“A Igreja tem a missão de anunciar a misericórdia de Deus, coração pulsante do Evangelho, que por meio dela deve chegar ao coração e à mente de cada pessoa. A Esposa de Cristo assume o com-portamento do Filho de Deus, que vai ao encontro de todos sem excluir ninguém”.
(Papa Francisco – Misericordiae Vultus)
Os relatos evangélicos destacam que a atuação de Jesus está sempre inspirada, motivada e impulsionada pela misericórdia para com todo ser humano. É a misericórdia a que explica e define Sua maneira de ser e de atuar. O sofrimento das pessoas comove suas entranhas, penetra até o fundo de seu ser e se converte em seu princípio de ação transformadora.
O importante é entender que esta misericórdia não é um sentimento a mais, mas a reação básica de Jesus, que dirige e configura toda sua atuação. Não vem motivada por interesse algum. É amor gratuito que brota de sua profunda sintonia com o mistério insondável de Deus Pai-Mãe, fonte de misericórdia.
A partir desta misericórdia entende-se todo seu compromisso em aliviar o sofrimento humano. Esta presença misericordiosa de Jesus está presente, de maneira contundente, na parábola do “bom samaritano”, onde o próprio Jesus “pinta” seu auto-retrato.
Jesus, o grande samaritano, se aproxima de todos e de cada um de nós para curar as nossas feridas e derramar sobre elas o óleo da sua consolação e o vinho da sua força; Ele se ocupa de nossas fragilidades, nos convida a ir com Ele aos lugares onde a vida está mais em perigo e a confiar na força secreta da compaixão e da esperança teimosa.
Com justiça, os padres da Igreja gostavam de destacar que o primeiro grande Samaritano fora o Filho de Deus feito homem. Ele, em primeiro lugar, se deteve misericordiosamente junto a nós pecadores, descendo de sua “cavalgadura” e fazendo-se nosso companheiro de viagem.
Na parábola, o samaritano se sentiu impactado, se deixou afetar, seu coração se estremeceu..., ao “olhar um corpo estendido no chão”. A partir desse momento, ele “desvia” do seu caminho e se desloca em direção àquele de quem todos se desviavam e “passavam do outro lado”. Gasta do que é seu, dedica tempo, mobiliza toda sua atenção frente ao ferido. Mistura sua vida com a de um necessitado e rompe solidões. Muda seu esquema de vida e se deixa levar pela misericórdia criativa.
Dito de outra maneira: o samaritano começa a viver novos registros do que são a solidariedade, o amor e a liberdade. Seu coração tocado pela compaixão o anima a modelar a vida em prol dos outros.
Quando acolhemos a realidade e nenhuma venda nos impede ver o sofrimento do outro, a reação imediata é a compaixão. A compaixão samaritana não se reduz a um mero sentimento empático; inclui, além disso, a ação por aliviar o sofrimento do outro e o risco de compartilhar seu destino.
Em pouco mais de uma linha, o evangelista Lucas, na parábola do Bom Samaritano, ajunta uma infinidade de ações: o samaritano se compadece, se aproxima, enfaixa suas feridas, coloca-o em seu próprio animal, o conduz à hospedaria e o cuida.
Compadecer-se, aproximar-se, curar, levar, cuidar... tecem a rede de ações que definem a ajuda samaritana, diferenciando-a de propostas meramente retóricas, modelos assistencialistas e ajudas estruturais desencarnadas.
A compaixão derruba as diferenças que podem dar-se na relação ajudador-ajudado. Compadecido e compadecedor se sabem igualmente vulneráveis. A compaixão prevê reciprocidade e move a descer em direção ao outro: “hoje por ti, amanhã por mim”.
A compaixão nos coloca ao lado das vítimas e, a partir daí, nos ajuda a ler o drama interno da história em termos de injustiça, desigualdade e opressão. A compaixão pergunta pelos desajustes estruturais que estão por detrás de cada desgraça. Por que nas catástrofes naturais o número de mortos costuma ser inversamente proporcional ao PIB per capita? Quê “grau de escala Richter de desgraça” é necessário para provocar um sismo em nosso interior e despertar o “samaritano” ali presente?
O ícone do “bom samaritano” apresenta o próximo “em situação”, o próximo concreto, histórico, que interpela e compromete cada um em escolhas decisivas, em relação às quais se demonstra se é ou não “próximo” do necessitado. O “próximo” não é somente o outro para mim, mas eu para o outro.
O “próximo”, no sentido expresso pela parábola, não pode nos deixar indiferentes; provoca uma resposta, compromete em uma ternura concreta, oblativa, capaz de risco, para socorrer o ferido. Mais ainda, o encontro com este ícone da ternura desperta dentro de nós o samaritano que permanece “adormecido”. Somente a Misericórdia de Deus, que revela seu Rosto no rosto de tanta exclusão, violência e sofrimento, é capaz de despertar o “samaritano” que todos carregamos.
Isso implica em abandonar a estreiteza de nossos projetos e deixar o nosso coração bater no ritmo dos sofredores e excluídos, vítimas da desumanização de nossa sociedade. O “bom samaritano” é todo aquele que se detém ao lado do sofrimento de outra pessoa, quem quer que seja. Não deve, porém, ser uma parada curiosa, estéril, inútil ou escandalosa, mas de comoção, compaixão, disponibilidade, ajuda concreta. É doação de si mesmo.
Felizes de nós se deixarmos afetar pela mobilização do samaritano!
Diante da presença do homem semi-morto, o sacerdote e o levita dão a volta; o samaritano se aproxima. Dois itinerários que determinarão não só a sorte da vítima, mas também a dos viajantes. Os dois primeiros, recusando seu auxílio, revelam sua desumanidade, com a desculpa de manter sua pureza religiosa. O samaritano é um exemplo de humanidade, mesmo com o risco de tornar-se “impuro”.
Muitas das ações samaritanas nos colocam em situações de aperto: aproximar-nos até ficar “impuros”. O compromisso samaritano passa por “manchar-se”, exige tomar partido pelos últimos, arriscar-se a perder subvenções, expor-se a ter o nome na ficha policial. Em suma, ficar “impuro” perante os olhos da “religião oficial” do Estado.
A parábola ainda nos faz cair na conta do profundo valor simbólico que se esconde por detrás do simples ato do samaritano de fazer o ferido montar sobre sua própria cavalgadura. O samaritano conduz o animal para a pousada como um servo conduz seu senhor. A distinção entre aquele que monta e aquele que conduz o animal é muito forte, ainda hoje, no mundo oriental.
Desejar que outro mundo é possível a partir das vítimas, significa pôr-se a seu serviço, descer de nossa cavalgadura e ser presença compassiva junto a elas. São elas as que deveriam marcar nossos modos de vida, nossos consumos, nossas políticas. E para isso é preciso começar por escutar o quê dizem, o quê esperam, por quê lutam, o quê temem?...
Não é fácil escutar a voz das vítimas, a maioria das vezes a encobrimos com tranqüilizadores discursos românticos que convertem a pobreza em um lugar idílico de solidariedade espontânea. Ser samaritano é um estilo de vida.
Texto bíblico: Lc 10,25-37
Na oração: O evangelista Lucas não deixa dúvida: todos os personagens da parábola “vêem” o homem ferido à beira da estrada.
Adentremo-nos no movimento de olhares proposto pela parábola do bom samaritano, para descobrir as atitudes básicas dos personagens e que nos levam a nos aproximar da realidade tal qual ela é, e a nos comprometer com um “outro mundo possível”.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Itaici-SP
“E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,15)
Nos evangelhos sinóticos, esta pergunta sobre a identidade de Jesus ocupa um lugar destacado. Ela nos oferece as respostas do povo e da comunidade de discípulos, personalizados em Pedro.
Como seus seguidores, devemos continuar nos perguntar “quem é Jesus?”. Aqui não se trata do conhecimento externo da pessoa de Jesus: quando e como viveu, quem são seus pais, em que cultura viveu, qual era seu entorno social e religioso; nem sequer se trata de conhecer e aceitar sua doutrina.
Nosso seguimento está fundamentado no Jesus que encarna o ideal do ser humano querido por Deus, Aquele que nos revela, ao mesmo tempo, quem é Deus e quem é o ser humano. Por isso, a pergunta que devemos responder é: “quê significa Jesus, para mim?”
É preciso deixar muito claro que não se pode responder a essa pergunta se não nos perguntamos ao mesmo tempo: “quem sou eu?” . O encontro com a identidade de Jesus desvela nossa própria identidade.
Na realidade, a pergunta pela identidade é a mais importante de todas aquelas que podemos nos fazer: “Quem sou eu?” A rigor, essa é a primeira e essencial pergunta. A resposta adequada à mesma nos liberta da ignorância, da confusão e do sofrimento. Faz-nos livres e nos possibilita viver na luz.
Porque o objetivo de nossa vida não pode ser outro que o de viver o que somos. E isso não é algo que devemos “alcançar”, “conseguir” ou “conquistar”..., mas, simplesmente, reconhecer. Trata-se de cair na conta ou compreender quem somos. Ao compreender isso, emerge a plenitude, a sabedoria e a alegria.
Dito de outro modo: a causa de muitos sofrimentos existenciais não é outra que a ignorância ou inconsciência de nossa identidade profunda. O grande místico cristão do séc. XIII, Mestre Eckhart, repetia essa expressão contundente: “Meu solo e o de Deus são o mesmo”.
Em outras palavras: a Rocha é o divino que nos habita. No caminho do Seguimento de Jesus vamos tirando os véus que bloqueiam e obscurecem nossa visão, permitindo que aflore resplandecente nossa radiante identidade.
No evangelho de hoje, Jesus revela sua identidade (“Messias, o Filho do Deus vivo”) e, ao mesmo tempo, desvela a identidade de Pedro: “Tu és “petros” (pedregulho) e sobre esta “petra”(rocha) edificarei minha igreja”. Pedro se torna rocha firme (“petra”) quando se apoia na identidade de Jesus (a verdadeira Rocha).
Pedro, que era “petros” (pedra de tropeço no caminho), foi sendo transformado, através da identificação com Jesus, em “petra”, rocha firme da primitiva comunidade cristã. Dessa forma, o Simão que era “petros”/pedra se converte em “Petra”/rocha firme, porque o mestre desvelou a nobreza que estava escondida no coração dele, ou seja, sua verdadeira identidade sobre a qual o mesmo Jesus iria edificar sua igreja.
Todo ser humano possui dentro de si uma profundidade que é o seu mistério íntimo e pessoal; trata-se do “EU original”, aquele lugar santo, intocável, onde reside o lado mais positivo da pessoa. É aqui onde a pessoa encontra a sua identidade pessoal; trata-se do CORAÇÃO, da dimensão mais verdadeira de si, da sede das decisões vitais, lugar das riquezas pessoais, onde vive o melhor de si mesma, onde se encontram os dinamismos do seu crescimento, de onde parte as suas aspirações e desejos fundamentais, onde percebe as dimensões do Absoluto e do Infinito da sua vida.
O próprio ser é a rocha consistente e firme, bem talhada e preciosa que cada pessoa tem para encontrar segurança e caminhar na vida superando as dificuldades e os inevitáveis golpes da luta pela vida. Com confiança em si e na rocha do próprio interior todas as forças vitais se acham disponíveis para crescer dia-a-dia, para a pessoa se tornar aquilo que originalmente é chamada a ser.
