Na coluna anterior, nós nos perguntávamos se a tradição humanista, uma vez reconhecidos os problemas enfrentados por ela no nosso tempo, não se aproxima rapidamente do seu ocaso. E ainda mais: a possível dissolução do humanismo não repercute sobre o ideário cristão, cuja trajetória no Ocidente evidencia, até mesmo doutrinariamente, uma valorização da experiência humana?  Não é uma questão de fácil resolução até porque somos mais sensíveis hoje aos problemas do que às eventuais soluções a eles apresentadas. 

Os dados estão diante de nós, mas não devemos esperar dos fatos o que eles não podem dar. Estamos, isso sim, diante de uma temática claramente ética, que tem a ver com valores. Como sabemos, a existência humana não conta com a instrução de uma natureza que lhe indique caminhos a serem inevitavelmente seguidos. Por outro lado, não somos infinitamente maleáveis ou sempre dependentes da variação das circunstâncias ao nosso redor. Alguém disse um dia que tornar-se humano é um dever, o que quer dizer que o lugar real por nós habitado é esse espaço entre o que somos e o que devemos ser. Se a observação sobre nós mesmos, sobre a história da caminhada humana no tempo, indica, em parte, a materialidade de que somos constituídos, o sentimento de que nenhuma concretude exaure o enigma humano impede a nossa capitulação diante de qualquer acabamento, mesmo os mais sedutores.

Entretanto, onde está a nossa salvação, está também o risco que corremos. Se nos acostumados a habitar o espaço claro dos fatos e das certezas, o domínio do que está dado, deixaremos de ser fiéis ao que mais propriamente nos constitui, ou seja a fidelidade ao mistério a que pertencemos e ao dever de desejar daí decorrente. O que talvez abra uma outra questão: que saberes são esses, capazes de se mover nesse terreno onde o que não sabemos ainda, mas deveríamos saber, prepondera sobre o que sabemos?  O que pode educar o nosso desejo?  

Ricardo Fenati

Equipe do Centro Loyola