“...ficai sabendo que o Filho do Homem está próximo, às portas” (Mc 13,29) 

Estamos no penúltimo domingo do “ano litúrgico B” e o evangelho deste domingo é tirado do “discurso escatológico” ou “pequeno apocalipse” de Marcos (cap. 13). Este capítulo faz a ponte entre a vida pública de Jesus e sua Paixão. Escatologia, procede da palavra grega “escatón”, que significa “o último”. Ao pro-por leituras que fazem referência “aos últimos tempos”, a liturgia quer nos convidar à “vigilância” e à atenção ao tempo presente.

O discurso escatológico, que encontramos em Marcos, quer recordar algumas convicções que deverão ali-mentar a esperança dos(as) seguidores(as) de Jesus. O anúncio esperançador é reforçado pela imagem da figueira que, carregando-se de brotos, anuncia a primavera. Esse é nosso destino: caminhamos para uma Primavera que não conhecerá ocaso. A certeza disso está enraizada na promessa de Jesus: “O céu e a terra passarão, mas minhas palavras não passarão”. 

O Evangelho deste domingo tem muito de inverno e tem muito de primavera. Primeiramente, fala-nos desse momento final, onde tudo parece terminar em cataclismo. Mas logo nos abre à primavera da figueira que começa a gerar novos brotos nos ramos ainda quase desnudos do inverno. E, finalmente, enraíza nossa esperança na Palavra de Deus. A realidade pode tremer, o céu pode ficar escuro, como se o sol tivesse apagado. No entanto, aí está a Palavra de Jesus que nos abre para acolher um “novo tempo”. 

Se nos deixassem optar, certamente escolheríamos as estações da primavera e do verão. No entanto, não podemos imaginar um ano sem a estação do inverno. É possível que aconteceria uma catástrofe. Porque, no inverno, a terra se faz mais fecunda, a seiva se concentra nas raízes e fortalece as árvores; logo, elas poderão dar melhores frutos. No inverno, as plantas ficam hibernando para estarem mais sadias nas outras estações; no inverno a vida se retrai, parece que tudo morre; ele desnuda as árvores para que a primavera possa vesti-las com novas folhas. O inverno é estação de silenciosa transformação que começa nas profundezas das raízes. 

A vida passa por contínuos invernos: as dúvidas, os momentos de obscuridade, as tribulações, a desolação, o silêncio de Deus..., são o inverno da fé, mas não matam a fé; tais invernos nos fazem descer às raízes para concentrar energias e, assim, robustecer-nos e fortalecer-nos para um novo impulso vital.

Os incômodos do presente, os fracassos, a obscuridade diante do futuro, as crises sociais e econômicas, a onda de intolerância e preconceito..., são o inverno da esperança, mas não matam a esperança; pelo contrário, dão-lhe mais consistência e profundidade, gestando a surpresa de um novo tempo. 

As palavras do evangelho deste domingo são muito fortes, pois põem um sinal de interrogação sobre toda nossa velha história, feita em grande parte de mentiras e injustiças, ódios e violências... Sobre este mundo, petrificado e indiferente, se anuncia e se prepara a vinda de Jesus, o Homem novo... Isso significa que serão destruídos os modelos atuais de vida, centrados no individualismo e no descarte, no poder e violência que excluem, na fria intolerância que cria muros... Este será um grande “desastre”; os “falsos astros” do céu da vaidade e do poder serão abalados e cairão. 

Tomamos esta palavra “desastre” em seu sentido forte, como destruição da ordem astral onde se sustenta a vida da terra e a história da humanidade. Mas, no final, como no quarto dia da Criação (quando o Criador fixou a ordem da abóboda celeste, com o sol, a lua e as estrelas, por cima da terra, para iluminá-la e tornar possível a existência de vida), Deus novamente intervirá criando uma nova ordem de salvação, centrada no Filho do Homem (e não no sol, lua e estrelas que alimentam o ego social). Este mundo não será consumido, mas consumado, pois Deus reserva uma plenitude de sentido para a Criação inteira. Um dia Deus salvará definitivamente, mas essa salvação já começou, aqui e agora. Mas, o “desastre” não se refere somente a uma realidade exterior; o discurso escatológico nos convoca a dirigir o olhar para o nosso “mundo interior”, onde o ego brilha como o “sol”, a vaidade se revela como “lua”, a competição e a aparência nos fazem sentir como “estrelas”. 