Descobrir a própria identidade pessoal é situar-se na linha da orientação e sentido da vida. A pessoa deve ter a capacidade de voltar sobre si mesma e perceber por onde está sendo conduzida e porquê. Concretamente, isso pressupõe uma atitude de atenção e escuta que permitem à pessoa situar-se diante do “para onde” e “para quê”, diante da motivação básica do viver e do agir, diante da “intenção” com que faz as coisas...
“Viver em profundidade” significa “entrar” no âmago da própria vida, “descer” até às fontes do próprio ser, até às raízes mais profundas. Aí se pode encontrar o sentido de tudo aquilo que é, o porquê do que se faz, se espera, busca e deseja.
“Descobrir a si mesmo” é descobrir que no próprio interior há um movimento infinito de construção de si, de identidade em expansão... que se torna possível graças a um constante arrancar-se do imobilismo e da paralisia existencial que impedem o fluxo da vida.
Nossa existência não pode ser de anonimato e indefinição. Ela exige identidade clara e bem definida. Normalmente confunde-se a identidade com certas “marcas distintivas”: o nome, a profissão, a posição social, política ou religiosa, a função...
A identidade, no entanto, é dinâmica, histórica, fecunda, aberta ao desconhecido, aventureira...; ela é lugar de expansão e de manifestação da livre circulação do impulso vital, que faz de cada ser humano um “sopro divino vivo”.
Esse movimento não permite mais que se responda à pergunta: “Quem sou eu?”, pois o ser humano não é, ele se “torna”. O ser humano é um contínuo “tornar-se”, um “vir-a-ser”, um “ek-sistir”, capacidade de ir além de si e adiante de si, no movimento de infinita transcendência.
Só transcende quem se aproxima da própria interioridade, do próprio coração.
Ter identidade é viver em contato com as raízes que nos sustentam. Em contato com a fonte e na viagem para dentro, clareia-se a visão de nós mesmos, da nossa originalidade e dignidade. Há uma força de gravidade que nos atrai progressivamente para o mais profundo de nós mesmos, onde Deus nos espera e nos acolhe, e onde encontraremos a nossa própria identidade e a verdadeira paz.
“Que eu me conheça e que te conheça, Senhor! Quantas riquezas entesoura o homem em seu interior! Mas de que lhe servem, se não se sondam e investigam” (S. Agostinho).
De “petros” a “petra”: esse é o desvelamento que acontece em todo seguidor de Jesus quando escuta e vive sua Palavra, proclamada no Sermão da Montanha.
Nossa identidade profunda é constituída pela fragilidade/petros e pela fortaleza/petra. Só no encontro com Aquele que é a Rocha firme é que transparece a “petra” que está oculta em nosso interior.
Texto bíblico: Mt 16,13-19
Na oração: A oração é o caminho interior que faz a pessoa chegar até o próprio “eu original”, aquele lugar santo, intocável, onde reside não só o lado mais positivo da pessoa, mas o mesmo Deus. Este é o nível da graça, da gratuidade, da abundancia, onde a pessoa “mergulha” no silêncio à escuta de todo o seu ser.
Através da oração a pessoa desce a uma dimensão mais profunda e assim chega à corrente subterrânea.
Aqui ela experimenta a unidade de seu ser.
Coloque-se diante da verdade de Deus, na verdade de si mesmo:
- que resposta você daria, agora, se um repórter lhe entrevistasse e lhe perguntasse: “quem é você?”
- o que você colocaria na sua carteira de identidade que lhe diferenciasse de todas as outras pessoas? Quais seriam os seus sinais digitais mais originais? Quais os seus sinais digitais divinos? (as “marcas” de Deus);
- o que em você é “rocha” consistente, fundamento inabalável?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
“Quem põe a mão no arado e olha para trás não está apto para o Reino de Deus” (Lc 9,62)
O olhar é o reflexo de nossa interioridade; ele tem um grande poder porque deixa transparecer o que acontece e o que sentimos por dentro.
