximam do Templo com o menino, não são os sumos sacerdotes nem os demais dirigentes religiosos que saem ao seu encontro. Também não é recebido pelos mestres da Lei que pregam suas “tradições humanas” nos átrios do Templo.

Jesus não encontra acolhida nessa religião fechada em si mesma e distante do sofrimento dos mais pobres; não encontra amparo em doutrinas e tradições religiosas que não ajudam a viver uma vida mais digna e mais humana.

Somente os olhos apagados de dois idosos (Simeão e Ana) conseguem ver o Salvador; somente os braços cansados desse casal ancião conseguem abraçar o Salvador; somente eles conseguem estreitar em seus corações  Aquele que é a Esperança dos povos. Uma vida cheia de promessas e esperanças; agora, marcados pela gratidão, cantam de alegria e louvam o privilégio de acolher a Quem tinham esperado durante toda uma vida.

O mundo está cheio de mistérios grandiosos que cobrimos com a rotina e as pressas. Falta-nos capacidade de assombro e pureza no olhar. Quando o mundo é visto tão somente com os olhos estreitos e interessados, os encantos e as surpresas da vida passam desapercebidas e se tornam realidades opacas, ambíguas, obscuras.

Os modos de agir de Deus são discretos, quase escondidos; só um olhar contemplativo consegue perceber. Por isso, podemos evocar aqui o ícone da Apresentação de Jesus no Templo, onde o Espírito convoca todos os personagens e os faz coincidir em uma festa de promessas cumpridas. Todo o relato do evangelho deste domingo está atravessado de cotidianidade, tudo transcorre “sob a lei” e alguns ritos. Simeão e Ana são presenteados com o privilégio de contemplar o Salvador, porque souberam esperar e permanecer na fidelidade; souberam contemplar, na vulnerabilidade de um menino, o desejado de Israel.

Na passagem de Lucas, nem os sacerdotes do templo, nem os mestres da lei, nem os legitimados pela religião ou pelo poder social reconhecem no Menino a presença do Salvador. Aqui falam os pequenos e os simples; aqueles que não costumam ter palavra – pastores, pagãos, idosos – são os que veem mais além, maravilham-se, reconhecem e confessam. E com eles devemos estar, se queremos também reconhecê-Lo.

Podemos dizer que o Nascimento de Jesus está rodeado de idosos(as); os anciãos são despertados: primeiro foi Zacarias; logo depois, Isabel. Mais tarde Simeão e Ana.

Simeão, aquele da promessa de que não morreria sem ver o Salvador. Ana, a profetisa que dá graças a Deus e fala do menino a todos os que aguardam a libertação de Jerusalém.

A cena da “apresentação de Jesus” nos faz recordar e compreender o valor e a importância da presença dos anciãos, sobretudo entre as crianças e os jovens. Eles são um tesouro.

O Papa Francisco nos diz: “Nós vivemos em um tempo no qual os anciãos não são contados. É feio dizer isso, mas eles são descartados porque atrapalham”. No entanto, “os anciãos são aqueles que nos trazem a história, a doutrina, a fé e nos deixam como herança. São como o bom vinho envelhecido, isto é, tem dentro de si a força para nos dar essa herança nobre”.

Jesus é “apresentado” publicamente no Tempo; mas, só dois idosos desconhecidos saem do “anonimato” e cantam a esperança que os alimentara tanto tempo. Seus olhares cansados conseguem ver naquela criança a esperança realizada do Povo de Israel.

O velho Simeão personifica a justiça e a piedade israelita; representa o povo que escuta a Deus, que recebe seu Espírito e espera a chegada do Messias. Não tem idade, não é de agora nem de antes; é de sempre, é a plenitude da esperança. Recebeu a promessa de ver a Cristo Senhor antes de morrer e vive somente para isso. Assim, quando chegam os pais de Jesus, ele se apresenta, toma o menino em seus braços e bendiz a Deus dizendo: “Agora, Senhor, podes deixar teu servo ir em paz...”

Soube esperar; agora, sabe esperar a morte com serenidade. Sua vida culminou, teve sentido tudo o que tinha feito. Agora pode morrer com a esperança realizada, como indivíduo concreto e como patriarca, representante do povo, condensado em sua pessoa. O verdadeiro Israel, que é Simeão, cumpriu sua missão esperando o Salvador em quem todos os povos se vinculam no gesto de paz. Toda uma vida centrada numa promessa; toda uma vida carregada de esperança; toda uma vida que não se cansa de esperar.

Simeão viveu e envelheceu crendo numa promessa; viveu e envelheceu sem cansar-se de esperar. A luz tardou em iluminar; a noite foi longa para envelhecer. Mas, a esperança é assim: não tem hora; as esperanças semeadas no coração terminam amanhecendo. Começa a fazer-se luz quando seus olhos já estão se apagando. Pode abraçar o Salvador prometido, quando seus braços já estão cansados.

O evangelho de hoje nos fala também de outra grande mulher, cuja pequenez enaltece: Ana, a profetisa.

Ana conectou sua vida com as batidas do coração de Deus, esteve sempre em oração, sempre no Templo, em sintonia com uma esperança que pairava no ar. Ela nos fala da espiritualidade do esvaziamento de nossos egos inflados, nossas soberbas, saindo de nós mesmos para deixar espaço ao Menino, colocando nossa voz, nossas pessoas, nossas vidas para torná-lo conhecido entre todos. O importante é falar do Menino, como Ana; ser profetas e profetisas, em seu nome.

Ana, a profetisa, pode nos comunicar algo do segredo da esperança. Para isso, como esta idosa, conectemos com esse pulsar que, se estivermos atentos, sentiremos em nossas entranhas. Deixemos que a Ana profetisa que há em todos nós, tenha vida e fale a todos do Menino. Despojemo-nos de tudo o que nos impede ser Ana, daquilo que não nos deixa ser profetas e profetisas.

Esqueçamos nossa mediocridade e deixemos levar, deixemos fluir a Vida de Deus em nós, em nosso entorno. Sejamos como Ana, portadora da Boa Notícia do Menino, tão pequeno e tão grande.

Em seguida, a família de Jesus retorna ao cotidiano de Nazaré; ali, o Menino “crescia” e se “humanizava”. De fato, o ambiente familiar é o lugar privilegiado para o amadurecimento físico, espiritual, social... de todo ser humano. É também o espaço propício para que cada um vá desenvolvendo e ampliando suas capacidades, seus sonhos, seu projeto de vida... Se Jesus, mais tarde, pregou e viveu o amor, a entrega, o serviço, a solicitude para com o outro, quer dizer que Ele foi incentivado a viver tudo isso no seu ambiente familiar. Na escola da vida, comum e cotidiana, Jesus também foi aprendiz.

Ele viveu a vida como um processo lento e progressivo, a partir da própria condição humana no meio dos seus, no meio do seu povo e em vista do Reino de Deus, graças a uma criatividade transformadora.

Texto bíblico:  Lc 2,22-40

Na oração: “Não é necessário que alguém me apresente diante de Deus. Sei que sou mais d’Ele que de mim mesmo e eu nada seria se me separasse d’Ele. Essa realidade desconcertante me ultrapassa. Uma vez descoberta e aceita, me abre possibilidades infinitas como ser humano” (Fray Marcos).

- Como integrar, na sua vida, estes dois ambientes: Jerusalém e Nazaré?

- Rezar o seu “cotidiano” familiar, comunitário, profissional, social... Sua presença “faz diferença”?

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

30.01.2025