Jesus, na sua vida pública, nos revela que Deus não é propriedade de nenhuma religião ou sacerdócio e que ninguém pode reduzi-Lo a uma verdade única, porque Ele se mostra no amor mútuo e na entrega da própria vida. Ao mesmo tempo, Jesus denuncia o “deus” manipulado pelos representantes religiosos e que justificava os seus poderes sobre as consciências das pessoas.
Os fariseus e sacerdotes queriam um Deus e um céu que não se contaminassem com os deserdados desta terra; queriam um Templo como lugar de pureza e de perfeição, legitimado por uma ordem que se constrói sobre o sofrimento e a exclusão. Eles não queriam um Templo que fosse a casa dos impuros, dos abatidos e excluídos, dos encurvados e oprimidos, dos leprosos, cegos e coxos...
O Templo, como não pode ser o lar dos filhos e filhas afligidos da casa de Israel, será destruído.
O lugar da Presença que alimentava as esperanças de Israel se converteu em cova de bandidos; o Templo passou a ser gerido pelos traficantes da dor, aqueles que fazem sofrer em nome de Deus. Tal denúncia desestabilizou o sistema religioso sobre o qual a instituição sacerdotal se sustentava.
Esta foi a principal fonte de conflitos de Jesus com os fariseus e sacerdotes que, em nome de Deus, exerciam o poder e a dominação sobre as pessoas e sobre o mais íntimo que há em cada um: sua cons-ciência e sua liberdade para tomar decisões na vida e expressar sua fé em Deus.
O conflito de Jesus foi o conflito com o poder, mas o poder levado até sua raiz última: o “poder religi-oso”. Por isso, Jesus compreendeu que, para mudar o comportamento dos dirigentes do Templo, a pri-meira coisa a fazer era desmontar o “ídolo” que legitimava o poder autoritário daqueles que oprimiam o povo indefeso. No fundo, o que preocupava Jesus era o problema de “Deus”; e Deus não era como os dirigentes imaginavam e que estava de acordo com seus critérios e sua posição social.
Jesus desmontou o “seu deus” e atirou por terra “seus podres poderes”. Este é o círculo infernal que Jesus quis romper.
Templo de Jerusalém! Não ficará pedra sobre pedra. Jesus não quer que se negocie com a dor dos mais pobres e excluídos, os preferi-dos do Pai. Jesus não quer sangue, nem in-censo; quer compaixão, ternura, quer justiça, quer que o ser humano viva, e viva intensamente.
O Deus que Jesus nos revelou é o Deus que se faz presente no pequeno, no simples, naqueles que não tem voz e nem vez neste mundo. Não é o Deus do poder absoluto, nem o Deus que exige obediência e submissão àqueles que se apresentam como representantes do divino.
O Deus de Jesus é o Deus que responde e corresponde aos anseios de respeito, dignidade e felicidade, que todos trazem inscritos no sangue de suas vidas e nos sentimentos mais autênticos e nobres.
O Deus Misericordioso não impulsiona ninguém a desejar poderes, por mais divinos que sejam. Ele é o Deus que só legitima a identificação e até a fusão com o destino das vítimas deste mundo.
Este confronto de Jesus com os poderes religiosos ficou evidente na cena da “expulsão dos vendilhões do Templo”. Este é o momento mais tenso da atuação de Jesus: com seu gesto Ele atinge o centro do poder religioso, encarnado no Templo; Ele arremessa diretamente contra o Templo, pois este não dá frutos e nunca dará.
O Templo já não é mais a morada de Deus, pois Ele foi desalojado pelo poder sacerdotal. O Templo, o sacerdócio, a lei, não deram frutos libertadores para o ser humano Estão aí, secos e estéreis, e não servem para a realização humana; por isso, Jesus expulsa seus representantes
Jesus colocou o ser humano acima da Lei e diz “não” a uma aliança fundada no culto externo ou ritual.
Rompe com todo o ritualismo e legalismo anterior e nos oferece uma alternativa encarnada na vida. Não se trata mais de uma imposição baseada na Lei, mas algo que todos podemos experimentar.
Não se realiza no Templo, mas fora do Templo, em nossas casas abertas, em nossas ruas e estradas, onde todos têm acesso e a partilha criativa possibilita que todos tenham vida.
Jesus, literalmente, “virou as mesas”, e a nova mesa que Ele propõe está fora do Templo, aberta a todos. O “ser humano” é agora o centro desse culto, que consiste na entrega aos outros. Não é mais a Lei que impera, mas o amor; não é condenação, mas a acolhida e a compaixão. O templo é a própria pessoa que está acima da lei e do culto. A relação com Deus não necessita intermediários e a relação entre as pessoas é horizontal. “Outro Deus é possível”.
Há um traço na personalidade de Jesus que os Evangelhos destacam: Ele era um “transgressor”.
Rompeu com a família, afastou-se da vida normal que todos levavam, rompeu com as tradições de seu povo, violou a lei do sábado, não respeitou as hierarquias, a ordem estabelecida, revelou-se livre perante o Templo, o culto... Sua transgressão decorria da percepção de situações extremamente injustas vigentes na sociedade e das quais as primeiras vítimas eram os excluídos. Jesus optou por ficar do lado das vítimas.
Jesus ousou transgredir. E transgrediu fronteiras que pareciam intocáveis. Transgrediu o sábado e considerou a vida como prioridade. “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (Mc. 2,27). Transgrediu a Lei de Moisés e não permitiu que a mulher adúltera fosse apedrejada (Jo. 8,3-11). Transgrediu a prioridade do “sacrifício”.“Misericórdia é que eu quero, e não sacrifício” (Mt. 9,13).
Jesus transgrediu fronteiras judaicas e mostrou que o projeto de Deus ultrapassa limites geográficos.
Aquele “dia de entrada no Templo” foi uma autêntica manifestação de desafio; Jesus transgrediu ousadamente ao “expulsar os vendedores e cambistas” instalados no Templo. E essa foi a “sua hora”: desmascarar a manipulação e extorsão com as quais o poder religioso tinha oprimido o povo.
Quando os chefes religiosos perguntam a Jesus com que autoridade desafia o poder estabelecido, Ele responde: “Destruí este Templo e em três dias o reedificarei”. E o evangelista acrescenta: “Ele se referia à própria pessoa”.
O sujeito do culto não é mais o poder, mas a pessoa mesma.
O templo e a lei devem ficar submetidos e devem estar a serviço do ser humano; portanto, este não pode ser objeto de nenhuma manipulação.
Jesus diz que o autêntico templo de Deus é a pessoa e que esse templo não há quem o destrua. Ele revela que o ser humano é o grande valor querido por Deus, e que o sábado, a lei e o Templo são meios para facilitar a humanização; é a vida humana está revestida de sacralidade e não os altares, os templos e os costumes antigos.
Texto bíblico: Jo. 2,13-25
Na oração: As portas do “novo Templo”, que é Jesus, estão abertas para todos; ninguém está excluído.
Podem entrar nele os pecadores, os impuros, os excluídos, os marginalizados da religião... O Deus que habita em Jesus é de todos e para todos.
Somos também o “novo templo”, morada do Espírito, presença que alarga nosso interior para que todos possam ali ter acesso.
Quem são os “frequentadores” do seu “templo interior”?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
09.03.2012