O corpo humano é um receptor e um transmissor de emoções e a principal mediação para comunicá-las e transmiti-las é através do olhar. A maneira de conhecer melhor uma pessoa, criar laços de empatia com ela e inclusive saber se o que está dizendo é verdade ou mentira... é através do olhar.
O olhar é o recurso não verbal mais expressivo e sincero que nós, seres humanos, possuímos, porque com um simples olhar podemos transmitir desde o ódio até uma declaração de amor ou de amizade. “Se eu morrer, morre comigo um certo modo de olhar”, disse um poeta. Mas o hábito contamina os olhos e tira seu brilho expressivo. Acostumamos a ver as coisas, as pessoas e, de tanto ver, banalizamos o olhar, perdendo a capacidade de despertar assombro e encantamento. Vemos e não olhamos. O que está próximo de nós, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual vai se estreitando e tudo se torna rotina.
Faz-se necessário, então, despertar a criança que ainda habita nosso interior; ela vê o que o adulto não vê, pois tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo.
“Um olhar contemplativo percebe sinais de evangelho nos acontecimentos mais simples” (Ir. Roger).
A saturação de imagens, informações e efeitos especiais, tão característica de nossa cultura, está minando, progressiva e sutilmente, a capacidade tanto de apreciar as realidades simples como de perceber a profundidade e o mistério que há nelas. O pior desta situação não é somente a perda da visão contemplativa, mas sobretudo não ter consciência do que acontece ao nosso redor.
Seria de grande ajuda conhecer as “enfermidades” mais frequentes de nossa visão. Detectá-las e reconhecê-las constituiria um avanço decisivo para eliminar os obstáculos que impedem penetrar no significado do mistério da vida em seu estado mais “puro”. Mas não basta pousar os olhos sobre a realidade para captar a profundidade e transcendência do que é contemplado. É difícil ver o evidente. Exige uma tarefa prévia de “desvestir” os olhos para olhar de novo e descobrir o que verdadeiramente existe. “Ver é um esforço, e olhar, literalmente, é um milagre” (Luis Rosales).
Todo olhar não é neutro; ele tem sua intencionalidade. No olhar revelamos algo de nossa identidade: onde está o nosso olhar, aí está o nosso coração. Vemos muitas coisas, mas só “olhamos” aquilo para o qual se dirige nossa atenção. Nesse olhar três aspectos se interrelacionam: aquele que olha, o objeto do olhar e o ato de olhar, ou seja, como olhar. Sempre precisamos ter presente o processo de olhar, mas especialmente os pólos: quem olha (aspecto subjetivo) e onde se olha (aspecto objetivo).
Normalmente, nossa tendência é focar a atenção mais no pólo objetivo, ou seja, para onde se olha, qual o conteúdo do objeto do olhar. No caso do Seguimento, os olhos estão fixos em Jesus, deixando-nos afetar pela Sua identidade, Suas relações, Sua paixão pelo Reino, Sua missão, Seu chamado...
Mas o caminho do Seguimento possibilita também centrar a atenção no pólo subjetivo, ou seja, sobre quem olha: quem é aquele que olha, sua liberdade interior, seus movimentos internos diante da pessoa e do chamado de Jesus, a sedução que sente por uma grande causa...; da mesma forma, os obstáculos que percebe ao olhar a pessoa e o projeto de Jesus, a resistência em encontrar-se com o olhar d’Ele, o medo de ser visto em sua fragilidade...
Nossos olhos refletem nosso interior. Eles podem estar em condições favoráveis para contemplar a cena do chamado de Jesus. São olhos sadios. Sadios porque há uma correspondência direta e uma profunda intimidade entre aquele que olha e Aquele que é olhado.
Há pessoas que olham de forma bastante objetiva, transparente. São pessoas internamente mais livres, cujo olhar se deixa impactar pela presença e pela proposta de Jesus. Desse olhar brota o assombro, a admiração e o impulso em assumir o mesmo sonho do Jesus peregrino: a realização do Reino do Pai.
