“Eles tomaram o corpo de Jesus e o envolveram em panos de linho com aromas...

e o depositaram no sepulcro” (Jo 19,40)

 

Podemos começar este dia recordando outra experiência muito humana: imaginemos o regresso do enterro de uma pessoa querida, depois de uma longa temporada de lutas e temores, com um tratamento pesado, com momentos de otimismo, momentos de frustração, etc..., até o instante último em que dizemos em nosso interior: “descansou”. Quem não regressou alguma vez do cemitério com esta sensação?

 

Partindo desta experiência, contemplemos um momento como descem do Gólgota Maria, o discípulo amado e algumas mulheres que estavam junto à Cruz, com a horrível sensação de que tudo acabara. Nós nos identificamos com aquele pequeno grupo que volta triste para casa; nossa vida cristã se situa neste tempo intermédio entre a morte de Jesus e sua posterior ressurreição. Por isso, o teólogo Uns von Balthasar nos diz que a vida cristã precisa de uma boa teologia do Sábado Santo: uma reflexão profunda sobre essa situação que nos constitui: o Senhor se foi e ainda não temos o Ressuscitado...

 

É preciso aceitar essa ausência, depois de examiná-la em muitos momentos de nossa vida. Mas, ao mesmo tempo é preciso reconstruir a esperança porque sabemos que a Páscoa de amanhã ilumina a Cruz, embora não a elimina. E essa esperança é dupla: é a esperança de uma vitória sobre o mal e a injustiça; é também uma vitória sobre a morte.

 

Sábado Santo, portanto, é tempo não só de espera mas de esperança, é deixar que o grão de trigo morto comece a dar fruto, é tempo de um inverno que tornará possível as flores da primavera, é tempo de imaginar, de criar, de abrir-se a algo novo e inesperado, de sonhar um mundo melhor e uma Igreja nazarena. O Sábado Santo é ao mesmo tempo sepulcro e mãe, como diziam os Pais da Igreja, ao falar do batismo.

 

É o sábado para acompanhar Maria meditando em seu coração à espera da Páscoa. É o sábado no qual a Mãe não espera junto ao sepulcro mas em seu coração. Sábado da ausência; é um dia vazio, sentimos que falta algo no mundo; a liturgia guarda silêncio; as igrejas estão fechadas...

 

Sábado do silêncio; cala a palavra mas fala o coração; cala a palavra mas o coração sente a voz daquele que já está no silêncio do sepulcro. É o silêncio do coração que espera o momento, que escuta o mistério por dentro; é o silêncio do coração que medita e guarda dentro o mistério, que espera a nova palavra pascal. É o sábado das esperanças que começam a verdejar.

 

Este espaço de silêncio não é de morte senão de vida germinal, é noite que aponta à aurora, são as noites escuras da vida cristã que desembocam na alegria da alvorada; é tempo de fé e de esperança, é momento de semear ainda que não vejamos os resultados, é tempo de crer que o Espírito do Senhor, criador e doador de vida, está fecundando a história e a terra para seu amadurecimento pascal e escatológico, para a terra nova e o céu novo. O Espírito também não abandona os seguidores do Crucificado, dá-lhes vida, porque é o mesmo Espírito que ressuscitou Jesus no meio dos mortos e que se derramou em Pentecostes sobre a Igreja nascente e sobre toda a humanidade.

 

Abre-se aqui um horizonte de esperança, de justiça, de paz, de cuidado da criação. Por isso se diz com forte convicção que “outro mundo é possível”.

 

Nós cristãos temos muito que dizer e compartilhar com nossos contemporâneos a respeito da esperança. O cristianismo é esperança, olhar e orientar-se para frente; e é também, por isso mesmo, abertura e transformação do presente. Nossa fé no Deus da história se transforma em esperança: “a fé que mais amo é a esperança” (Charles Péguy). Esta é a herança que temos recebido: o Evangelho da esperança.

 

A esperança é uma virtude teologal, ou seja, é como uma “patía” (paixão) que se apodera de nós e nos determina. É uma “teopatia” (paixão por Deus) que nos faz participar do amor fiel e dinâmico do Deus da Aliança.

 

Esta teopatia nos dá a certeza de que Deus cumprirá todas as suas promessas e que o Reino de Deus se realizará. O causante desta teopatia da esperança e o Espírito Santo, derramado em nossos corações, que geme pela manifestação da Glória de Deus, em nós e na criação inteira.

 

Esta teopatia, dom que é preciso acolher e cultivar, modifica nossas atitudes vitais, eleva nossa tensão, ativa todo nosso ser, elimina nossos medos e nos envolve no compromisso; ela nos faz criativos, inovadores, impacientes antecipadores daquilo que esperamos.

 

Ao mesmo tempo que é paixão criadora, a teopatia da esperança é paixão-sofrimento. A esperança inclui também uma tremenda dose de sofrimento: foi assim que Jesus experimentou a esperança na sexta-feira santa. É a esperança que grita a Deus e que se atreve a exclamar: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste”. Na celebração da Sexta-feira Santa a Igreja se atreve a cantar: “Ave Crux, spes única!”.

 

O Sábado Santo, ao fazer memória de Jesus no sepulcro, torna-se “memória da esperança”. Por ela, tantos outros a atravessaram anteriormente; nela, experimentaram a distância de Deus e seu maior sofrimento foi, precisamente, essa distancia.

 

Esta é a esperança que brota da dor do Sábado; esta é a esperança que o Espírito concede àquele que é pobre, que chora, que é perseguido por causa da justiça, que tem limpo o coração, que responde com ternura à violência. É a esperança das bem-aventuranças de Jesus. É a esperança daqueles que sofrem com os outros e pelos outros.

 

A virtude teologal da esperança tem, portanto, uma face luminosa e outra face escura: é paixão criadora e é paixão-sofrimento. É tensão criativa para o futuro e resistência dolorida diante das contradições do presente. Na vida cristã também experimentamos as duas faces da esperança: sua noite e sua luz.  A esperança – como luz e noite – rejuvenesce a vida cristã. A esperança suscita perguntas, novas perspectivas, lança para frente, abre futuro.

 

A teopatia da esperança nos leva ao Sábado Santo. O sábado santo foi o dia do silêncio de Deus Pai e o dia da descida de Jesus, morto e sepultado, “aos infernos”. Foi o dia do Espírito Santo que não tinha “onde repousar” e fica como sem alento.

 

Normalmente o Sábado Santo não merece maior reflexão de nossa parte; acabada a Sexta-feira Santa já pensamos no Domingo da Ressurreição. No entanto, o Sábado Santo reivindica uma intensa experiência.

O Sábado Santo é um dia de penumbra: entre a sombra da Sexta-feira e a luz do Domingo. É o dia da ambiguidade, do luto e da possível boa notícia, da espera e da esperança.

 

Texto bíblico:  Jo 19,38-42

 

Na oração: depois de um dia de luto, de silêncio e ausência...  os sinos voltarão a soar, o glória voltará a ser                    cantado, o aleluia ressoará pelos espaços. Em meio às sombras da noite, o Círio Pascal começará a iluminar. E cada um de nós poderá acender em sua chama a vela de nossas vidas.

 

Com voz forte, gritaremos: “Ressuscitou!” e tudo ressuscitará em nós. É a alegria pascal. Novamente a primavera se fará presente em nossos corações ; o que parecia ausência, agora se fará presença; o que parecia fracasso, agora se fará esperança; o que parecia morte, agora se fará vida; o que parecia ser o final de tudo, agora tudo se fará começo.

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI