“... e subiu à montanha para rezar” (Lc. 9,28)

 

2º Dom. Quaresma

 

O relato da “transfiguração” se situa expressamente em um contexto de oração. É ali onde, através da luminosidade do seu rosto, Jesus deixa transparecer algo da sua verdadeira identidade.  Por isso, na transfiguração, a humanidade de Jesus é pura transparência de Deus. Ou seja, o que há de divino em Jesus está em sua humanidade. Só no humano transparece Deus.

 

A Transfiguração está nos dizendo quem era realmente Jesus e quem somos realmente cada um de nós. Ela nos revela também nossa identidade e nos faz caminhar em direção à nossa própria humanidade. Por isso, uma pessoa transfigurada é uma pessoa profundamente humana. Tudo o que é autenticamente humano é transparência de Deus. Em outras palavras, a vivência do humano nos diviniza.

 

A transfiguração não é condição de um “iluminado”, mas a realidade de toda pessoa que é capaz de “sair de seu próprio amor, querer e interesse” (S. Inácio). Transfigurar é descentrar-se e expandir-se na direção do outro. A Transfiguração possibilita cultivar um “olhar” que sabe ver em profundidade, descobrindo em cada ser humano, para além de suas aparências, um ser transfigurado, porque somos capazes de vê-lo em sua beleza e bondade originais; um olhar que sabe deixar-se impactar por tudo aquilo que nos cerca e é capaz de render-se diante do Mistério.

 

 

O Tabor não só é o lugar do encontro íntimo com o Senhor; implica também o encontro com o melhor de nós mesmos (nossa identidade); a Montanha nos “transfigura”, revelando nosso ser essencial; no silêncio do monte poderemos perceber quem “somos nós”. “O evangelho é um itinerário para abrir com profundidade a interioridade humana” (Rovira Belloso) e nele vemos como Jesus promove o retorno ao interior; o mistério da transfiguração nos des-vela e nos move a ultrapassar nossas “falsas imagens” e encontrar-nos com a luz que nos habita. Podemos “entrar” dentro de nós mesmos porque em nós está a dimensão de eternidade, de transparência, de divino.

 

Transparente é um modo de ser; a transparência faz referência à luz, à vida interior, ao conhecimento próprio, ao desejo de deixar-se ver, à pureza de intenção, à simplicidade e ao deixar-se conduzir pelo mesmo Espírito de Jesus. Jesus continua se “transfigurando” na montanha interior de cada um. Se com Cristo quisermos “subir” ao Tabor, temos primeiro que “descer” com Ele até às profundezas da própria realidade pessoal. Nesse sentido, “subir” ao Tabor implica “descer” em direção à nossa própria humanidade; quem mergu-lha em sua condição humana e terrena e se reconcilia com ela, este sim, está subindo para Deus, faz a experiência do encontro com o Deus verdadeiro.

 

A espiritualidade cristã nos ensina o caminho através do qual descemos a uma dimensão mais profunda e assim chegamos à corrente subterrânea; aqui experimentamos a unidade de nosso ser; aqui é o lugar da transcendência, onde nossa transformação realmente acontece. “Viver em profundidade” significa “entrar” no âmago da própria vida, “descer” até às fontes do próprio ser, até às raízes mais profundas. É no “eu mais profundo”  que as forças vitais se acham disponíveis para ajudar a pessoa a crescer dia-a-dia, tornando-a aquilo para o qual foi chamada a ser.

 

É preciso “descer” até o fundo para descobrirmos uma nova fonte para a nossa vida; é “descendo” que poderemos revitalizar a vida que se tornara vazia e ressequida. Se a nossa oração for um autêntico face-a-face com Deus, ela deverá fazer emergir à nossa consciência as profundidades desconhecidas do nosso ser. Deus libera em nós as melhores possibilidades, recursos desconhecidos, riquezas, capacidades, intuições... e nos faz descobrir em nós, nossa verdade mais verdadeira de pessoas amadas, únicas, sagradas, responsáveis...

 

A experiência de Montanha, portanto, significa experiência de trans-figuração, ou seja, nos revela nosso ser essencial, nos faz ir além de nossa aparência para captar nossa riqueza interior, nosso eu original.

 

Tabor significa sair de nosso pequeno e limitado mundo cotidiano, de nossa visão estreita das coisas, da vida corriqueira do vale...; significa alargar nossa visão da realidade, abrir novos horizontes... Por isso, a transfiguração no Tabor implica ter “mais janelas e menos espelhos!” em nossa vida interior. No espelho nós nos vemos. E o que vemos não é o que somos, mas o que aparentamos ser. Dessa percepção não saímos. O horizonte perceptivo é mínimo, incapaz de ampliar nossa visão de mundo, da realidade e dos outros.

 

O Monte Tabor nos oferece janelas que permitem ampliar nosso horizonte. Através delas purifica-se o ar denso, pouco respirável que geramos fechados em nós mesmos. As janelas nos situam em comunhão com a natureza e a humanidade, sem a qual não existe pessoa humana. Servem para revelar aos outros algo que é nosso; elas apontam para a porta que se abre, para que os outros entrem em nossa vida.

 

A subida ao Tabor nos potencia, libera energias e recursos escondidos, torna-nos criativos, coloca-nos em movimento, tirando-nos de nossa acomodação... “Subir” ao Tabor é deixar-se conduzir pela presença do Espírito de Jesus para “descer” com mais vigor e ânimo ao vale do cotidiano e ao compromisso para com a prática do bem e da justiça.

 

Texto bíblico:  Lc. 9,28-36

 

Na oração: A oração cristã é o caminho interior do Tabor que faz a pessoa chegar até o próprio “eu original”, aquele lugar santo, intocável, onde reside não só o lado mais positivo de si mesma, mas o próprio Deus. Este é o nível da graça, da gratuidade, da abundância, onde a pessoa mergulha no silêncio, à escuta de todo o seu ser.

 

Para realizar-se e desenvolver toda a sua potencialidade, busque, na oração, cavar mais profundamente, até atingir as raízes de seu ser, o núcleo original de sua personalidade. É no mais profundo de sua interioridade que você escutará o Senhor. Deixe-se invadir pela luz e pela vida d’Aquele que “armou sua tenda entre nós”.

 

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana –CEI

19.02.2013