“De madrugada, voltou ao templo, e todo o povo se reuniu ao redor dele.

Sentando-se começou a ensiná-los” (Jo 8,2)

 

O tempo litúrgico da Quaresma é um tempo privilegiado para nos deixar ensinar pele Mestre da Galileia; somos alunos(as) da escola da vida, centrados no ensinamento e na mensagem de vida de Jesus.

A imagem de Jesus educador atravessa os evangelhos. De fato, o cristianismo é um projeto de educação messiânica, uma escola de vida universal, fundada por Jesus na Galileia.

Seu ensinamento entrou em conflito com os representantes do judaísmo oficial, centrado no templo e na prática da lei, e com o poder romano, que não admitia um ensinamento diferente. Jesus foi perseguido e morto por seu magistério, mas sua mensagem foi recolhida e expandida pelos seus discípulos. 

Jesus não fundou uma escola de especialistas, mas quis educar a todos os homens e mulheres, nas vilas e campos, nas sinagogas, no Templo ou em suas próprias casas. Ele não tinha nenhum doutorado na Lei judaica, não tinha nenhum Master em questões do Templo; não era um perito a quem consultar sobre as leis. Diferentemente dos mestres da Lei e dos escribas, cujo ensinamento estava centrado em “decorar” e conservar a Lei, o ensinamento de Jesus partia da realidade humana de sofrimento, exclusão, preconceito...

Jesus era Ele mesmo; seu único título era sua verdade, sua honestidade, sua bondade, sua capacidade de sanar a dor daqueles que sofriam e libertá-los dos maus espíritos que os escravizavam. Era a identidade de si mesmo, plena: a identidade entre o que dizia e fazia, entre o que era e o que ensinava.

Podemos afirmar que Jesus era um “pedagogo da vida”, um “mestre da vida humana digna”. Não tinha estudado em outra universidade a não ser a universidade da vida, do amor, da liberdade...

Jesus, o Grande Mestre, contemplava os rostos das pessoas e via, no interior delas, ricas possibilidades humanas, ainda latentes. Sua presença humanizadora reconstruía a humanidade ferida e abria sentido para sua existência.

No seu magistério, Jesus foi semeando humanidade, um conhecimento criativo e inspirador, que se fazia vida naqueles que escutavam e acolhiam sua palavra. Esta era a sua missão: ensinar aos homens e mulheres, para que fossem eles mesmos em liberdade, para que descobrissem e ativassem a verdade por dentro, sua verdade fontal, para que todos se guiassem e se ajudassem e, assim, fossem e vivessem em plenitude.

Frente aos sábios e entendidos, representantes do poder estabelecido, Jesus descobriu e cultivou a sabedoria de Deus nos pequenos que acolhem sua Palavra e se deixam transformar por ela.

O evangelho deste domingo nos diz que Jesus se encontrava na esplanada do Templo ensinando o povo, quando levaram até ele uma mulher surpreendida em adultério. De um lado, rostos dos fariseus e Mestres da lei, endurecidos pela lei, com pedras no coração e nas mãos; de outro, o rosto de Jesus, que transparece amor, compreensão, bondade. Suas mãos acolhedoras e seu coração misericordioso estão mobilizados para dar segurança e abrir nova possibilidade de vida à pecadora.

Uma “nobre” justificação era apresentada pelos escribas e fariseus e, assim, condenar uma mulher ao apedrejamento: “a lei” mata. Salva-se a lei, mata-se a pessoa.

A lei manda apedrejar; mas a lei não tem coração, não tem misericórdia; ela é fria, fixa no passado, condena e não oferece chance de um novo futuro.

É o eterno conflito do ser humano entre fidelidade à lei ou fidelidade ao coração. A fidelidade à lei prefere a morte do(a) pecador(a), prefere as pedras que ferem e matam; a fidelidade ao coração e ao amor prefere a vida do(a) pecador(a), prefere o abraço acolhedor que devolve a confiança e esperança de vida. 

Partindo da perspectiva da lei, a mulher não tinha possibilidade nenhuma de viver; não havia saída nenhuma. Só a misericórdia poderia destravar a vida, colocar a mulher em movimento, arrancá-la do círculo legalista de morte e abrir para ela um novo e amplo horizonte de sentido.

