“E, passando à beira do mar da Galiléia, Jesus viu Simão e André... e lhes disse: ‘segui-me’...

(Mc 1,16)

 

Agora começa o tempo do “caminho”; agora começa do tempo do “chamado”; agora começa o tempo do “seguimento”. E tudo começa pelo anúncio do grande acontecimento: podemos mudar nossa mente e nosso modo de pensar; podemos mudar nosso coração e aventurar-nos em uma nova vida.

Um forte apelo tem ressonância universal: “convertei-vos e crede no Evangelho”.

 

E tudo começa junto a um lago; tudo começa junto a umas barcas envelhecidas pela tarefa de pescar; tudo começa junto a umas redes gastas e que precisam ser remendadas a cada dia. E ali estão quatro trabalhadores: Simão e André, Tiago e João... Uma grande causa os espera: “o Reino de Deus está próximo”.

 

Deixai de pescar no lago estreito; a humanidade os espera; as pessoas esperam algo novo. E tudo começa por um apelo muito simples, cujas consequências são imprevisíveis: “imediatamente deixaram as redes e o seguiram”.

 

Começa a primeira aventura humana da fé; começa a primeira aventura de sonhar e construir um mundo melhor. Um novo movimento é desencadeado e algo novo surge na história. Hoje, a barca de nossas vidas recebe a ordem de zarpar. Para onde o Senhor quererá nos levar?

 

Todos teremos nossas barcas e nossas velas abertas ao vento do Espírito. Muitos, com medo, permanecerão na praia, contemplando aqueles que, com coragem, darão início à grande travessia. Onde me situo?

 

Não somos os primeiros a serem convidados; mas somos os convidados de hoje. Haverá ventos favoráveis e ventos contrários ao nosso navegar. Mas nós zarparemos hoje, agitando nossos lenços da fé, despedindo-nos daqueles que não se atrevem a deixar suas velhas barcas e suas redes remendadas.

 

O “mistério de Deus” nos supera. Parece que Ele se faz mais acessível pelos caminhos cotidianos da vida. É na vida pessoal ou coletiva onde Deus se revela presente e manifesta sua voz. Esta foi a experiência do povo de Israel (Dt. 26,6-10) e a experiência dos primeiros discípulos de Jesus.

Nosso Deus é um Deus de pessoas: Abraão, Isaac, Jacó, Maria, Pedro...

 

Um Deus de pessoas que se encontra mais na vida que nas ideias e nas doutrinas. A pessoa é o lugar de encontro com Deus. Jesus é, precisamente, a presença de Deus na vida humana. Um homem entre os homens.  Ele vai em busca de pessoas, chama-as pelo nome; sua presença e sua voz arranca-as do seu ambiente, da sua rotina... e lança-as para novos desafios.

 

Tudo começou às margens do mar da Galileia... um encontro. Jesus entra no cotidiano de 4 homens, no meio daqueles movimentos difíceis e repetitivos, próprios de pescadores. Não estamos no templo, nem num dia sagrado, mas junto do mar, depois da fadiga de um dia de trabalho.

Jesus caminha e, ao passar ao longo do mar, entra no espaço vital daqueles homens, que estavam retornando da pesca. Exatamente ali, naquela vida tão normal, acontece algo novo.

 

A voz divina escutada no batismo – “este é meu filho amado” – invadiu a interioridade de Jesus e agora é o mesmo Espírito quem o impulsiona para a relação e a proximidade humana. Jesus se deixa levar por essa corrente de proximidade e começa a falar às pessoas, se aproxima, faz contatos, cria comunidade e busca colaboradores para que lhe ajudem a compartilhar o melhor que tem: a boa notícia do amor incondicional do Pai.

 

Ao contemplar a cena do evangelho de hoje observamos que no começo Jesus está só, enquanto que, no final, está em companhia de quatro seguidores. Jesus propõe, àqueles que chama, a entrar numa relação privilegiada com Ele. A expressão “segui-me” os convida a ficar “associados” à sua maneira de ser, de falar e de compartilhar com Ele em uma missão comum.

 

O chamado individualiza e personaliza de um modo irrepetível e inconfundível, dá um sentido completamente novo à própria vida. Jesus toma em suas mãos o futuro daqueles que o acompanham: junto a Ele irão adquirindo uma nova personalidade definida pela referência a outros.

 

Logo que ouviram a Sua voz, aqueles pescadores se dão conta d’Aquele que estava passando: eles já tinham sido vistos, conhecidos, amados, escolhidos. Aquela voz abre os olhos, a mente e o coração daqueles pescadores do lago. Sentem-se chamados pelo nome e conseguem compreender melhor a si mesmos, confrontam-se com Aquele que os chama e redescobrem um sentido novo, um significado inimaginável da própria existência.

Finalmente, não se sentem mais sozinhos.

 

Os quatro homens são atraídos pela voz, mais do que pelas palavras ou pela promessa do Desconhecido que passa, vê, chama, conhece também o nome de seus pais, e sabe bem quantas e quais são as barcas e as redes que lhes davam segurança. O objetivo da promessa não se refere somente a algo que haverá de acontecer, mas a Alguém que já está presente. A promessa que os atrai é, justamente, Aquele desconhecido, que, das margens, os chama pelo nome.

 

Depois de tê-los despojado de suas seguranças e levado a intuir que a vida não é questão de certezas, mas de busca e de desejos, Jesus chama aqueles pescadores para ficarem com Ele e entre eles, fazendo comunidade.

 

Aquele Desconhecido se aproxima, ainda hoje, do nosso mar da Galileia, que representa os lugares, os afetos, os segredos, os costumes da nossa vida cotidiana... nos faz a proposta para entrar em outro mar.

Seguir o Desconhecido do lago significa aceitar toda a vida como sacramento, como símbolo d’Aquele que passa, vê, conhece, ama, chama pelo nome...

 

Cada um de nós descobre ser chamado em nossa própria vida e respondemos de acordo com o estado e a situação em que nos encontramos. O fato de sentir, em nossos desejos, que estamos insatisfeitos, cultivar aspirações sempre novas, procurar entender quem somos, o que devemos fazer, o que nos torna realmente felizes..., no fundo, é um contínuo chamado pelo nome.

 

Não podemos permanecer indiferentes. É preciso ter coragem de perguntar: “Quem me chama?” e “a quê me chama?”; pedir ajuda para conseguir entender, reconhecer, descobrir o nosso nome. Deus está presente em todo o caminho do ser humano, mesmo quando este se encontra na rotina do trabalho cansativo, no silêncio, na incapacidade de entender e, até mesmo, de responder.

 

São muitos os chamados que, à margem do mar, se perdem no vazio. Deus pede, cada um de nós, entrar no “fluxo da vida”, evitando deixar que uma só das suas palavras, do seu chamado, possa cair no vazio. A dinâmica da relação com Deus passa através da nossa história, das nossas alegrias, dos nossos sofrimentos, e das nossas perguntas: “Quem sou eu?”, “O que quereis de mim?”.

 

Texto bíblico:  Mc 1,14-20

 

Na oração:  No fundo do seu coração cheio de velhas barcas, redes inúteis, mar estreito... é aí que o Senhor passa e com sua voz provocante o acorda para uma ousadia maior. Compete a você dar-lhe acolhida.

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana