O olhar científico, aprendido nas ciências da natureza, se disseminou por outros campos de conhecimento, entre eles os voltados para as questões humanas. Um pouco da antropologia cultural e outro tanto da história são ciosos dos riscos da universalização, mas de um modo geral, até por razões de natureza sociopolítica, estamos mais interessados no que pode ser universalizado, tabulado, contado. Bom, isso tem seus méritos e rendimentos. Mas não é o caso de perguntarmos se não existem zonas mais estreitamente individuais, onde são vividos singularmente os dramas da existência? Amamos uma pessoa, morremos um a um, defendemos alguns valores e a outros combatemos, nossa alegria e a nossa tristeza são nossas, como são de cada um de nós, a coragem ou a covardia. Não é aí que vivemos? Pode ser que essas realidades sejam opacas ao cálculo, mas delas decorre o que dá significado à vida. Se a busca de ordem se reduzir a um cálculo, mais e mais estaremos nos distanciando do acesso ao mundo a que pertencemos de forma muito íntima. Alguém pode alegar que sempre contamos com mitos, com histórias, que são formas de generalização, de tradução em termos mais universais da experiência humana. Certamente que sim, mas histórias e mitos, esse tesouro simbólico, contam aventuras, trajetórias de indivíduos e da relação desses indivíduos com temas a que eles pertencem, nos quais eles se reconhecem. Ora, quem se reconhece num cálculo, mesmo que correto? Um preceito medieval lembra que Deus só conta até um. Por detrás da aparente singeleza do que aí se diz, somos lembrados que no campo da experiência existencial a aventura é singular ganha a cor e a densidade de cada um de nós. Certamente que pertencemos a uma comunidade, o que não quer dizer que somos como que uma gota no oceano. Melhor seria dizer que somos, cada um de nós, nas comunidades a que pertencemos, um oceano numa gota.

Ricardo Fenati

Equipe do Centro Loyola

10.07.25

imagem: pexels.com