Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre as leituras deste 6º Domingo da Páscoa, 14 de maio de 2023 (Jo 14, 15-21). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O trecho do Evangelho deste domingo é a continuação direta do trecho do domingo passado, tirado também do capítulo 14 do Evangelho segundo João.
Se a primeira parte do capítulo tinha como tema a fé em Jesus (“Credes em Deus, crede também em mim”: Jo 14,1), esta segunda parte tem como tema o amor por Jesus (“Se me amais, guardareis os meus mandamentos”: Jo 14,15).
Não há nenhuma oposição entre a fé em Jesus e o amor por Jesus, porque crer não é um ato intelectual, mas é uma adesão, um envolvimento com a vida de Jesus; e um envolvimento só pode ser realizado na liberdade e por amor.
A estrutura do trecho é evidente:
- um marco com as duas afirmações inclusivas sobre o amor por Jesus (vv. 15 e 21);
- dois anúncios em seu interior: o dom do Espírito (vv. 16-17) e a vinda de Cristo (vv. 18-20).
O tema do amor por Jesus já está presente em seus lábios nos Evangelhos sinóticos: “Quem ama seu pai ou mãe mais do que a mim não é digno de mim” (Mt 10,37); mas, no quarto Evangelho, esse amor é especificado, quase como se o redator temesse uma má interpretação.
Assim como Jesus pediu para crer em Deus e também nele, assim também ele certamente pediu para amar a Deus e também a ele, mas sob condições precisas. Ele especifica sobretudo que esse amor não se esgota em um desejo de Deus, em um anseio pelo divino, sem que nele esteja contida a disponibilidade de se conformar com aquilo que Deus quer, vontade de Deus manifestada em sua palavra, vontade a ser realizada todos os dias como observância concreta de seus mandamentos.
É por isso que as palavras de Jesus parecem peremptórias: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos”. Em todas as vias religiosas ama-se a Deus, mas se pode amá-lo como um ídolo, especialmente se for um deus construído e “idealizado” por nós; ou, melhor, precisamente quando é um deus que é um produto nosso, nós o amamos mais!
Mas o nosso Deus vivo tem um rosto preciso. Não é a divindade, o divino: é um Deus que falou expressando sua vontade, e só o ama verdadeiramente quem busca realizar, embora com dificuldade, tal vontade.
Parece-me que não afirmamos com clareza e força suficientes essa verdade decisiva para a vida cristã, mas pensamos que basta dizer, por exemplo: “O que temos de mais caro no cristianismo é Jesus Cristo”, palavras que podem ser uma confissão de fé, contanto, porém, que Cristo não seja o “nosso Cristo”, aquele inventado e escolhido por nós, mas o Cristo Jesus narrado pelos Evangelhos e transmitido pela Igreja.
Amar Jesus, portanto, significa não só se alimentar de um amor de desejo, não só lhe dizer que a nossa alma tem sede dele (cf. Sl 41,3; 62,2), mas realizar aquilo que ele nos pede, observar o mandamento novo, isto é, último e definitivo, do amor recíproco.
Sabemos bem como Jesus formulou esse mandamento: “Assim como eu vos amei, assim também ameis uns aos outros” (Jo 13,34; cf. 15,12).
Mas, atenção, Jesus não disse: “Assim como eu vos amei, assim também amai-me”, mas “ameis uns aos outros”. Porque ele nos ama sem nos pedir o retorno, mas nos pedindo que seu amor que nos alcança se difunda, se expanda como amor pelos outros, porque essa é sua vontade de amor.
Ele dirá ainda: “Vós sois meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando” (Jo 15,14), porque o discípulo não deve alimentar ilusões em si mesmo, cultivando seu “eu religioso”, cheio de sentimentos afetivos por Deus ou por Jesus, mas ignorando suas palavras, sua vontade, sua espera.
Aqui está o grande mistério do seguimento cristão: segue-se Jesus não como um discípulo segue o Buda ou outro mestre espiritual. De acordo com a tradição zen budista, o Buda podia afirmar: “Se você encontrar o Buda pela estrada, mate-o!”, para dizer que o amor pelo mestre pode obstruir o amor pela sua mensagem. Jesus, em vez disso, quer que o amemos, que nos envolvamos em sua vida, a tal ponto que seus mandamentos não sejam imposições ou leis, mas sejam realizados no amor.
Justamente por isso, eis a presença de um dom feito pelo Pai, por intercessão de Jesus: um Parákletos, alguém que está ao lado, “outro Consolador” que, como Jesus já está junto do Pai, esteja sempre com os discípulos.
É o dom do Espírito, que é sempre o Espírito do amor que desce ao coração do cristão, dando-lhe a capacidade de responder ao Pai na liberdade e com amor. Graças ao amor por Jesus, portanto, podemos ser fiéis a seus mandamentos; e, ao mesmo tempo, a observância de seus mandamentos testemunha a autenticidade do nosso amor por ele.
