“Saíram e entraram no barco, mas não pescaram nada naquela noite” (Jo 21,3)

“Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor, vestiu sua roupa e atirou-se ao mar” (Jo 21,7)

 

Os discípulos, depois da morte de Jesus, voltaram de Jerusalém à Galiléia, onde tentaram retornar à normalidade da vida. Para eles, a história de Jesus tinha acabado. O seguimento desembocara no fracasso. Estava na hora de retomar a vida que levavam antes de conhecer Jesus.

 

Simão Pedro anuncia que vai voltar a fazer o que sempre fazia: pescar. Os discípulos que o acompanham estavam ansiosos para participar da pesca. Voltar a pescar vai fazê-los esquecer o que lhes aconteceu.Mas não funciona. Por mais que tentem voltar a uma vida normal, as coisas não dão certo. Sentem-se frustrados diante do esforço e das diversas tentativas, mas não pescam nada.

 

As pessoas que passaram por um grande trauma entendem o que Simão Pedro e os discípulos sentem.

Querem afastar-se o mais depressa possível da dor que suportaram e dos horrores que presenciaram. Tentam juntar os cacos de suas vidas e se entregar ao jeito comum de fazer as coisas. Querem esquecer o que lhes aconteceu e se deixar conduzir pelas rotinas bem conhecidas da vida cotidiana.

 

Mas as repercussões da dor e do trauma continuam a martelar em suas vidas, atormentando-os durante o dia e perseguindo-os à noite. Coisas comuns provocam lembranças de um passado ainda doloroso. Passam a noite inteira se esforçando cada vez mais, porém sem sucesso. As redes estão vazias. O barco no mar de Tiberíades pode não estar carregado de peixes, mas os discípulos levam consigo os pesados fardos de seu passado. Livrar-se desses fardos é uma experiência longa e difícil.

 

Nasce o dia. Um “estranho” aparece na praia e pergunta-lhes a respeito da pesca. Diante da resposta negativa Jesus pede para lançar a rede do “outro lado”  do barco. Em seus esforços estéreis para escapar do passado e reiniciar uma vida comum, os discípulos tinham pescado, quase obsessivamente, no mesmo lugar e do mesmo modo. Repetição compulsiva do passado. Buscam, através da pesca repetitiva, a libertação do trauma, mas não a encontram ali. A indicação do estranho para que procurem pescar em outro lugar ajuda-os a romper o ciclo da obsessão.

 

De repente, os olhos do “discípulo amado” se abrem e ele reconhece quem é o estranho. Esse olhar contemplativo contagia e todos se libertam da obsessão cega de encontrar, no retorno ao passado, o alívio para suas angústias: conseguem reconhecer quem estava na praia. No meio do fracasso revela-se a presença do Ressuscitado. E é Ele que, num gesto de hospitalidade, prepara a refeição, na praia, para os seus discípulos.

 

Os êxitos e os fracassos tecem a trama da nossa existência. Ambos são inerentes à natureza humana; eles se sucedem em muitos momentos ao longo do ciclo da vida; outras vezes se combinam e aparecem juntos.

 

Êxitos e fracassos expressam nossa potencialidade e nossa limitação, nossa grandeza e nossa fragilidade; formam parte da engrenagem do viver. Decidimos que uma ação é um êxito ou um fracasso em função de nosso sistema de crenças, valores e exigências. Falamos de fracasso quando nossas expectativas, projetos ou aspirações não chegam a realizar-se ou a cumprir-se como esperávamos; falamos de êxito quando chegamos a cumprir nossos projetos segundo nossas expectativas.

 

Êxitos e fracassos são como que balizas em um caminho que podem contribuir para que a vida seja vivida em plenitude; os êxitos enquanto que motivam, inspiram, alentam e reafirmam o sentido que uma pessoa atribui à sua existência, às suas opções e aos seus atos; os fracassos, quando se convertem em ocasião para retificar, refletir ou mergulhar mais profundamente na busca desse mesmo sentido. O êxito e o fracasso possuem essa qualidade de crisol no qual se forjam as vidas e as pessoas.

