“Jesus tomou os pães, deu graças e distribuiu-os...” (Jo. 6,11)

 

17º dom. Tempo Comum

 

Do pão de trigo ou cevada para o pão do sentido de vida doada; do alimento de cada um para a circularidade do alimento partilhado, em pequenos grupos, sem templo, na gratuidade e frugalidade...

Este é o sentido do texto joanino, proposto para este domingo.

 

Longe do templo e das autoridades judaicas, seguido por uma multidão, Jesus sinaliza para uma Páscoa centrada na pessoa dele, aberta a um processo de partilha, comunhão e retorno de vida abundante para todos. O congraçamento de Israel, durante a festa da Páscoa, no Templo, é substituído pelo congraçamento em torno de Jesus, no lugar onde Ele estiver, com a multidão que o segue. Mas, enquanto a Páscoa no Templo favorece os controladores dele, a Páscoa em torno de Jesus favorece e engrandece a todos.

Naqueles vastos campos da Galileia, Jesus propõe a grande mesa da comunhão universal, a mesa “fora dos templos” que inclui a todos, sem distinção. O gesto da benção instaura o horizonte da partilha, em que as coisas são destinadas à necessidade de todos por meio da co-responsabilidade dos participantes no banquete da Criação, sobre cuja mesa Deus preparou pão em abundância para todos.

 

A comunhão bíblica se realiza entre os “distantes”, por meio de um gesto que não é de poder, mas de esvaziamento, não é de apropriação, mas de partilha, não é de fechamento, mas de abertura das mãos que acolhem, que distribuem...

 

A mesa da refeição se torna lugar de humanização do ser humano. Espaço de verdadeira reserva de humanidade. Muitos são aqueles que sabem abrir as mãos, partir o pão, saciar a fome do irmão. É nesse universo de mesa-refeição que o ser humano vai se autoconstruindo, autodefinindo como ser que é humano, mas também divino. Diviniza-se humanizando, humaniza-se divinizando.

 

Sentar-se à refeição com o outro é descobrir-se vivo, corpo pulsante, latente, carente.

Mas é também descobrir outro tipo de alimento, que só pode ser colhido na delicadeza da inter-relação, da inter-comum-união com o outro. “Eu não quero pão, eu quero fome” (Adélia Prado)

 

A mística da refeição, convida, convoca e se coloca na vida do ser humano como fator determinante de sociabilidade, de valores e equilíbrios sociais, enfim, de humanização. Nela e com ela aprendemos a acolher o outro como dom. Aprendemos a nos doar, a partilhar, a receber, a escutar e a falar, a contemplar o outro em sua singularidade. A mesa-refeição é também o lugar onde acolhemos a dor e as tristezas do outro, o lugar do suporte das relações, espaço que garante o sustento, que alimenta o corpo, o emocional, o psíquico, o espiritual e o social. Lugar fecundo, onde o imprevisível pode acontecer.

 

Seduzidos pela mística da mesa que nos santifica, religamos amizades, afetos negados, histórias esquecidas, fatos, compromissos...; a mesa congrega para celebrar as alianças restabelecidas; junto à mesa é inevitável a mudança de corações e vidas.

 

Modelada pelo ser humano, a mesa, ao mesmo tempo modela todo aquele que dela se aproxima; na perspectiva cristã, a mesa desperta em nós aquela sensibilidade e delicadeza de servidores, como Jesus teve, ao se prostrar com o avental, aos pés dos apóstolos para lavar-lhes os pés.

 

A mesa e a refeição foram o “areópago” do pão, dos afetos, dos desejos de relações livres, de compromisso, de justiça e de solidariedade vividos por Jesus durante sua peregrinação, passando de mesa em mesa, até se deixar também, numa mesa de refeição e de festa: a da sua Páscoa. Podemos dizer que a mesa tem um “quê” de mistério pascal, pois ela nos capacita para acolher o inesperado que vem: o “outro” em sua aflição, em sua fome, em sua dor. Então nela, o coração humano encontra repouso, alento, força e vigor para caminhar com sentido de viver.