No entanto, há também os olhos feridos que não ousam ir mais além; os ferimentos podem vir do interior, bem como do exterior da pessoa. São ferimentos de sua história, de seu passado, das experiências frustrantes que viveu até o momento presente. Muitas pessoas passam grande parte da vida fortemente impactadas por experiências negativas, de desamor, de solidão e desvalorização...
Existencialmente, em seu olhar a pessoa pode revelar seus ferimentos afetivos, experiências de rejeição e de “olhares pesados” dos outros sobre ela. Elas escondem o olhar quando expostas a realidades externas difíceis, de violência, de exclusão... Elas acabam pensando que o mundo e a realidade das pessoas se reduzem a isso, e projetam uma visão deturpada sobre a própria pessoa de Jesus. Dói-lhe fixar os olhos n’Ele.
Com isso, seu olhar fica atrofiado e não ousa levantar-se para contemplar diante de si a pessoa de Jesus. É o que poderíamos chamar de “cataratas” existenciais e espirituais. São obstáculos que impedem uma experiência mais profunda e objetiva na vivência do Evangelho.
Todos somos testemunhas de como pessoas internamente feridas no amor expressam um rosto um tanto sofrido e os olhos revelam certa tristeza e amargura. Por isso, temos a clara convicção de que a objetividade do olhar e a capacidade de fixá-lo em Jesus requer um mínimo de liberdade interior, de ter experimentado o amor em suas múltiplas expressões.
Há um outro aspecto no Evangelho de hoje(13º dom tempo comum) que é preciso ressaltar: precisamos também aceitar que o “objeto do olhar” (Jesus e seu chamado) pode melhorar nossa visão. Isso significa que a experiência do encontro com a pessoa de Jesus, seu olhar misericordioso e marcado pela ternura, a proposta ousada e desafiante que Ele nos faz... podem ajudar a purificar nossos olhos e a melhorar nossa visão.
A própria pedagogia de humanização ampla de Jesus vai beneficiar nossa própria identidade, despertar dinamismos e desejos ocultos em nosso interior, sacudir nossas amarguras e ampliar nosso atrofiado olhar.
Ao “fixar seu olhar” em cada um de nós, chamando-nos pelo nome, seremos movidos a fazer opções mais radicais e integrais pelo Reino, segundo o modo de ser, de viver e de fazer do próprio Jesus.
“Chamado-resposta” implica, pois, uma troca comprometedora de olhares. O olhar transparente e livre de Jesus ressuscita o nosso olhar tímido e estreito e nos capacita a olhar amplos horizontes: seu povo, seu mundo dividido e excluído... Seu olhar nos predispõe a encontrar motivações saudáveis e maduras que nos permitam olhar e viver no contexto atual plural com amor, com entusiasmo e criatividade.
Texto bíblico: Lc 9,51-62
Na oração: o que me impede de ter um olhar límpido e transparente na tentativa de me configurar ao olhar de Jesus? O que busco ao fixar os olhos em Jesus? O que sinto ao perceber os olhos de Jesus fixos em mim?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Itaici
“Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me” Lc 9,23)
Uma leitura superficial do evangelho de hoje pode dar a impressão que o cristianismo é a religião que preconiza o sofrimento, a renúncia, a negação de si mesmo, o esvaziamento da própria identidade. O sofrimento foi de tal modo exaltado que levou muita gente a viver na passividade e resignação, esvaziando o sentido do seguimento e bloqueando a esperança.
De fato, existem sofrimentos que são vazios, sem sentido, “insensatos”..., pois fecham a pessoa em si mesma, na sua aflição e angústia; não apontam para o futuro, para a vida. Como consequência, a Cruz ocupou o primeiro lugar e tudo passou a girar em torno a ela. Mas Jesus não buscou a dor nem negou a vida. Pelo contrário, a missão primeira de Jesus foi a de aliviar toda dor humana. Por isso, suas inumeráveis curas relatadas nos evangelhos. Suas palavras não são uma exaltação do sofrimento, senão que expressam uma grande sabedoria: elas buscam “despertar” a pessoa para que possa viver com mais plenitude e perceber a melhor atitude frente à vida; elas condensam o significado de uma vida vivida por Jesus na fidelidade ao Pai que quer que todos vivam intensamente.
Todos nós carregamos recursos ainda adormecidos, potencialidades quase divinas que, em alguns momentos privilegiados, descobrimos em nosso interior. E, no entanto, ao reconhecer nossa fragilidade humana, estremecemos diante de nossas ricas capacidades.
Deixar-se determinar pelo “ego atrofiado” implica cair num conformismo doentio e na mediocridade tranqüila e temerosa; ou seja, medo de ir além de si mesmo, para além de suas capacidades. Quem tem medo afunda-se no mar escuro e revolto da vida.
“Renunciar a si mesmo” desvela o dinamismo ou força de morte no interior de cada pessoa, marcado pelo medo de ir para além de si mesma; trata-se do medo de sua própria grandeza, o medo da sua missão, medo da vastidão dos seus sonhos... Por não ter horizontes, ela se limita ao seu modo habitual e fechado de viver; acomoda-se e não faz a travessia; não faz as coisas com paixão e com criatividade.
Quando não se vive em profundidade só resta a rotina, a superficialidade, o tarefismo sem sentido, o desânimo, o “vazio vital”; renunciando à tensão do “mais” a pessoa revela incapacidade de tomar a vida nas próprias mãos e dar-lhe uma direção mais ousada e criativa.
É nesse contexto que surgem inúmeros sofrimentos “insensatos” (sem sentido). “Negar a vida” (o grego original não diz “bios”, nem “zoos”, mas “psyché” – “eu psicológico”) significa não reduzir-se ao “eu superficial” ou “ego”. Trata-se de negar a “ilusão do eu”, para acessar à Vida, que é nossa verdadeira identidade. Porque só quando deixamos de nos identificar com o “ego”, tomamos consciência da Vida que somos. Essa é a Vida de que fala o evangelho, a mesma Vida que Jesus viveu, com a qual Ele mesmo estava identificado (“eu sou a Vida”) e a que buscava despertar nos outros.
Nós somos continuamente bombardeados com slogans, imagens, mensagens... que nos obrigam a permanecer na superfície de nós mesmos, ativando o nosso “ego” a ser o centro da nossa vida: “você vale”, “você pode”, “você merece”… “bem-vindo à república independente de sua vida” “o mundo à sua medida”, “pensa em você”, “seja você mesmo”, “viva a sua vida”, “sinta”, “experimente”, “aproveite”... Quantas mensagens centradas o tempo todo no restrito campo do nosso ego!
Se o mundo se converte em uma competição de egos, então não sobra espaço para o diálogo, para o encontro, para o amor. Se a pessoa só se constrói a partir da auto-complacência e do olhar centrado em si mesma, termina fechando-se numa bolha que a isola. E essa bolha, finalmente, se torna uma prisão na qual ela fica só.
Vaidade, orgulho, soberba... revelam a atitude daquele que se volta sobre si mesmo e se coloca tão no centro, tão no pedestal, tão inflado e cheio de si, que se faz cego ou indiferente aos outros. É estar encantado de si mesmo, mendigando aplausos, esquecendo-se de seus pés de barro e de suas limitações. É acreditar ser o umbigo do mundo.
Mas o Evangelho de hoje(12º dom.Tempo comum) nos convida, mais uma vez, a alargar o círculo, a olhar para fora, a descentrar-nos para encontrar o outro, a Deus, e, provavelmente, por esse caminho, também o olhar mais autêntico e completo sobre a nossa própria vida. Ali Jesus fala em “renunciar a si mesmo”. O modo mais simples de traduzir isso poderia ser: “deixa de viver para teu eu estreito”, “não gires em torno ao teu ego, porque esse modo de vida te aprisionará cada vez mais, e tua vida será vazia e estéril”.