Esses mandamentos de Jesus não são uma lei – atenção para não fazer regressões! –, são Jesus mesmo, “caminho, verdade e vida” (Jo 14,6), são uma vida humana concreta vivida no amor até o fim (cf. Jo 13,1).
Depois de sua glorificação, o amor de Jesus pode ser experimentado pelo discípulo como amor do outro Consolador, do Espírito Santo sempre conosco por intercessão do próprio Jesus: Espírito que deve ser por nós invocado, acolhido, conservado, obedecido até ser a nossa “respiração”, aquilo que nos anima.
Devemos confessar: esse Espírito não pode ser acolhido pelo mundo, aquele mundo que não é a humanidade tão amada por Deus (cf. Jo 3,16), mas sim a estrutura mundana, o ordenamento de injustiça dominante sobre a terra que está em revolta contra Deus, isto é, contra o amor e contra a vida.
Esse sistema de mentira organizada, de violência que não conhece limites, de injustiça que oprime os pobres e os pequenos, infelizmente, também engloba os homens e as mulheres alienados por ele.
Pois bem, estes não recebem o dom do Espírito, não percebem o Espírito e não querem nem conhecê-lo, preferindo as trevas à luz (cf. Jo 3,19), a morte à vida. Os cristãos, se são verdadeiros discípulos, não com palavras e com ritos religiosos, mas na concretude da vida cotidiana, no tecido da fraternidade e da sororidade, em vez disso, conhecem neles a presença oculta do Espírito.
O Espírito é defesa na hora do processo tentado pelo mundo, é consolação na hora da prova, é sustento na fraqueza (cf. Mc 13,11 e par.; Jo 14,26), é presença de Cristo, para que o cristão sempre possa se sentir “comitante Christo”, na companhia de Jesus Cristo, por meio de seu Espírito.
Na segunda parte do trecho, Jesus fala de sua vinda, depois de sua ida para junto do Pai. Sim, está prestes a vir um tempo de ausência, no qual os discípulos poderão se sentir perturbados, sem guia, sem pastor. Experimentarão essa orfandade tão dolorosa pela falta da fonte do amor e da vida? Não, assegura Jesus, porque ele, embora ausente fisicamente, não vai abandoná-los. A presença do Espírito Santo, dom do Pai e, ao mesmo tempo, de Jesus, não vai fazê-los se sentir órfãos. Haverá uma nova “experiência” de Jesus que o mundo não vai conhecer, e que os discípulos, ao contrário, viverão, até vê-lo não com os olhos de carne, mas com os olhos da fé e do amor, os olhos do coração.
Jesus não será um morto, mas um vivente, o Vivente, e os discípulos que vivem de sua própria vida terão esse conhecimento dele. Presença elusiva, a do Ressuscitado, que vem a nós sem aparições...
Bernardo de Claraval, em seu admirável comentário ao Cântico dos Cânticos, confessa essas vindas de Jesus e as descreve como “visitas do Verbo”, visitas furtivas e esporádicas. E, justamente quando o nosso coração percebe a presença de Jesus, então ele desaparece, como o Amado: “Ele estava lá... Nenhuma sensação. Porém, no meu coração, ocorriam mudanças” (Discursos sobre o Cântico 74,6), mudanças de conversão, palpitações de amor, realizações de sua vontade...
Jesus é o Vivente, e o discípulo vive, vive nele com vida plena, na liberdade e na alegre confiança de quem nunca é órfão. E, mais uma vez, Jesus fala de uma contraposição: “O mundo não mais me verá, mas vós me vereis”. Palavras que acolhemos na consciência de que não podemos nos gabar nem nos sentir garantidos. Não podemos dizer “nós” e “eles”, os redimidos e os condenados!
Podemos ver Jesus à luz da fé, não da visão (cf. 2Cor 5,7), podemos experimentar a vida abundante que ele quer nos dar; mas muitas vezes somos incapazes de acolher o dom, somos cegos que dizem ver (cf. Jo 9,40-41).
Que essas palavras de Jesus, portanto, não se tornem fonte de justificação, impulsionando-nos a evitar a reivindicação da conversão e a não acolher aquele dom que nós não podemos nos dar: o dom do Espírito de Cristo, o dom de seu amor.
Eis, então, a conclusão, que retoma o início do discurso: “Quem acolheu os meus mandamentos e os observa, esse me ama. Ora, quem me ama, será amado por meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele”. Amar, observar os mandamentos é a condição para que Jesus se manifeste, e, na observância da vontade de Deus, por meio do amor fraterno, seremos amados por Deus e por Jesus.
A vida de Deus é um fluxo de amor no qual, se acolhemos seu dom, podemos ser envolvidos. É isto que deveremos conhecer na embriaguez do Espírito e na comunhão com Cristo em cada eucaristia que vivemos: uma celebração do amor!
In: IHU 12.05.23
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