“Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘a paz esteja nesta casa!’” (Lc 10,5)

No Evangelho deste domingo Lucas recolhe um importante discurso missionário de Jesus, dirigido não mais aos Doze, mas a outro grupo numeroso de discípulos, o qual envia para que colabore com Ele em seu projeto de instauração do Reinado do Pai. As palavras de Jesus constituem uma espécie de carta fundacional onde seus seguidores devem alimentar sua missão evangelizadora.

Jesus “designou discípulos” e não “escolheu”. Designar é nomear para uma função; “desígnio” = intenção, propósito, vontade. Designar 72 discípulos significa que Jesus já os tinha no próprio coração; não foi uma escolha aleatória. Ele designa as pessoas que conviveram com Ele e se deixaram impactar pelo seu modo original de ser e agir.

Jesus envia seus discípulos de “dois em dois”; por que esta insistência em fazer o caminho ao menos junto a outro? Para os judeus, a opinião de um só não tinha nenhum valor em um juízo, e os missionários são, sobretudo, testemunhas. Também, porque a mensagem deve ser proclamada sempre em comunidade.

É preciso ir “de dois a dois”, ou seja, dispostos a caminhar com outros, a comportar-se como cúmplices e companheiros, a negociar metas e compartilhar itinerários, convencidos de que o individualismo já caducou; ajudam-se um ao outro, se sustentam e se apoiam mutuamente.

É importante destacar que há um dado constante em todos os relatos de envio: a casa, como lugar preferencial para os discípulos missionários. E isso não é estranho. É certo que Jesus ensinou nas sinagogas; no entanto, Ele preferia muito mais ensinar a campo aberto, indo pelos caminhos, atravessando vilas e povoados, aproveitando as travessias do Lago de Genesaré... Mas, sobretudo, Ele ia aonde homens e mulheres realizavam suas atividades comuns, no simples contexto do trabalho cotidiano e, de maneira privilegiada, nas casas, começando, desde logo, pela sua própria casa. A casa acaba sendo o espaço alternativo que se adequava melhor à atuação do Mestre, enquanto sua pregação acontecia na itinerância.

A Boa Notícia de Jesus deve ser comunicada com respeito total, a partir de uma atitude amistosa e fraterna, contagiando a paz. É um erro pretender impô-la a partir de uma pretensa superioridade, de ameaça ou de ressentimento. É ante evangélico tratar sem amor as pessoas só porque não aceitam a mensagem. Mas, como vão aceitá-la se não se sentem compreendidas por aqueles que se apresentam em nome de Jesus?

Em primeiro lugar, Jesus convida seus discípulos e a nós a viver em atitude de saída, de encontro com o outro. Ele não funda uma religião onde as pessoas se fecham no ritualismo, no culto, na doutrina, vivendo uma autorreferência e um narcisismo doentio. Jesus move aqueles que o seguem a saírem de si mesmos para se deixarem contagiar pelos outros. Aqueles que vivem fechados em si mesmos não sabem escutar o clamor e os gemidos dos outros e acabam se tornando insensíveis e incapazes de viver uma presença solidária.

Jesus convida a romper distâncias e suspeitas para viver uma proximidade acolhedora com o outro; é preciso viver em situação de saída para que entre o diferente, a novidade, o surpreendente... Citando o poeta Rilke, o ser humano deve viver em situação de despedida.

Infelizmente temos esquecido que “ser cristão” é “seguir” Jesus Cristo: mover-nos, dar passos, caminhar, construir nossa vida seguindo suas pegadas. Nossa vivência cristã, muitas vezes, se restringe a uma fé teórica e inoperante ou se fecha numa prática religiosa rotineira e vazia; não transforma nossa vida em seguimento de Jesus.

Seguir Jesus Cristo é aderir a Ele incondicionalmente, é “entrar” no seu caminho, recriá-lo a cada momento e percorrê-lo até o fim. Seguir é deixar-nos “configurar”, isto é, movimento pelo qual nossa vida vai sendo modelada pelo modo de ser e viver de Jesus.

