“Soprou sobre eles e disse: Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22)

 

Há muitos ventos e ruídos ao nosso redor: o ruído alucinante das máquinas e das músicas metálicas; o ruído de tanta violência, gritos, maltratos, mentiras; o ruído da intransigência, intolerância, fanatismo, condenações, ameaças... Em meio à tempestade levantam-se ondas de dor e sem sentido, de medos paralisantes e dúvidas angustiantes, de mortes violentas e prematuras que fazem naufragar barcas cheias de sonhos. O planeta terra grita de um modo ensurdecedor: os últimos terremotos, os incêndios, os furacões, as inundações... nos avisam cotidianamente desse grito do Planeta que não queremos escutar.

 

Além disso, sopram outros ventos tempestuosos que nos ameaçam, arrastando tantas seguranças que nos sustentaram, tantos barcos nos quais subimos, tantos salva-vidas aos quais nos agarramos... As tempestades e as tormentas nos assustam, tem o perigo de nos converter em pessoas medrosas, buscadoras de seguranças próprias, fugitivas caminhantes para os lugares de calma.

 

No entanto, em meio à tempestade urge não perder a serenidade, não permitir que o ruído dos ventos nos vença, que os relâmpagos nos ceguem, que as ondas nos levem segundo seu capricho. Nas tempestades também é necessário “soltar amarras e içar velas”, ou seja, atrever-se a “viver no Vento”. Soltar as amarras e âncoras de nossos apegos, de nosso consumismo, nossa prepotência, afã de domínio, exclusivismos, fundamentalismos, patriarcalismo, machismo.... Precisamos perder o medo dos novos ventos e içar as velas da inculturação, da riqueza da pluralidade de culturas, religiões, raças, deixar-nos mover pelo vento dos movimentos de libertação (povos em desenvolvimento, negros, indígenas, os sem terra, os movimentos ecologistas, pacifistas, feministas...), acolher o vento que nos impulsiona em direção ao novo e diferente...

 

A barca de nossa vida naufragará na estreita calma de mares mortos se não formos capazes de desatar os antigos nós de marinheiros que impedem içar as velas para receber os novos ventos da história. “Velas que ao içar-se, se inflariam com o vento dos sinais dos tempos” (Pepe Laguna).

 

Ancorados na fidelidade a Jesus e a seu Reino, podemos consentir que os Ventos do Espírito levem todos os nossos velhos padrões mentais, ideias fixas e atitudes petrificadas, preconceitos e tudo o que já está caduco e que não nos impulsionam para a outra margem..., Este é o melhor legado que podemos oferecer aos nossos contemporâneos, sacudidos por tormentas que os afundam sem poderem vislumbrar um novo horizonte.

 

O Espírito insuflou e insufla vida em todas as etapas do universo, na evolução dinâmica para o novo. Ele suscitou ao longo da história, palavras desafiantes, caminhos ainda não percorridos, imagens novas. De fato, tudo se move e se renova: move-se o sol, a lua e a terra, o átomo e a estrela; move-se o ar, a água, a chama, a planta; move-se o sangue, o coração, o corpo, a interioridade. Tudo se move, nada se repete. Tudo é calma e dança, quietude e movimento. Em tudo move-se o Espírito de Deus, energia do amor, possibilitador da Vida. O Espírito é o Mistério que tudo move e tudo impulsiona em direção ao amor e à beleza. Deixemo-nos mover por Ele! Deixemo-nos levar!

 

Por seu sentido etimológico, “espírito” – “ruah” – na bíblia hebraica, se refere ao vento, ao ar que impulsiona, e ao alento ou a respiração que mantém a vitalidade dinâmica do ser humano. A “ruah” (porque “espírito” é feminino em hebraico) é um modo de descrever a Deus como impulso, alento, força... presença que perpassa tudo, e não se pode retê-la nem dominá-la.

