Aristóteles tem razão quando diz que somos animais políticos, entenda-se, animais da cidade, que vivem próximos uns dos outros num espaço público. Ou, de forma mais poética, como em John Donne, nenhum homem é uma ilha. Somos, cada um de nós, experiências diferentes da existência, nenhum de nós esgota o mundo ou o que ele significa. Daí que seja proveitosa a vida entre os humanos, nela somos formados, e nos formamos, nos educamos e somos educados. Em algum lugar, Guimarães Rosa diz que quando nasce uma criança o mundo recomeça. Vamos exagerar: o mundo recomeça em cada um de nós e nos nossos encontros tecemos juntos nossas crenças, nossos hábitos, nossas práticas, o que julgamos mais humano, o que nos parece inaceitável. Não é outra coisa a cultura, esse lar humano por excelência e que se acrescenta a esse outro lar, a natureza. 

Por razões as mais diversas, nossas cidades se desviaram desse caminho. Cresceram é certo, mas por outro lado, a experiência da solidão urbana é muito extensa. Não apenas no sentido de que mais pessoas moram sozinhas e organizam suas vidas a partir de seus interesses mais imediatos, mas porque continuam a nos faltar, continuam a estar ausentes, espaços de conversação, e é escassa a atração por temas de mais longo alcance, substituídos que foram pelo fascínio do que está à mão. Falamos muito, conversamos pouco. O recurso ao celular, esse quase novo órgão do corpo humano, talvez tenha prolongado esse movimento em direção ao indivíduo, já nele o espaço público dá lugar a um mundo privado, um mundo que eu posso ligar e desligar como um pequeno deus.

Bom, talvez seja apena assim, a história não parece obedecer a qualquer lógica ou direção estrita, mas é hora de ver se parte do mal estar contemporâneo, dessa crise de significado que parece disseminada, não deva nos levar à criação de mais e mais espaços e instâncias públicas, lugares onde a cidade possa se reconhecer como cidade.  Aqui e ali, de forma menos visível, por ora em pequenos grupos, pode-se escutar um rumor que anuncia, quem sabe, a recriação de nossas cidades. E, talvez, possamos nos reconhecer em algo que nos transcenda, que nos dê o sentimento de pertencimento e que não seja apenas uma pequena ilha no mar da vida.

Ricardo Fenati

Equipe do Centro Loyola BH

19.02.2025

imagem:pexels.com - Belo Horizonte/ Lucasrvimieiro