Jesus não nos chama para seguir uma religião, uma doutrina, nem fazer proselitismo... Ele desencadeia um movimento de vida e nos convoca a segui-Lo, ou seja, identificar-nos com Ele e com a causa do Reino.

O horizonte do chamado e do envio não é outro que o compromisso em favor da vida e das pessoas, frente àquelas forças que tendem a travar e danificar a mesma vida. A partir desta perspectiva, a “missão” pode reencontrar seu verdadeiro sentido. Enviados(as) em favor da Vida, seus(suas) seguidores(as) sabem muito bem qual é o encargo que Jesus lhes confia. Nunca O viram governando a ninguém; sempre O conheceram curando feridas, aliviando o sofrimento, regenerando vidas, destravando os medos, contagiando confiança em Deus. O que Jesus sempre quis foi “discípulos/as” que lhe “seguissem”, ou seja, que vivessem como Ele viveu: dedicados a curar enfermidades, aliviar sofrimentos, acolher as pessoas mais perdidas e extraviadas, pacificar as relações. Assim nasceu o “movimento de Jesus”.

É preciso sair dos limites conhecidos; sair de nossas seguranças para adentrar-nos no terreno do incerto; sair dos espaços onde nos sentimos fortes para arriscar-nos a transitar por lugares onde somos frágeis; sair do inquestionável para enfrentarmos o novo... É decisivo estar dispostos a abrir espaços em nossa história a novas pessoas e situações, novos encontros, novas experiências... Porque sempre há algo diferente e inesperado que pode nos enriquecer...

A vida está cheia de possibilidades e surpresas; inumeráveis caminhos que podemos percorrer; pessoas instigantes que aparecem em nossas vidas; desafios, encontros, aprendizagens, motivos para celebrar, lições que aprendemos e nos fazem um pouco mais lúcidos, mais humanos e mais simples...

“Sede itinerantes”: este é o apelo que brota do modo de viver que Jesus elegeu quando se dedicou a proclamar sua Boa Notícia e aliviar o sofrimento humano. Ele não tinha templo, não tinha casa, não tinha onde reclinar a cabeça... Este desapego de todo tipo de segurança é a atitude básica e fundamental que todo(a) discípulo(a) deve adotar. O anúncio não pode ser realizado em lugares fechados ou sentados numa cátedra. Seguir Jesus exige uma dinâmica continuada. Nada pode ser comunicado a partir de uma cômoda instalação pessoal. A disponibilidade e a mobilidade são exigência básicas da mensagem de Jesus.

Mesmo que, com frequência, esqueçamos desse apelo de Jesus, a essência da Igreja está marcada pela mística do envio. Por isso, é perigoso concebê-la como uma instituição fundada para cuidar e proteger uma religião. Ela não foi fundada para preservar ritos arcaicos, doutrinas estéreis, normas vazias... Ela é um “corpo” para a missão; responde melhor ao desejo original de Jesus quando a Igreja é imagem de um movimento profético que caminha pela história, segundo a lógica do envio: saindo de si mesma, comprometendo-se com os outros, levando ao mundo a boa notícia de Deus. “A Igreja não está aí para si mesma, mas para a humanidade” (Bento XVI).

Por isso, é tão perigosa a tentação de viver na retaguarda, centrados em nossos próprios interesses, nosso passado, nossas conquistas doutrinais, nossas práticas e costumes “religiosos”. Pior ainda é quando fazemos isso petrificando nossa relação com o mundo. Que é uma Igreja rígida, paralisada, fechada em si mesma, sem profetas de Jesus e sem portadores da Boa Notícia da vida e da paz.

Texto bíblico:  Lc 10,1-12.17-20

Na oração: Diante de Jesus, que “passa e chama” a todos, responda: como você vive, hoje, sua missão no trabalho, no seu ambiente, na sua comunidade? Que sentido você quer dar à sua própria vida?... em quê gastar suas forças, capacidades? Como viver, no seu cotidiano, sua vocação de discípulo(a)-missionário(a)?

- Sua comunidade cristã está mais próxima do “movimento de Jesus” ou vive “formatada” pelo peso de uma religião fechada, desencarnada e descompromissada?

Pe. Adroaldo Palaoro sj

03.07.2025