Vivemos hoje tempos complicados, difíceis...; partilhamos um momento de grande inquietude espiritual, de distúrbios existenciais, de profundos dilemas morais, de trágica opção pela morte e pela violência... Aqui, sempre se revela válido o alerta de Guimarães Rosa: “Viver é muito perigoso”. No entanto, resistimos! A esperança é um princípio vital, expresso na sábia constatação de que “enquanto houver vida, há esperança”. Também resistimos diante da memória das inevitáveis e sofridas experiências cotidianas, que poderiam deixar como consequência o medo, a perda do sentido da existência, o vazio de horizontes, o desânimo... O ser humano é um “animal teimoso”, pleno de esperança, sedento do novo... 

Nem a fé, nem a esperança amadurecem na bonança. A esperança se fortalece na obscuridade e na crise. Nos momentos difíceis, a esperança se esconde nas raízes. Por isso, logo brota com mais força. 

De onde nasce a esperança? Com certeza, não nasce aguardando que o problema se solucione, que a crise passe ou a situação mude. Esta atitude só produz saudade e passividade. A esperança está mais próxima de uma resposta ativa de rebeldia positiva frente à incerteza que nos desequilibra. Está profundamente conectada com a incansável construção do amanhã a partir do agora e do presente.

A condição humana pode ser definida em termos de "espera radical" ou de "esperança". Chamados a ser mais do que somos, abrigamos em nosso interior uma "insatisfação existencial", uma tensão entre o que somos e o que ansiamos ser. Porque nos definimos como radical espera, caímos na tristeza, quando vislumbramos um futuro ameaçador, ou caímos na euforia, quando pensamos alcançar algo que nos agrada. 

Em meio às sombras, perplexidades, contradições, provocações e promessas, que constituem o atual momento histórico, queremos expressar a fé no futuro da nossa vida. Ainda que soframos ventos contrários e as nuvens se adensem no horizonte, sabemos e confessamos com o profeta Isaías, e pela graça do Espírito, que existe futuro. 

Para ser fiel, é preciso seguir o Espírito, deixando-se surpreender pelos novos rumos que Ele aponta, seduzir pelos novos horizontes que Ele descortina, desafiar pelas novas provocações que Ele lança, a partir da realidade histórica e dos novos sinais dos tempos. Essa relação viva e dinâmica com o Espírito é fundamental para a vida cristã, em qualquer circunstância. 

Sabemos que a esperança é algo constitutivo no ser humano. Para ele, viver é caminhar para um futuro. Sua vida é sempre busca de algo melhor. O ser humano “não só tem esperança, senão que vive na medida em que está aberto à esperança e é movido por ela” (H. Mottu). Por isso, quando numa sociedade se perde a esperança, a vitalidade atrofia, a marcha se paralisa e a vida mesma corre o risco de degradar-se. A esperança é como uma “memória do futuro”; tem caráter profético.  Não se pode dizer que veja o que está por vir, mas afirma como se o visse. E, enquanto o anuncia, de certa forma, o prepara. Precisamente por vivermos tempos difíceis, precisamos mais do que nunca da pequena e teimosa esperança.

Texto bíblico:  Mc 13,24-32 

Na oração: O nosso coração está habitado por esperanças que nos abrem ao futuro imprevisível, benfazejo e plenificante.

O que nos diferencia é a qualidade, a consistência e o realismo das nossas esperanças.

- Em quê ou em Quem estamos colocando a nossa capacidade de esperar?

- Quê esperanças alimentamos em nosso interior?   

Pe. Adroaldo Palaoro sj