Somos todos frágeis, porque todos temos limites, e não há nada de errado ou mau nisso. A fragilidade é muitas vezes confundida com ausência de valor. Mas o que é frágil não é fraco. Fraqueza é falta de qualidade.
E todos atingimos, em muitos momentos das nossas vidas, os confins das nossas forças, talentos e possibilidades. Não por sermos fracos, mas por sermos humanos. Nessas alturas não estamos a falhar. Estamos a passar por um mau bocado, pelo que precisamos e merecemos a compaixão dos outros, não a sua condenação ou abandono.
Muitas pessoas são acompanhadas apenas pela solidão, que lhes tenta abortar os sonhos. A solidão é um perigo. Tanto nos pode amassar até ficarmos dóceis, quanto nos pode magoar ao ponto de nos petrificar o coração. Umas vezes coroa-nos, outras crucifica-nos.
Precisamos de nos abrir ao outro, ir à procura de nós e, ainda que nada encontremos, não desesperar, porque o que nos salva é dar um passo, outro e outro ainda, sem deixar de nos darmos à luz e de nos abrirmos à luz.
Que cada dia me leve ao seguinte. Com esperança, fé e amor.
O amor está sempre a nascer, e não para morrer, mas sim para viver e fazer viver. Nada nasce do nada. A felicidade é um equilíbrio em que se tem os pés bem assentes na terra e o coração no alto dos céus.
Hoje, nascemos outra vez. Aceitemo-nos e cuidemos bem de nós, como recém-nascidos: frágeis, mas com valor infinito!
José Luis Nunes Martins
in: imissio.net 5.12.2024
Estamos a ser empurrados para o Natal há semanas. Luzes por todo o lado. Inaugurações a meio de novembro. O frenesim interminável dos centros comerciais com falsas promoções, falsos apelos e a simpatia a rimar muito pouco com o tão desejado espírito natalício.
É por isso que ninguém consegue viver os seus dias sossegado. Estamos sempre a ser chamados a viver num tempo que não existe: ora no passado, ora no futuro. Mas no presente (e no momento) parece que ninguém vive. Ninguém quer, sequer, saber.
Desde quando é que nos tornámos reféns deste consumismo absurdo que “inventa” festividades? Vivemos para as festividades e celebrações em si ou para o tempo que as antecede?
É que corremos o risco de chegar à véspera de Natal já sem paciência seja para o que for. Ou seja para quem for.
O problema aqui é precisamente não nos ser possível “sair” desta roda invisível em que somos colocados diariamente, apressadamente, prematuramente. Impelidos a comprar, a celebrar quando nem sempre há razões para isso, a fazer votos amorosos quando a nossa vontade não corresponde a nada do que nos é pedido.
Mesmo que sintamos que não está ao nosso alcance fugir desta imposição celebrativa, que possamos (pelo menos!) ter consciência de que é real, de que estamos a ser obrigados a viver segundo valores e princípios que nada têm que ver com os que inauguraram o Natal em si.
Numa tentativa mais ousada de não compactuar com este esquema e com este sistema assente no consumismo rápido, descartável e triste, resta-nos ter a certeza de que ainda somos os donos da nossa vida. Que ainda podemos viver segundo aquilo que faz sentido para nós e que ainda podemos decidir se queremos (ou não!) ser estes joguetes nas mãos de sabe-se lá quem.
Enquanto se acendem luzes, se inauguram instantes e se relativizam as verdadeiras prioridades, que saibamos dizer a quem nos vier com estas histórias mal contadas:
O Natal é quando eu quiser.
Marta Arrais
in: imissio.net 27.22.24
Muitos de nós passamos grande parte da nossa vida a conduzir. Ora a ir, ora no regresso. Ora em viagens de lazer, ora em viagens mais no âmbito profissional. E a verdade é que, no trânsito, parecemos (muitas vezes) pessoas diferentes. É como se o pior de nós viesse ao de cima e nos assaltasse de uma forma grotesca e descontrolada. Tenho dificuldade em compreender que espécie de fenómeno nos destaca tão afincadamente da vida aparentemente calma que levamos para nos atirar para um modo de sobrevivência tão intrincado.
Tenho assistido, tal como tantos de nós, a uma panóplia de violência gratuita, falta de respeito, insultos, manobras perigosas propositadamente operadas para enervar este ou aquele condutor. E apercebo-me de que ninguém está a salvo. É como se, também dentro de um carro, tivéssemos de nos proteger de um perigo sempre iminente onde não há zonas de segurança, cordialidade, empatia e respeito pelas regras e pela conduta exigida a qualquer condutor.
A vida é curta. Num instante perdemos tudo e somos obrigados a restruturar quem somos e o que temos. Compensará viver o dia-a-dia neste registo de violência absurdo? Onde nos leva?
A um lugar leva-nos de certeza: a compreender que a maioria de nós não está a saber lidar com a raiva que traz dentro de si, com a tristeza, com a frustração, com o desânimo e com os desafios intermináveis que todos enfrentamos diariamente.
Aquilo que, talvez, nem todos saibam é que é possível viver uma vida fora do piloto-automático. É possível gerir o que trazemos dentro sem andar a disparar rudeza em todas as direções. E essa gestão, quando aprendida, pode trazer-nos a leveza e a racionalidade que nem sempre temos quando estamos, simplesmente, a sobreviver.
Não desistas de procurar uma forma de dar nome ao que mora dentro de ti.
De integrar o que não gostas. O que não compreendes e o que gostavas que fosse diferente.
Quando assim for, ficaremos todos a ganhar.
Marta Arrais
in: imissio.net 13.11.24
Essa frase do poeta grego Píndaro (século V a.C.), retomada por Agostinho já em contexto cristão, ajuda-nos a refletir sobre o paradoxo da Boa Notícia cristã de nossa identidade de filhos e filhas de Deus: tudo já nos foi dado e a vida que esperamos é realmente uma vida nova. Toda afirmação da fé cristã – a filiação divina, entre outras – deve levar em conta essas duas dimensões. De um modo bastante sintético, o convite do poeta nos permite afirmar, ao mesmo tempo, a atualidade (“tu és”), o propósito (“torna-te”) e as contingências de nossa identidade humana – abordagem antropológica – e de nossa filiação divina – abordagem teológica e espiritual (esse “quem” que deve conjugar livremente a atualidade e o propósito).
Uma experiência compartilhada em várias situações pastorais nos permite identificar, entre nossos contemporâneos, uma profunda relação simbólica entre “ser filho/a” e “ser amado/a”. Para muitos deles, afirmar a universalidade da filiação divina equivale a reconhecer que o amor de Deus é para todos. As questões levantadas sobre o batismo de crianças vão ainda mais longe: esses bebês (e todos os outros!) já são filhos e filhas de Deus, porque esse amor é para todos antes de nossa fé pessoal, antes de nossas ações (incluindo as sacramentais) e até mesmo antes do desenvolvimento de nossa consciência humana. Afinal, não é assim o amor da mãe e do pai pelos seus filhos e filhas?
Essa sensibilidade contemporânea, reativa a qualquer possibilidade de exclusão, toca em algo essencial da Boa Nova de Jesus: o dom de Deus é gratuito e sempre primeiro. De um modo intuitivo, esta concepção de filiação corresponde a uma teologia sapiencial da criação, que busca a presença de Deus naquilo que é comum a todos. A tradição teológica, baseada nas Escrituras (cf. Gênesis, Sabedoria, Paulo), desenvolveu essa mesma intuição a partir do tema da criação do ser humano à imagem de Deus, fruto da benevolência divina. Alguns teólogos contemporâneos (cf. Rahner; Theobald; Durrwell; etc.), seguindo os passos de Irineu de Lyon, deram maior destaque em suas reflexões a essa graça da criação e sua relação com o plano salvífico divino. Um fruto importante dessa abordagem teológica é a crítica a uma compreensão excessivamente comunitarista (com seus desdobramentos institucionais) ou meritocrática (moral) da filiação divina.
Certamente, da parte de Deus, seu dom de amor é universal e gratuito. Mas, de nossa parte, como podemos receber a plenitude do que nos foi dado? Nossa humanidade, com suas limitações, pode herdar tamanha dádiva? Voltemos à experiência pastoral: nossos contemporâneos também nos dizem como é difícil aceitar a fragilidade e a fraqueza humanas. Essa dificuldade aumenta quando nos deparamos com a fragilidade de um ente querido. Os pais, por exemplo, gostariam de evitar que seus filhos experimentassem o sofrimento e a dor. Mas como podemos nos tornar seres realmente humanos sem assumir a humanidade como ela é, com as experiências que ela implica? A fé cristã reconhece em Jesus Cristo alguém que assumiu essa humanidade comum até o fim, revelando-nos nossa identidade, nosso futuro e o caminho para chegar a esta realização de nossa identidade aberta. Ao viver sua existência como um dom total, ele nos mostra que a filiação divina, esse “tornar-se quem nós somos”, envolve uma kenosis, um esvaziamento, um abaixamento.
Teólogos do passado e do presente dão a essa atitude existencial, de tipo profético, um lugar importante, sob várias formas: a pobreza radical, a desapropriação de si e a dependência filial (cf. Balthasar); o abandono de si (cf. Eckart); a capacidade de se apagar e assumir a violência dos outros sobre si (cf. Theobald); em suma, um novo relacionamento (livre) com a vida e a morte. O crescimento do dom de Deus em nós – sempre primeiro, sempre gratuito – depende de uma conversão de nossa relação com nós mesmos, com os outros, com Ele: uma conversão que nos permite receber a Vida em plenitude em nossa existência singular limitada, em nossos corpos de carne, e vivê-la como uma oferta para que os outros sejam quem são, tornando-nos assim pessoas santificadas, como o Filho unigênito do Pai.
Vemos, assim, como feliz e evangélica a rejeição de nossos contemporâneos à exclusão de qualquer pessoa da dignidade da filiação divina. Ao mesmo tempo, é importante manter a distinção entre o “primeiro” dom (criação), que torna possível nossa existência, e o “segundo” dom (divinização), que nos chama a entrar na Vida (cf. a distinção de Lacroix entre filiação e existência filial). De fato, não há amor sem liberdade. Com a tradição cristã, permaneçamos cientes da possibilidade de acolher e rejeitar (em vários níveis) o dom de Deus; mas, com Rahner, tomemos consciência de que essa acolhida ou rejeição nunca pode ser identificada em um nível meramente conceitual ou expositivo, porque elas tocam a profundidade da existência e, em última análise, habitam a misteriosa transcendência de cada ser humano, à qual somente Deus tem acesso.
Para a fé, o convite formulado no título (“torna-te”) é expresso por toda a vida de Cristo e deve ser continuamente recebido e dirigido à humanidade por sua comunidade, a Igreja. Mas ele é também, acima de tudo, uma obra do Espírito de Santidade, na intimidade de cada homem e mulher, tocados desde o momento de sua criação por um Amor que nunca deixa de chamá-los à Felicidade, à Comunhão e à Vida.
Francys Silvestrini Adão SJ
In: Palavra e presença, portal da FAJE
É um dos desafios mais difíceis nos dias que correm. Os cenários à nossa volta são dantescos. Somos raptados dos nossos dias mais ou menos pacíficos para nos depararmos com tragédias permanentes à nossa volta. Ligamos a televisão e encontramos um cardápio do absurdo: incêndios, guerras, agressões em escolas, mortes, violência, desrespeito pela vida humana.
Esta constatação do trágico que mergulha rapidamente nas nossas vidas deixa-nos impotentes. Sentimos que não podemos fazer nada para ajudar os que sofrem e que os que podem não o fazem nem se preocupam. Sentimo-nos a viver numa distopia constante onde já não conseguimos distinguir o real do imaginário. O sério do leviano. O simples do complicado. Tudo se une numa bola de caos que não queremos engolir nem digerir.
O que nos sobra então, quando nos deparamos com dias tão difíceis? Tão repletos de dor e de destruição?
Sobra-nos a certeza de só podermos fazer o que está ao nosso alcance, mesmo que nos pareça pouco.
Sobra-nos a oração que nos coloca num lugar de espera e de esperança. Num lugar de quem se quer deixar nas mãos dAquele que sabe mais (e melhor) do que nós.
Sobra-nos a coragem de viver cada dia que nos é dado da melhor maneira possível com aqueles que nos fazem companhia nestes cenários confusos.
Sobra-nos a capacidade de sentir empatia pela dor do outro e de nos conseguirmos colocar no seu lugar, aproximando-nos do seu sofrimento e da sua realidade.
Sobra-nos o viver no momento presente com moderada preocupação pelo que não está ao alcance do nosso controle.
Tudo isto parece vazio para quem vive uma tragédia ou para quem sente que perdeu tudo.
Que seja nesse vazio que nos permitamos encontrar com o nosso irmão magoado, sem esperança e sem alento.
E que desse vazio possa voltar a nascer a fé de que o amanhã há de ser um bocadinho melhor do que o hoje.
Marta Arrais
in: imissio.net. 18.09.24
Há poucos dias li uma frase que me deixou a pensar; dizia o seguinte:
“80% dos teus problemas estão no futuro… Desses, 99% nunca vão acontecer”.
A simples leitura desta frase impactou-me profundamente. Senti que muitos de nós vivem exatamente no avesso dessa frase. Vivemos a pensar, tantas vezes, nos inúmeros problemas que podem surgir a seguir. Seja num futuro próximo ou num futuro mais longínquo. E essa forma de estar no dia-a-dia acaba por nos hipotecar, realmente, o momento presente.
Afinal, se estamos a conjeturar uma série de eventuais problemas que podem nem chegar a existir, estaremos (de alguma forma) a vivê-los e a experimentá-los sem haver qualquer razão para isso.
Claro que isso não significa que devemos optar por não planejar, não prever ou antever, até porque sabemos que a vida nos brinda sempre com os mais variados imprevistos e imponderáveis. No entanto, sabemos lá nós se os problemas imaginados vão corresponder aos problemas reais? Quem sabe se enquanto nos preparamos para os problemas que criamos mentalmente, não nos despistamos mais intensamente quando nos depararmos com o problema verdadeiro?
Por todas estas razões valerá a pena construir uma voz interna que nos motive para viver no presente, com tudo aquilo que este “presente” nos oferece a cada momento.
Estar aqui e agora é um desafio tremendo nos dias que correm. Ou estamos no passado (a pensar no que foi e no quanto queríamos que tivesse sido diferente) ou estamos no futuro, a hipotecar o momento que, hoje, nos é dado a viver.
Numa altura em que tantos de nós regressamos ao trabalho e às tarefas mais automáticas, depois de um tempo de maior lazer e calma, é natural que estes problemas apareçam com uma força maior. Tanto os imaginados como os reais. No entanto, se nos comprometermos a ir vivendo um dia de cada vez, qualquer desafio poderá ser enfrentado com uma consciência maior e melhor.
Marta Arrais
11.09.24
O desânimo é um dos nossos maiores inimigos. Convence-nos de que as esperanças e as lutas para as alcançar não valem a pena. Que a noite não terá fim. Que é demasiado tarde para mudar o que quer que seja. Que o melhor é desistir…
O primeiro e mais importante sucesso do desalento é desviar-nos do nosso objetivo, fazendo-nos desacreditar nos nossos sonhos.
Que o medo não nos tome e nos faça escravos da desesperança.
Para não te perderes, é importante que decidas para onde queres ir. Que não queiras alcançar muitos destinos. Que não vás pelos caminhos dos outros ou pelos mais fáceis.
A cada dia, pode ser necessário ajustar o plano em algum ponto. Ainda que se mantenha o objetivo, temos de adaptar o percurso às circunstâncias em que nos é dado viver. Nenhum de nós controla a vida, mas somos livres de lhe responder de muitas formas.
Procura estar onde estás, porque quem quer estar em todo o lado nunca está em lado algum.
Decide-te. Escolher um caminho é dizer não a todos os outros. Nunca é demasiado tarde para mudar de destino e de caminho, mas cada passo que deres está dado, pois jamais alguém poderá desfazer ou refazer o que já foi feito.
Não deixes que o caminho te leve. Por vezes, é suposto ir por onde não há caminho!
Levanta-te e anda, sabendo que a cada dia o essencial não são os frutos que colhes, mas as sementes que lanças. Faz o que tens a fazer. Isso é muito mais valioso do que todas as consequências imediatas que tirares daí. Por melhores ou piores que sejam.
Ainda que não compreendas o porquê, levanta-te, alimenta-te, fortalece-te e anda… porque é longo o caminho que ainda tens de fazer, pelo meio de grandes desertos e, tantas vezes, por onde não há chão.
Confia. Mesmo que te sintas perdido, nunca estarás sozinho.
José Luis Nunes Martins
23.08.2024
Quando uma desgraça súbita nos surpreende, a vontade mais íntima é a de encontrar uma resposta qualquer que, com toda a força concentrada, e de uma só vez, ultrapasse a questão. Ora, isso nunca resulta, porque o bem estabelece-se devagar, como a vida.
Só com uma dinâmica que conjugue a paciência com a esperança se pode encontrar maneira de superar as tragédias da existência.
Mas o mal parece preferir atacar de forma tão lenta e subtil que quase não se dá por ele. Quando isso acontece, já costuma estar espalhado e alojado nas fundações da nossa vida. Devíamos imitar esta forma de agir!
Não queiras tudo hoje. O que a vida nos pede é muito mais do que aquilo que conseguimos fazer num só dia. Por isso, condena-se à desgraça, quem acredita que hoje consegue fazer tudo o que deve, porque não compreende que o caminho para o céu é sempre demorado e a subir!
Muita atividade não significa qualidade.
Ninguém consegue dar tudo a todos, muito menos num só dia… Quem acredita nisso ainda se castiga a si mesmo, porque julga que a culpa é sua!
É verdade que devemos extrair de cada dia tudo o que nele há, mas com a mesma força temos de fazer de cada dia um degrau, um passo, no nosso trajeto para muito mais além.
Que nas nossas guerras saibamos encontrar a paciência para suportar o que temos mesmo de sofrer, mas também a esperança para nos mantermos no rumo para longe da tempestade e perto da paz.
Não apresses a vida, chegarás de forma mais rápida onde poderás ser feliz. Talvez mesmo encontres uma forma de o ser a cada passo.
Constrói o que tens de construir, com calma e firmeza. Se tudo se desmoronar, começa de novo, com o mesmo objetivo. Muda o que tens de mudar, mas não percas tempo com revoltas nem com tentativas de soluções miraculosas.
Quando alguém estiver longe de casa, que esteja sempre a caminho dela, por maior que seja a distância. O que importa não é a velocidade, é a direção.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 16.08.2024
Quando algo me faz falta, quando experimento um vazio porque não tenho comigo algo ou alguém que são meus… sinto tristeza. A vida é feita de perdas e as perdas são sempre tristes.
A dor é um sinal de que há algo que está a tocar em algum dos nossos limites, fazendo-nos sentir a verdade da nossa fragilidade. A dor alerta-nos para que nos defendamos desse ataque… procura ser um alarme para que lutemos contra o que nos ataca.
Mas há ainda mais dor quando não aceitamos os nossos limites. Quando não nos reconhecemos frágeis, revoltam-nos as nossas incapacidades. Dói-nos a nossa natureza humana. Importa aceitar a finitude da nossa vida e das nossas forças. Os limites do que somos e daquilo que são os outros e o mundo.
O sofrimento engrandece-nos, porque o coração se faz maior como forma de o conter e superar.
Se eu me entrego por amor a outra pessoa, isso não envolve nenhuma garantia de que serei aceite, de que me quer… muito menos de que me ame também. Muito pelo contrário, o amor depende da vontade e a vontade é livre. Assim, a dor que tantas vezes sentimos é afinal apenas a constatação de que somos todos livres… e de que cada um de nós determina o que quer dar e o que quer receber…
Esta condição incerta eleva ainda mais os que decidem entregar a sua vida pela felicidade de outro, apesar de tudo.
E é aqui, neste vazio que fica depois de me entregar, que me apercebo não da minha fraqueza, mas de onde vêm as minhas forças. Parecem brotar do nada. Há uma fonte de alegria em mim… que me alivia as tristezas e me ajuda a aceitar-me tal como sou.
Sei que quanto mais decidir amar, mais terei de sofrer. Mas também sei que se não arriscar entregar a minha vida, nunca chegarei a ser quem sou.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 2.08.24
Este é talvez um dos maiores problemas da comunicação e maior gerador de mal-entendidos: aquilo que o outro diz. Mais do que as ações e os gestos sabemos que as palavras têm a capacidade de elevar uma alma ou de a ferir quase irremediavelmente.
A verdade é que não é exatamente aquilo que a outra pessoa diz que tem impacto em nós. É, também, aquilo que interpretamos e aquilo que ouvimos. Uma frase bem-intencionada pode desfazer-se quando chega ao recetor se o seu “ouvido” de dentro não estiver disposto a encará-lo dessa forma.
Assim, podemos dizer que é muito importante saber comunicar, mas também é igualmente importante saber ouvir.
Quantos conflitos terão começado com base nas palavras e no que se entendeu delas?
Quantas mágoas terão nascido com base no que se interpretou e não no que foi dito, realmente?
Claro que não há uma solução mágica para resolver este tipo de ruído na comunicação. É exatamente como jogarmos ao telefone avariado permanentemente e arcar com as consequências disso.
No entanto, podemos despertar o nosso coração para o não-julgamento. Para o receber aquilo que nos é dito a partir de um lugar de confiança e de amor-próprio. Assumir que o que o outro diz pode não ser para me magoar, mas sim porque o próprio outro está magoado. E assumir que se eu me ofender com o que o outro disse também tenho o direito (ou o dever?) de pedir à outra pessoa que me esclareça e que me explique melhor o que quer dizer. Mais ainda, posso explicar-lhe que o tom e a forma não rimam com o meu entendimento e com a minha compaixão e que, por isso, peço uma alternativa ao que foi dito em primeiro lugar.
Estamos todos a fazer o melhor que sabemos com aquilo que temos. E, às vezes, o que temos é muito pouco e muito frágil.
Mesmo assim, se dentro do pouco que tivermos, soubermos dar o tudo que isso é podemos, efetivamente, fazer a diferença no mundo de uma maneira mais profunda do que podemos imaginar.
Marta Arrais
26 de junho de 2024
In: imissio.net
É urgente o tempo para parar.
Para dar prioridade ao silêncio e ao sossego.
Para colocar o corpo em ponto morto e tirar a chave da ignição.
É urgente colocar o que é importante no lugar certo e retirar os sublinhados fluorescentes das coisas que não nos acrescentam, mas que, por tantas razões, nos distraem e entretêm.
É urgente a calma e preferir o bater das ondas em vez do bater de um coração quase sempre alucinado e pouco consciente dos perigos do ritmo que escolhe.
É urgente o respirar fundo, o agradecer o que veio para nos ensinar e o que nos tirou o sono. Tudo fez parte daquilo que somos chamados a viver. Tudo pode ser um mestre e um sábio se quisermos encarar a vida com essa humildade.
É urgente sentir a dor que houver para sentir e não lhe virar as costas. É quando não olhamos para as coisas que elas ganham poder absoluto sobre nós.
É urgente deixar cair. Deixar passar. Não dar protagonismo aos personagens secundários da nossa história. Todos seremos julgados, um dia, por aquilo que soubemos dar com amor e sem exigências.
É urgente o tempo de descanso, de cuidado dos ritmos pessoais e do simples ver passar o tempo como quem vê passar as nuvens.
É urgente viver para se ser tudo o que a vida quiser, sem desejar que parte alguma fique de fora.
É urgente fazer um intervalo nas preocupações e observar aquilo que flui, na mesma, sem a nossa autorização ou interferência.
Não vamos conseguir sempre. Não vai ser sempre fácil e nem todos os acontecimentos poderão conter-se na dimensão do nosso entendimento.
Que saibamos olhar para o que não compreendemos como parte deste mistério absurdo, mas incrível, de estarmos vivos.
Marta Arrais
In: imissio.net
19.06.2024
imagem: pexels.com/andrefurtado
A vida não se compadece das tuas escolhas, dos teus desejos ou dos teus sonhos mais profundos. Acontece para além daquilo que tu és e daquilo que são os teus limites. Brinda-te com o que lhe convém, por muito que não te convenha a ti e aos teus timings.
A vida mostra-nos que não controlamos nada. Que o que é para nós acabará por nos perseguir até nos encontrar. Varrerá tudo e todos até que aprendas o que deves aprender. Obrigar-te-á a escutar a voz da tua alma e a ouvir correr o rio que passa no teu coração. Obrigar-te-á a ter tempo para o que ela quer e não para o que tu gostavas de ter ou ouvir. Deixar-te-á sem palavras, sem chão, sem alcance e vai turvar-te a capacidade de entendimento e de compreensão.
Noutras alturas vai surpreender-te com a bondade que devolveres aos outros e com os retornos que não imaginavas, algum dia, receber. Vai trazer-te pessoas boas, pessoas para amar, pessoas para aprender e pessoas para te dar colo. É nestes momentos que mais quererás agradecer-lhe.
Agradece-lhe também os momentos difíceis. Os tumultos que trouxeram aprendizagens e os que te fizeram duvidar de tudo e de ti. Tudo nos acontece por razões que só entenderemos se tivermos capacidade de curar por dentro. De olhar para o sangue que correu das feridas. As cicatrizes que vai deixar-te vão doer-te alguma coisa, mas vão trazer-te sentidos múltiplos e, quem sabe, fazer-te encontrar a tua missão neste mundo.
E que outra missão teremos senão a de aceitar a vida como ela for?
Nem sempre tudo como queres.
Nem sempre tudo como sonhaste.
Quase nada ao alcance do teu entendimento demasiado humano.
Mas sempre tudo com um propósito maior e mais alto.
Ainda vais a subir a montanha. Como é que queres ver o mar daí?
Ainda estás a nadar em águas profundas. Como é que queres ver a ilha daí?
Depois. Mais à frente. Um dia destes. O sentido que não encontras há de encontrar-te.
Marta Arrais
11.05.2024
in: imissio.net
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Os dias que hoje vivemos parecem-nos escuros. As guerras proliferam à volta do globo, ceifando vidas inocentes, dizimando casas, cidades e lugares que antes pareciam seguros.
Custa-nos entender como é que as guerras começam e, mais ainda, como é que continuam por tempo indeterminado quando, muitas vezes, já não se justificam ou, mais ainda, quando nunca se justificaram.
As guerras começam quando as pessoas deixam de estar no seu lugar e pretendem obter o que não é seu por direito. Começam por justificar-se ataques a alvos mais ou menos políticos, mas, rapidamente, tudo galga para um conflito onde se perde a noção de todos os limites e onde se perde, essencialmente, o respeito pela vida humana. As pessoas deixam de considerar os outros como iguais e deixam mesmo de os conceber como seres humanos, numa atitude de completa e total alienação.
Aquilo que sabemos sobre os grandes conflitos mundiais está à vista. Mas e o que está do nosso lado das fronteiras? E o que mora dentro da nossa interioridade? Também é gerador de conflito?
Um conflito só existe e só se projeta no exterior quando vivemos em guerra com o nosso mundo interno. Quando não nos queremos ver, quando não conseguimos aceitar o que não convive em paz dentro de nós. É essa a razão principal de todo e qualquer conflito. E ainda que não esteja ao nosso alcance acabar com o massacre que todos os dias nos entra casa adentro através das notícias, podemos, isso sim, dedicar tempo ao que somos e perceber que ponta do fio ainda precisamos de desenrolar e de amar.
Não podemos, de facto, controlar o que se passa fora de nós. O que os outros decidem dizer ou fazer. O que os outros decidem não dizer ou não fazer. Como os outros decidem tratar-nos ou destratar-nos. Mas podemos decidir como gerimos esse impacto dentro de nós e como permitimos, ou não, os efeitos dessas palavras ou tratamentos.
Estamos ainda muito longe de um nível de consciência que nos permita compreender que os outros também somos nós. Mas podemos caminhar a bom ritmo na direção da compaixão e do não julgamento. Se estivermos dispostos a isso, claro.
Ninguém gosta de imprevistos. De cancelamentos. De voltas desnecessárias às rotundas do dia-a-dia. Os imprevistos dizem-nos que não controlamos nada. Que as nossas vontades e desejos estão submetidos ao improvável, ao inesperado e ao inexplicável. E a forma como os ecos desses imponderáveis nos afetam diz muito sobre nós e sobre a nossa forma de viver a vida e os nossos dias.
Penso que todos nós encontramos algum conforto no controlo. No imaginar a vida como a prevemos e como gostaríamos que fosse. Essa sensação de conforto dá-nos a ilusão de premeditar o que vai acontecer. Amanhã acordo e faço isto e aquilo e a outra coisa. Muitas das vezes a vida deixa-nos acreditar no previsível. No esperado e no imaginado. No entanto, e tantas outras vezes, a vida brinda-nos com o arremesso do que não esperávamos. Pode ser um imprevisto menor como um cancelamento de um voo, como uma estrada cortada, como uma pessoa que reage de forma diferente do habitual ou menos simpática. Outras vezes os imprevistos são maiores do que nós. Trazem a morte. O improvável da novidade triste dos que partem. E isso deixa-nos com uma cratera no peito.
Não estamos preparados para o que não queremos que aconteça. Queremos que a maré esteja sempre vazia para podermos mergulhar em segurança. E, não poucas vezes, a vida apresenta-se-nos como o mar picado do Guincho ou da Nazaré. E lá temos de adaptar a prancha-coração ao que não sabemos que vai chegar.
Essa capacidade de adaptação, de reorganização e de reajuste traz-nos uma aprendizagem essencial: estamos aqui emprestados, não controlamos absolutamente nada e teremos de nos ajustar a seja o que for que a vida traga. Criar resistência ao que a vida é acaba por ser um não viver o que está guardado para nós.
Reagir aos imponderáveis e ficar zangado faz parte do caminho. Fazer o luto das expectativas criadas é, muitas vezes, tão difícil quanto fazer o luto de uma partida ou de um abandono. Mas é para isso que aqui estamos. Para perceber que não sabemos a durabilidade do nosso corpo neste universo e nesta dimensão onde nos encontramos.
Resta-nos agradecer. Trazer de volta a paz aos dias menos controlados. Mais irrequietos e mais revoltos como as ondas da Praia de Espinho.
Enquanto não sabemos se nos falta muito ou pouco para andar por cá, que possamos encolher a nossa arrogância e expandir as arestas da alma ao que estiver para vir.
Marta Arrais
In: imissio.net 24.04.2024
imagem: pexels.com
De que me interessam as razões? É importante compreender o que se passa, mas será sempre mais importante viver em paz e com confiança no amanhã.
Compreendo a minha história, as razões da minha existência, os porquês e os para quês de cada dia da minha vida? Não! Mas sou inteligente o suficiente para compreender que tudo pode fazer sentido, ainda que eu não o entenda. A razão consegue alcançar uma verdade importante: há muitas realidades que a ultrapassam.
Conseguirá, por exemplo, uma criança compreender tudo o que os seus pais fazem por ela? O seu mundo perde encanto por causa disso? Não! Uma criança confia! Tanto que julga possível o mais inacreditável dos impossíveis.
De pouco importam as razões quando alguém não confia em si e desconfia de cada um dos outros… O que leva grande parte deles a também não acreditarem em quem neles não tem fé.
Não exijas confiança, faz por merecê-la.
A fé não depende da razão. Alguns não acreditam sequer no que está diante dos seus olhos. Como não o compreendem, julgam tratar-se de uma mentira.
O orgulho cega-nos. Os que se consideram excelentes julgam-se autossuficientes, afastam-se dos outros e acabam longe do mundo, do que são e do que podiam ser. Ninguém é feliz sozinho. É simples: ou confiamos uns nos outros e nos entreajudamos ou estamos condenados a ser infelizes.
Não deixes que a razão te esconda o infinito!
Só a confiança permite manter a esperança face a todos os medos, incompreensões e sofrimentos do caminho.
José Luis Nunes Martins
04.04.2024
in: imissio.net
Dizia-nos o pequeno (grande!) principezinho que o essencial é invisível aos olhos. Que é, precisamente, naquilo que não vemos que reside a raiz de tudo o que é importante nas nossas vidas.
Não querendo deixar de concordar com essa bonita verdade, porque o é, também não posso deixar de escrever sobre aquilo que, não sendo invisível, não deixa (ainda assim) de ser importante.
Aliás, na correria dos dias, passamos os olhos pelas coisas sem as ver. Passamos os olhos pelas pessoas, sem as ver. Passamos os olhos sobre os problemas dos outros, sem os querer ver verdadeiramente. Não menos vezes passamos os olhos nas nossas dores, sem as ver.
E todo esse “não ver” tem um preço altíssimo que acabará por ser pago à nossa própria custa.
Essa decisão, quase inconsciente, de não ver o que tem de ser visto reina como um lema. Se eu não vejo, não existe. Se eu escondo (ou me escondo) talvez deixe de ser importante ou de ter peso.
Sabemos, no entanto, que a verdade não é essa. Esconder acrescenta gelo ao iceberg e não ver torna-nos emocionalmente pouco inteligentes.
Andamos todos tão preocupados com a inteligência artificial, mas há uma coisa que os robots não podem fazer: sentir verdadeiramente. Colocar-se no lugar do outro e ousar tirar os próprios sapatos para calçar os que não são nossos.
O que precisamos atualmente é de mais inteligência emocional. Mais compaixão. Mais entrega a tudo o que somos e fazemos.
Estamos de passagem e esquecemo-nos disso imensas vezes. Não somos daqui e o que nos é pedido é para ver mais e melhor, com tudo o que isso implica.
Obviamente que esse “ver” está imbuído de uma imensa responsabilidade. Quem vê não pode ignorar, não pode jamais fingir que não viu. Torna-se testemunha mesmo sem querer.
Deixo este desafio para cada um de nós: o de querer ver o que nem sempre é visto e o de querer reparar em tudo o que, sendo importante, nos escapa tantas vezes ao coração.
Marta Arrais
28.02.24 in: imissio.net
imagem: pexels.com
Sessenta anos de Campanha da Fraternidade (CF)! Criada pela CNBB em 1964, a CF é um apoio aos cristãos para uma reflexão, a partir do Evangelho, sobre problemas que afligem a população: pobreza, meio ambiente, violência, individualismo, trabalho precário, educação, saúde. Como ação evangelizadora da Igreja, todos os batizados são convocados a testemunhar a fé que se expressa no amor aos irmãos. A conversão tem uma dimensão pessoal, comunitária e sociopolítica. A penitência quaresmal deve ser externa e social, não só interna e individual (Sacrosanctum Concilium, 110).
Inspirada na Encíclica do Papa Francisco, Fratelli Tutti (FT), a CF-2024 tem como tema Fraternidade e Amizade social. Vós sois todos irmãos e irmãs (Mt 23, 8). O objetivo é despertar para o valor e a beleza da fraternidade, promovendo e fortalecendo os vínculos da amizade social para que, em Jesus Cristo, a justiça e a paz sejam realidade entre todas as pessoas e povos!
A amizade é a fonte da fraternidade. Dom de Deus, somos criados para a comunhão. A referência da amizade é Jesus Cristo que “nos liberta para amar com justiça” (Rom 6,20). Amizade tem a justiça como princípio: dar ao outro o que é dele por direito. Ou seja, não se reduz a afeto. Nesse sentido, a amizade é a virtude política para a convivência e a paz na sociedade.
Papa Francisco, na Fratelli Tutti (FT), apresenta as bases da fraternidade universal: amizade social, amor político, cultura do encontro. Amizade social significa um grande abraço universal que rompe muros e fronteiras geográficas. Por tanto, para pensar sistemas econômicos e estruturas políticas igualitárias, é preciso substituir o individualismo, o nacionalismo e o fanatismo pelo amor social.
O que aconteceu conosco? O mundo “está desmoronando e talvez se aproximando de um ponto de ruptura” (Laudate Deum, 2). Por que tanto ódio e violência, intolerância e brutalidade? Nessa era da estupidez, a CF de 2024 retoma a pergunta da CF de 1974: Onde está teu irmão? (Gn 4,9). Cinquenta anos depois, o capitalismo intensificou a Síndrome de Caim: egoísmo, obsessão pela prosperidade, pelo consumo, pela fama. A alterofobia – negação da humanidade do outro – está na origem dessa irracionalidade da ditadura do eu. As consequências são inevitáveis: aquecimento global, explosão das desigualdades sociais, concentração da riqueza, violência contra os direitos humanos, banalização do mal, racismo, violência de gênero, machismo, discriminação, bullying, cultura do ódio e do cancelamento, pobrefobia escancarada, uma sociedade anestesiada.
Como a fé pode nos inspirar a superar essa realidade? A fraternidade universal está no coração do Evangelho. Vós sois todos irmãos (Mt 23, 8)! Todo ser humano é reflexo do amor do Criador como fonte de amor. Todo ser humano “foi criado por meio do Filho e em vista Dele” (Col 1,15-17). Filho que nos deu uma Nova Lei: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,34). Amizade social é uma resposta ao Amor: “Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor” (1 Jo 4, 7-8).
A verdadeira riqueza é o bem que fazemos aos outros. Através da parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37) Jesus nos ensina que a “amizade social e a fraternidade universal exigem um reconhecimento essencial: tomar consciência de quanto vale um ser humano, de quanto vale uma pessoa, sempre e em qualquer circunstância” (FT, 106). A expressão mais alta de amizade social é “amar ao mais desimportante e desprezado dos seres humanos como a um irmão, como se existisse apenas ele no mundo” (FT, 193). Priorizar os últimos na escala do poder político, social e econômico, os ignorados e invisíveis. “O que vocês fizeram ao menor dos meus irmãos, a mim o fizeram (Mt 25, 40). Ignorar o pobre é desprezar Deus. Não haverá fraternidade universal sem amizade com o pobre.
É preciso agir para “alargar o espaço da nossa tenda” (Is 54, 2), pois “quem não pratica a justiça não é de Deus” (1 Jo 3, 10). Ainda que seja “difícil ter olhos às injustiças que cometemos” (Dom Helder Câmara), cada pessoa está desafiada a identificar aquelas vaidades e interesses egoístas que impedem olhar o outro com amor e respeitar a diversidade de cor, religião, cultura, orientação sexual. Na comunidade e no ambiente de trabalho, ações simples podem gerar uma “cultura da amizade”: fazer novas amizades, desfazer panelinhas, combater discriminações.
Na esfera social, são expressões de empenho pela fraternidade universal: o voluntariado junto aos mais pobres, o enfrentamento ao racismo e ao machismo, um firme compromisso com a democracia, a justiça social e os direitos humanos, promover a fraternidade e combater o ódio nas redes sociais e atuar corajosamente junto aos movimentos sociais.
Todas as pessoas são iguais em dignidade. Somos todos irmãos e irmãs. “Todos são importantes, todos são necessários, todos são rostos diferentes da mesma humanidade amada por Deus” (FT – Oração cristã ecumênica).
Élio Gasda, SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE)
In: site da FAJE
imagem: cartaz da CF/2024
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