A retirada de cena dos mestres da lei e dos fariseus é patética. É o sistema legalista e opressor que termina cedendo o lugar a uma nova relação, instaurada por Jesus, centrada na misericórdia. A mulher permanece aí, no centro, porque o sistema que decretava sua morte terminou. Agora, inicia-se um novo diálogo, entre Jesus e a mulher. Não é um diálogo inquisitório, mas uma oferta de salvação: esta mulher, humilhada e condenada por todos, envergonhada de si mesma, se encontra com Jesus que lhe diz: “Eu também não te condeno”. Desde modo, Jesus nos ensina que não se extirpa o mal eliminando quem o cometeu, mas oferecendo ao pecador condições de vida nova e plena. E a mulher, talvez, se sentiu profundamente amada pela primeira vez.

Jesus é o “pedagogo misericordioso” pois ativa nas pessoas as melhores possibilidades, riquezas escondidas, capacidades, intuições... e faz emergir nelas sua verdade mais verdadeira de pessoas amadas, únicas, sagradas, responsáveis...

A força criativa da sua presença misericórdia põe em movimento os grandes dinamismos da vida; debaixo do modo paralisado e petrificado de viver, existe sempre uma possibilidade de vida nova nunca ativada.

O “princípio misericórdia” é o núcleo e a essência do Evangelho. E a misericórdia é o “amor em excesso”. Na misericórdia, Deus sempre nos surpreende, sempre excede nossas estreitas expectativas, abrindo caminho a partir de nossas fragilidades. Só o amor misericordioso de Deus nos reconstrói por dentro, destravando-nos e abrindo-nos em direção a horizontes maiores de coragem, responsabilidade e compromisso.

A misericórdia constitui a resposta de Deus à nossa indigência. A misericórdia é expansiva, pois abre um novo futuro e desata ricas possibilidades latentes em cada um. Ela não se limita ao êrro e às fragilidades, mas impulsiona cada um a ir além de si mesmo.

Onde não há misericórdia, não há sequer esperança para o ser humano. A misericórdia, portanto,  não só é a mais divina mas também a mais humana das virtudes. É aquela que melhor revela a essência do Deus Pai e Mãe de infinita bondade. É a que revela, igualmente, o lado mais luminoso da natureza humana. Por isso, ela é o atributo que mais humaniza as relações entre as pessoas.

Fundamentalmente, a misericórdia significa assumir como própria a miséria do outro, inicialmente como sentimento que comove, mas que, logo em seguida, leva à ação. A misericórdia parte das “entranhas” e se dirige instintivamente ao próximo na forma de presença, acolhida, compaixão, ternura e consolo.  Misericórdia é exatamente: “ter coração” para o outro, dando preferência aos mais frágeis e limitados.

A misericórdia é a caridade que “toma mãos e pés”, ou seja, o amor que se expressa em uma ação decidida e generosa, capaz de transformar e libertar.

Ser presença misericordiosa é um “modo de proceder”, um “estilo de vida” que não está ligado a uma transgressão; é muito mais um estilo de bondade, compreensão, magnanimidade, estilo de quem não se fixa no que o outro merece, nem se escandaliza com sua miséria.

"Devemos ser presença misericordiosa como pecadores, não como justos”. A misericórdia é fundamentalmente uma mensagem de estima e confiança no outro, crer na sua amabilidade e bondade. Por isso, a presença misericordiosa é força que provoca no outro a redescoberta de sua própria identidade (uma pessoa amada e acolhida pelo Deus misericordioso).

Quem é misericordioso está convencido de que o irmão é melhor que aquilo que aparenta ser.

Texto bíblicoJo 8,1-11

Na oração: Uma vez mais somos chamados(as) a aprender de Jesus, que sempre olha o que há de mais autêntico em cada pessoa, isto é, a imagem de seu Pai.

- Entrar no movimento da misericórdia nos humaniza e nos cristifica. Como seguidores(as) de Jesus, somos seu coração, seus olhos, suas mãos e seus pés juntos aos que mais sofrem rejeições, julgamentos, condenações...; somos “canais de misericórdia” por onde flui a Misericórdia e a Compaixao de Deus Pai-Mãe.

31.03.22