 

A vida é constituída de momentos de luta e de coragem, de sonhos e de esperança, de vitória e de derrota. Este é o material com o qual são construídas as histórias e as vidas.

 

Nossas experiências de êxito e de fracasso são indispensáveis para viver. As primeiras trazem valor, alimentam a confiança em nós mesmos, recompensam nosso esforço. As segundas nos revelam aspectos novos de nossa pessoa, nos ajudam a recapacitar, a mudar, a redirecionar  o sentido de nossa existência. Tão importante é dialogar e conviver com nossos êxitos como com nossos fracassos.

 

Êxito e fracasso constituem uma dessas realidades humanas que parecem estar abertas e revelar o melhor e o pior do ser humano. Há aqueles a quem o êxito os transforma em pessoas prepotente, soberbas, insuportáveis; há outros, no entanto, a quem o êxito os transforma em pessoas encantadoras, seguras de si, simpáticas, empreendedoras... Existem também pessoas a quem o fracasso as afunda num abismo de impotência e agressividade, e outras a quem as converte  em seres incrivelmente sensíveis, compassivos, humildes, resistentes...

 

Em um horizonte de sentido, o fracasso tem seu lugar.  Ele tende a nos deprimir, mas também pode ser uma ocasião para nos fazer mais humanos e humildes. Ele pode ser percebido como chance para crescimento ou amadurecimento, pode ser integrado à luz de outras experiências positivas. O fracasso pode ser ocasião para ativar outras potencialidades internas. Aprendemos mais pelos nossos fracassos do que pelos nossos êxitos.

 

Segundo C. Jung, o maior inimigo da transformação é uma vida bem sucedida. O fracasso, que em muitas ocasiões nos provoca medo, insegurança, mal-estar... é um espaço perfeitamente adequado para iniciar o movimento para uma maior maturação. Mais ainda, muitas vezes são os fracassos que nos levam a iniciar uma mudança em nossas vidas, eles se revelam como uma ocasião privilegiada para um “salto vital” em direção a um horizonte maior de sentido para a própria existência.

 

Os fracassos nos revelam aspectos novos de nós mesmos e ajudam a nos conhecer mais. “Há coisas que não se compreendem enquanto não se esteja definitivamente derrotado” (Péguy)

A experiência dos fracassos nos une a todos, nos iguala, é fonte de comunhão... Graças a eles vamos quebrando, pouco a pouco, nosso instinto de posse, nosso autocentramento, nossa soberba...

 

O fracasso não é a última palavra; a última palavra é a Ressurreição. O Ressuscitado que se revela presente nas “praias de nossa vida”, também nos espera nos fracassos, assim como esperou seus discípulos na pesca fracassada, com uma presença acolhedora, compassiva, facilitadora de uma refeição simples, carregada de amizade e humanidade.

 

Tais fracassos, revividos à luz da Ressurreição misericordiosa, nos fazem mais humanos, mais agradecidos, mais confiados... e despertam um novo dinamismo e uma nova criatividade diante dos desafios da vida; é aqui que somos chamados a comprovar a nossa fidelidade, a ver o que trazemos nas entranhas e no coração.

 

Através dos fracassos reconhecemos que só o Ressuscitado é capaz de reconstruir relações quebradas e nos lançar a uma nova missão: “Apascenta minhas ovelhas”.

 

Texto bíblico:  Jo 21,1-19

 

Na oração: A experiência da Ressurreição não é algo reduzido a momentos particulares da vida. A Ressurreição e o Ressuscitado são realidades chamadas a iluminar e dar sentido à nossa vida inteira. Aqueles momentos agradáveis e aqueles momentos de desilusão; aqueles momentos plenificantes e aqueles nos quais tudo parece carecer de sentido; aqueles momentos de lucidez e aqueles momentos onde a obscuridade prevalece.

- Como você reage diante dos seus fracassos? Percebe neles uma ocasião privilegiada para um salto vital?

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj