“Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra que não seja demolida!” (Lc 21,6)

 

 

“Um peregrino percorria seu caminho quando certo dia passou diante de um homem que parecia ser um monge e que estava sentado no campo.

Perto dali, outros homens trabalhavam em um edifício de pedra.

- “O senhor parece um monge”- disse o peregrino.

- “Sim, sou um monge”- respondeu o monge.

- “Quem são aqueles que estão trabalhando no edifício?”

- “Meus monges”- respondeu – “Eu sou o abade”.

- “É magnífico”- comentou o peregrino – “É estupendo ver levantar um mosteiro”.

- “Nós o estamos derrubando”- disse o abade.

- “Derrubando-o?”- exclamou o peregrino – “Por que?”

- “Para poder ver o sol nascer todas as manhãs” - respondeu o abade”.

 

Estamos chegando ao final de mais um tempo litúrgico (Tempo Comum); fizemos uma longa “caminhada contemplativa”, tendo os olhos fixos em Jesus e deixando-nos ensinar por Ele. Hoje, mais uma vez, ressoa forte em cada um de nós, o apelo de Jesus: é preciso “sair dos próprios muros”,  remover as pedras que foram soterrando a vida dentro de nós, derrubar as muralhas que cercam nosso coração.

 

O contexto é a presença de Jesus no Templo de Jerusalém e a admiração dos discípulos diante da grandeza e da beleza do edifício. No entanto, Jerusalém e o Templo traíram sua missão e serão destruídos pois se fecharam em suas fronteiras, em suas seguranças e não acolhem a transformação interior que Jesus trouxera. Com toda a sua beleza e grandiosidade o Templo carrega sinais de morte dentro de si. A destruição do santuário é para Jesus a consequência do fechamento interior e recusa a acolher a novidade do Reino. Não só o Templo, mas as realidades que parecem intocáveis e eternas devem cair para que seja possível a Nova Jerusalém, humana e humanizadora.

 

Jesus, ao falar da destruição do Templo de Jerusalém não estava interessado na destruição dos edifícios, e sim, na destruição da vaidade e do orgulho humano; não vislumbrou a ruina dos muros e das pedras, e sim a ruína da vanglória. Sua presença rompe muralhas, afasta as pedras que impediam a manifestação da Vida.

Dizer: “não ficará pedra sobre pedra” é o mesmo que dizer: “não ficará orgulho sobre orgulho, opressão sobre opressão, injustiça sobre injustiça…” Há muitas pessoas encerradas em seus próprios muros... pessoas fechadas em si mesmas, em seus interesses, vivendo um universo de egoísmo e exclusão. Vivem separadas dos outros, e quando encontram pessoas semelhantes criam verdadeiros cemitérios ao seu redor.

 

Cobrimo-nos de pedras, rodeamos nosso coração de muros,  construímos muralhas que nos afastam dos outros e de Deus. É o que somos convidados a fazer: destruir o templo de Jerusalém da solidão, fechamento, angústia, alienação, indiferença, rancor, medo e insegurança… Precisam desparecer os templos abusivos onde adoramos o nosso “eu” e idolatramos a riqueza, o poder, o prestígio…

 

É sobre as cinzas de nossas míseras ambições que o Reino de Deus plantará suas raízes. É preciso romper com as muralhas para que a Vida brote. A Vida que habita em cada um de nós. Todo ser humano é dotado de riquezas especiais e únicas, dons pessoais e insubstituíveis, um jeito de ser irrepetível... Há uma força interior que quer romper a casca e transbordar numa explosão vital multiplicadora. Mas, muitas vezes há pedras (grandes e pequenas) que impedem esta manifestação da Vida plena.

 

A mudança de mente, de coração, de esperança, de paradigmas... exige de nós que, de tempos em tempos, revisemos nossas vidas, conservando umas coisas, alterando outras, derrubando  ideias fixas, convicções absolutas, modos fechados de viver...   que  impedem a entrada do sol e da brisa da manhã.

 

Há em todo ser humano uma tendência a cercar-se de muros, a encastelar-se, a criar uma rede de proteção. Nada mais contrário ao Seguimento de Jesus que a vida instalada e  uma existência estabilizada de uma vez para sempre, tendo pontos de referência fixos, definitivos, tranquilizadores...

Numa vida assim faltaria por completo o princípio da criatividade, a capacidade  de questionar-se,  a audácia de arriscar, a coragem de fazer caminho  aberto à aventura.

 

Se quisermos que a nossa vida cristã tenha a marca da adesão a Jesus, é necessário compreender que somos chamados a um compromisso diferente e  mais profundo: sair da reclusão de nosso mundo para entrar na grande “casa” de Deus; romper com o tradicional para acolher a surpresa; deixar a “margem conhecida” para vislumbrar o “outro lado”; desnudar-nos de ilusões egocêntricas; afastar a “pedra” da entrada do coração para poder viver com mais criatividade... 

 

As respostas do passado às questões atuais já não satisfazem; as velhas razões para fazer coisas novas, simplesmente já não movem os corações num mundo repleto de novos desafios. Não há razão para permanecer nos castelos e mosteiros quando todas as circunstâncias mudaram. É muito tarde para reconstruir nossas vidas utilizando moldes antigos.

 

Estamos vivendo um tempo de mudança, mas também tempo emocionante e santo. Há um poderoso fogo sob as cinzas. Precisamos avivar a chama, acolhendo o momento presente e vivê-lo até suas últimas consequências. “Este é o tempo de graça, o tempo de salvação”.

Vivemos um momento de densidade única; participamos de uma sociedade rica pela diversidade e pelo pluralismo. No entanto, não teremos nada que oferecer a ela se não nos deixarmos “empapar” pela experiência do discipulado. Com a vida cristificada somos impulsionados a inventar constantemente, a ousar sem medo, a “deslocar-nos” sem cessar, na busca de um “novo começo”...

 

A possibilidade de rompermos com um hábito ou com um padrão em nossas vidas é a marca do Evangelho deste domingo. A primeira atitude é reconhecer que nossa vida está “estreita” e que precisamos nos colocar num horizonte diferente.  A lucidez do seguimento nos revela que a utopia de Jesus é possível. Em Jesus acontece algo totalmente novo. Ele traz uma nova maneira de viver que não cabe nos nossos esquemas; o Seguimento é uma novidade que rompe velhos barris. “Vinho novo em odres novos”. Sentimentos novos em um coração ardente; visão nova em olhos ousados...

 

Para encontrar Jesus Cristo é preciso “sair”;  é inútil permanecer nos templos. É preciso caminhar em direção às “periferias existenciais”, o Grande Templo onde o Vivente se deixa encontra. Afinal, vivemos mergulhados na magia do Discipulado; esta é a paixão que não nos dá repouso.

 

Texto bíblico:  Lc 21,5-19

 

Na oração: Viver o Seguimento de Jesus hoje é deixar expandir tudo o que é vida dentro de nós.  É contaminar de Luz as trevas que criamos e que sufocam a alegria plantada em nós desde sempre.

Deixemo-nos iluminar, levemos a Luz nas nossas pobres e  frágeis mãos, iluminando os recantos de nosso cotidiano. Destruídos os muros e afastadas as pedras… resta caminhar..

 

 

 Pe. Adroaldo Palaoro sj

Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana – CEI

11.11.2013