 

Nós o sentimos soprar no mundo, no amor das mães, no trabalho sacrificado dos pais, na bondade, na ajuda, na ciência, na inteligência, na compaixão...  Sentimos a presença do Vento de Deus, que infla as velas de nossas pobres barcas e as leva para outros horizontes. E, mais intimamente, o Vento de Deus é Alento, aquele que faz respirar, que tira o des-alento, o que anima, nos faz viver com ânimo.

Em Jesus de Nazaré vemos soprar o Vento de Deus como em nenhum outro.

 

As angústias mais radicais do ser humano são reunidas e transformadas pelo sopro do Espírito: um sopro vital que possibilita a vitória da esperança contra o desespero, da comunhão contra a solidão, da vida contra a morte. A voz sopra onde quer, a Palavra vem do alto, o Espírito chega impetuoso rompendo o silêncio da morte. O Vento traz a vida, mas não se sabe de onde vem e nem para onde vai.

 

Quando experimentamos a desorientação, a fragilidade, a falta de sentido, damo-nos conta que precisamos de um novo Sopro que nos fará sonhar e nos deslocar para além de toda estreiteza da vida. O Espírito age de modo silencioso, mas com extraordinária eficácia: a sua força se mostra irrefreável. O seu sopro, penetrando nossos corpos, nos recoloca de pé e nos faz, finalmente, ressurgir.

 

A santa Ruah é a energia que cria solidariedade, reconciliação, que constrói e mantém a Grande Aliança.

Deixando-nos conduzir pelo Sopro do Espírito Santo, podemos realizar em nosso interior uma boa “ecologia do espírito”, ou seja, recuperar a utopia frente ao desencanto, promover o espírito de comunidade frente ao individualismo, cultivar a abertura ao outro frente ao preconceito cruel, impulsionar o compromisso frente à mera tolerância, apoiar a justiça frente ao puro assistencialismo, incentivar a criatividade frente ao mimetismo, fomentar a solidariedade frente ao autocentramento, promover o espírito de verdade frente à mentira, inspirar a fé frente a um horizonte sem sentido...

 

Neste dia de Pentecostes, nós, portadores da “Ruah”, tomamos consciência que o Espírito é movimento que transmite o sopro de vida (vento), reúne no Amor todos os povos (fogo) e comunica a todos o Amor universal (línguas). Nas trevas em que muitas vezes ainda tateamos, o Espírito é fogo que abrasa, ilumina e aquece, para que floresça em todos nós a plenitude de vida. Sua força é uma força humanizadora, libertadora e salvadora.

 

Texto bíblico:  Jo 20,19-23

 

Na oração:

Santa Ruah, és o Amor do Abbá e de Jesus derramado em todos os corações, na humanidade, na natureza. Estás presente no mais íntimo de toda a realidade. Quão difícil para nós detectar tua presença, tua poderosa ação, tua misteriosa e infalível missão!

 

Santa Ruah, tu és o Ar que nos faz respirar, a causa de todas as nossas alegrias, a Surpresa de todas as nossas surpresas, a Beleza que permanentemente se revela e se expressa de mil formas, embelezando tudo.

 

Tu és o Espírito que estabeleces o cosmos em meio ao nosso “caos” provocado pelos maus espíritos que nos rodeiam e nos atacam. Tu és, Santa Ruah, que nos modela à imagem e semelhança do Abbá e de Jesus, fazendo de todos nós teu santuário vivente. Tu tens a missão trinitária de conduzir tudo a bom termo, de ir construindo conclusões, de rematar obras, de fazer emergir a bondade, a beleza, a verdade.

 

Tu és a Santa Ruah que santifica, que nos torna seres transparentes, luminosos, pouco a pouco habitantes de um novo mundo que não somos capazes de entender. É a ti, Santa Ruah, a quem irá se dirigindo nosso último suspiro. És tu, quem nos acolherá e nos levará para junto do Abbá e de Jesus.

 

És tu, Santa Ruah, quem nos purificará, nos recriará e nos santificará.

Em nome do Abbá, do Filho e da Santa Ruah. Amém.

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana – CEI