 

Diferente de todos os outros evangelistas, os quais afirmam que a preocupação com a alimentação da multidão nasce dos discípulos, João diz que vem de Jesus. Ele se antecipa e questiona os discípulos. Enquanto a multidão se aproxima, Jesus já sabe o que ela busca e sabe também que resposta precisa dar. Na resposta de Filipe, representante dos discípulos, aparece a distância existente entre a novidade de Jesus e a prática da tradição.

 

Na Páscoa do Êxodo, as pessoas comem às pressas, em pé, pães sem fermento, cordeiro assado e ervas amargas, cingidos, para viajar imediatamente (Ex. 12,8-11). Nesta Páscoa, elas comem organizadas em grupos, sentadas na relva, tranquilamente, sem pressa, pães de cevada, o tanto que necessitam para ficarem saciadas, e ainda sobra muito, para o futuro.

 

Segundo João, enquanto Filipe justifica a impossibilidade de solução, André procura uma alternativa e se depara com cinco pães de cevada e dois peixinhos nas mãos de um menino. Filipe ocupa seu tempo e sua inteligência em buscar justificativas para o impasse e desculpas para não ser responsabilizado. André encara a realidade e se ocupa na busca de solução. Encontra um sinal. Há pão, é de cevada, não de trigo, é pouco, mas o menino, pessoa que está começando a vida agora, coloca à disposição.

 

Jesus é o primeiro responsável, mas quer partilhar com os seus. Isso exige a participação de todos. Ele toma os pães e dá graças. Nós, geralmente, só damos graças quando temos em abundância, porque, a nosso ver, é a abundância que significa graça. Jesus dá graças por cinco pães e dois peixinhos diante de cinco mil pessoas famintas. É a gratidão sobre o pouco que faz o muito. É pouco, mas é dom de Deus, e dom pode-se multiplicar, pois a graça partilhada tem alcance ilimitado.

 

Todos acompanham com atenção os gestos de Jesus: coração em ação de graças, olhos fixos, ao mesmo tempo, no pão enquanto o parte e na multidão ao seu redor. Primeiro dá graças à Fonte da vida. Segundo, contempla o pão, fruto da terra e do trabalho de muitos homens e mulheres, que deve ser partido e compartilhado. Terceiro, convida a repartir e... assegurar-se de que a distribuição é justa. Depois da ação de graças, o pão se multiplica, tem para todos, o quanto necessitam, e ainda sobra abundantemente. Quanto mais se partilha, mais se tem. A fome desse momento foi saciada, mas a vida continua. Jesus ensina como repartir, isto é, como as pessoas precisam ser umas com as outras. A abundância de alimento é graça de Deus, mas é igualmente empenho de cada pessoa e de todas juntas.

 

A Páscoa do pão sinaliza para a novidade do Reino inaugurado por Jesus. Em primeiro lugar, mostra que a vontade de Deus é abundancia de vida e isso se obtém com o pão necessário de cada dia. Em segundo lugar, evidencia que a garantia da abundancia está na partilha, e isso acontece com a participação de todos. Em terceiro lugar, ressalta que a partilha acontece quando há corresponsabilidade efetivamente solidária que leva a colocar, em comum, tudo o que cada um tem. Mas não termina aí; a Páscoa do pão sinaliza para a Páscoa da vida que se faz pão e do pão que permanece sempre.

 

Texto bíblico:  Jo 6,1-15

 

Na oração: Descubra na sua mesa o seu pão; na sua jornada, o seu chão; no seu cotidiano, o inesperado que vem, o outro em sua fome, em busca de mãos abertas que saibam partilhar.

 

Pe. Adroaldo Palaoro sj

Centro de Espiritualidade Inaciana

27.07.2012