“...soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados...” (Jo 20,22)
Pentecostes é uma festa litúrgica que pretende ativar em nós a plenitude da vida. “Cinquenta” é o número da consumação. Esse dia plenifica em nós tudo o que ainda se revela limitado e frágil. “Cinquenta” é também o número da liberdade. A cada 50 anos o povo hebreu ouvia o alegre som do “jobel” (corneta de chifre de carneiro) que ecoava nas montanhas e nos vales, convocando a todos (“jobil”) para celebrar um ano jubilar. Neste tempo devia-se recuperar a boa relação com Deus, com o próximo e com toda a Criação, fundada na gratuidade. Era um ano do perdão: os pobres ficavam livres de suas dívidas, os escravos recuperavam a liberdade, os camponeses recuperavam suas propriedades perdidas... Podiam respirar, podiam viver, era o jubileu. Deste modo, cada jubileu significava começar um novo ciclo de oportunidades. Pentecostes, portanto, recorda e celebra a promessa de que fomos libertados verdadeiramente pelo Espírito do Ressuscitado.
Neste mundo tão agitado e sem direção, precisamos urgentemente de um novo Pentecostes. Na realidade o que precisamos é abrir-nos a esse Fogo e a esse Vento do Espírito que, às vezes, parece estar soprando em vão. É que estamos trancados em nossos “cenáculos” e não queremos abrir as portas para arejar nossos ambientes, interno e externo. Pentecostes é isto: abrir-se ao que está aí como possibilidade e surpresa, deixando-nos transformar pelo Espírito, sacudindo nossas comodidades e medos.
É altamente significativo e simbólico que a abertura do Jubileu da Misericórdia tenha começado com o destravamento das portas das igrejas em todo o mundo. Mais significativo ainda foi o gesto do papa Francisco em abrir a Porta Santa do Ano da Misericórdia em Bangui (cidade marcada pela miséria e violência), na África, antes mesmo de fazê-lo em Roma, sede central do catolicismo.
O Espírito que sopra desde a África, com a abertura da Porta Santa, nos abre então a porta para palmilhar a estrada da experiência cristã, marcada pela luz da Misericórdia.
O Deus de Misericórdia não é o Deus das portas fechadas; é o Deus das portas sempre abertas a todos, que, a partir de seu coração misericordioso, sempre está disponível a receber-nos; é o Deus que nunca está ocupado para atender-nos, que acolhe a todos, que continuamente nos diz a cada dia: “Passai por aqui, a porta está sempre aberta”.
Só o amor misericordioso de Deus nos reconstrói por dentro, destrava nosso coração e nos move em direção a horizontes maiores de busca, responsabilidade e compromisso. Pentecostes vem nos revelar que a Misericórdia é a primeira, a última, a única verdade da Igreja, de todas as suas doutrinas, cânones e ritos. É o critério de juízo de todas as religiões.
Pentecostes da Misericórdia põe em movimento os grandes dinamismos de nossa vida; debaixo do modo paralisado e petrificado de viver, existe uma possibilidade de vida nova nunca ativada. A misericórdia é a luz e a chave de nossa vida tão preciosa e frágil, de nosso pequeno planeta tão vulnerável, do universo imenso e interrelacionado e do qual fazemos parte.
Tal experiência provoca um movimento que rompe fronteiras e barreiras. Assim, o Espírito faz superar o fundamentalismo, a hipocrisia, a apatia e o medo. Não há nada de mágico. O Espírito age de modo silencioso, mas com extraordinária eficácia: a sua força se mostra irresistível. O seu sopro, penetrando em nossos corpos, nos recoloca de pé e nos faz, finalmente, viver como ressuscitados. Deixar-se conduzir pelo Espírito, que habita o universo e os corações, é deixar-se levar pelo sopro divino.
No Evangelho de hoje(Pentecostes), o Ressuscitado comunica seu próprio Espírito. A imagem de “soprar sobre eles” contém uma riqueza profunda: significa que Jesus compartilhou com os seus discípulos o que é mais “vital”, sua própria “respiração”, seu desejo profundo, sua criatividade..., fazendo-os partícipes de seu próprio Dinamismo e impulso vital, do mesmo Espírito que O conduziu durante toda sua vida.
O sopro do Ressuscitado sobre os seus discípulos nos remete ao sopro de Deus no Gênesis, sopro que dá a vida ao ser humano. Aqui, o sopro de Cristo significa a Vida nova dada aos discípulos, pelo dom do Espírito Santo, indicando um novo Tempo, uma nova Criação e um novo Mundo.
Entretanto, uma coisa é essencial para que nasça esse mundo novo: o perdão. “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos” (Jo 20,23). Cabe a nós, portanto, fazer nascer esse mundo novo através de nossa presença misericordiosa, sendo mediação do perdão divino.
O perdão é fundamental para a recriação do mundo, e o Espírito nos dá a possibilidade de dá-lo ao outro e de recebê-lo do outro, a fim de que nasça esse mundo novo desejado pelo Cristo da Páscoa.
O perdão é o primeiro dom do Espírito Santo. Sob o impulso do Espírito de Pentecostes, o perdão prepara o terreno para o novo, para a surpresa, para colocar-nos em movimento.
O Espírito é movimento e entrar no movimento da Misericórdia humaniza e cristifica essencialmente a pessoa, porque a Misericórdia constitui “a estrutura fundamental do humano e do divino”.
“O perdão das ofensas torna-se a expressão mais evidente do amor misericordioso e, para nós cristãos, é um imperativo de que não podemos prescindir. Tantas vezes, como parece difícil perdoar! E, no entanto, o perdão é o instrumento colocado nas nossas frágeis mãos para alcançar a serenidade do coração”. (Papa Francisco – Misericordiae Vultus, n.9)
Como seguidores(as) de Jesus, o rosto visível da Misericórdia, somos chamados a ser presença misericordiosa; é sobretudo através do perdão que ativamos a “faísca de misericórdia” presente em nosso interior. O Espírito Santo, o “Sopro” do Ressuscitado é quem ativa esta “faísca”, revelando que a originalidade do cristianismo está na grandeza e na vivência desta única força capaz de movimentar a história, pessoal e coletiva, impulsionando a todos a romper o círculo vicioso dos sentimentos negativos, escrupulosidades, culpabilidades, julgamentos...
O perdão é o mais divino dos atributos divinos, pois só Deus podia inventá-lo. Perdoar é ser semelhante a Deus, pois este modo divino de proceder está ao nosso alcance. O perdão é divino em seus efeitos e em seu próprio processo de vida que desencadeia.
Os recursos do verdadeiro perdão são infinitos; eles jamais acabam. O perdão é um estilo de vida, é uma disposição permanente. Na verdade, no nível mais profundo, o perdão não é o que a pessoa faz, é algo que a pessoa é. Por isso é a dimensão que mais nos distingue como seguidores(as) de Jesus.
Texto bíblico: Jo 20,19-23
Na oração: A experiência de Pentecostes implica escancarar as portas de nossa interioridade, abrindo passagem para que a Misericórdia divina transite com liberdade pelos recantos escondidos e sombrios, ativando e despertando dinamismos e recursos que ainda não tiveram oportunidade de se expressar. Ao mesmo tempo, tal experiência ilumina, destrava e integra toda a nossa história, todas as dimensões de nossa vida, arrancando-a de um fatal “ponto morto” e colocando-a num movimento em direção a uma vida expansiva, aberta e acolhedora, em comunhão com o Todo e com todos.
- Recordar situações cotidianas que clamam por sua presença misericordiosa.
Pe. Adroaldo Palaoro sj