Dito positivamente: trata-se de um convite a ir mais além do ego e descobrir nossa verdadeira identidade, aquela “identidade compartilhada”, na qual o próprio Jesus se encontrava.
Por isso, estamos diante de uma boa notícia: “Desperta!” “reconhece quem tu és!”. “Descobrir-se a si mesmo” é descobrir que no próprio interior há um movimento infinito de construção de si mesmo, de identidade em movimento... que se torna possível graças a um constante arrancar-se do imobilismo e do auto-centramento existencial, que travam o fluxo da vida.
Só transcende quem se aproxima da própria interioridade, do próprio coração. A verdadeira identidade, ou “eu expansivo”, é dinâmica, histórica, fecunda, aberta ao desconhecido, aventureira... Ela só se desvela para aquele que se desprende das defesas e projeções do falso eu.
Como fazer para sair de um “estado de aprisionamento” e encontrar um lugar de expansão e de manifestação da livre circulação do impulso vital, que faz de cada um de nós um “sopro divino vivo”?
Ter identidade é viver a partir das raízes que nos sustentam. Em contato com a fonte e na viagem para dentro, clareia-se a visão de nós mesmos, da nossa originalidade e dignidade. Há uma força de gravidade que nos atrai progressivamente para o mais profundo de nós mesmos, onde Deus nos espera e nos acolhe, e onde encontraremos o sentido de nossa existência e a verdadeira paz.
O sentido de nossa existência consiste, portanto, em “passar da morte à vida”: é a isso que as palavras de Jesus nos convidam. O destino do eu atrofiado é a morte: viver para o eu equivale a perder a vida. Pelo contrário, quem começa a descobrir sua verdadeira identidade, já está morrendo ao seu ego, porque descobriu que é “outra realidade”: a Vida que não morre. E, a partir desta nova percepção, toda a visão da própria existência se modifica.
“Aquele que quer salvar seu ego, perde a vida; mas aquele que perde seu ego, salva a vida”. E Lucas acrescenta o “por minha causa”, para destacar nossa unidade em torno ao seguimento do Mestre. Nesse sentido, “negar-se a si mesmo” e “carregar a cruz “ equivalem a fazer nosso o caminho de Jesus. Ele se negou a tomar o poder, nem usou a força e o prestígio como meios para servir e salvar a humanidade. Jesus escolheu o único caminho que conduz ao coração do ser humano: a solidariedade com todos os excluídos da terra. Este foi o caminho d’Ele e este deve ser nosso caminho se queremos estar com Ele.
Textos bíblicos: Lc 9,18-24
Na oração: Diante da presença de Deus, esteja aberto ao contato com a própria realidade interior, para que venha à superfície aquilo que o sustenta e dignifica o seu viver. Dirija seu olhar para o mais íntimo de si, onde nascem sentimentos e valores, decisões e gestos... onde você é convidado a se alegrar com os rastros da Graça.
- Cesse de buscar-se como “eu” e deixe-se repousar no Silêncio, na Presença que anima tudo o que é. Não faça do “eu” o centro de sua existência nem de sua identidade. Neste esvaziamento do “ego” um “eu cristificado e expansivo” vai renascendo e plenificando sua vida.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
“Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai. O mistério da fé cristã parece encontrar nestas palavras a sua síntese. Tal misericórdia tornou-se viva, visível e atingiu o seu clímax em Jesus de Nazaré. Com a sua palavra, os seus gestos e toda a sua pessoa, Jesus de Nazaré revela a misericórdia de Deus”. (Papa Francisco – Misericordiae Vultus)
Tornar presente o Pai como Amor e Misericórdia foi, para Jesus, o cerne de sua missão: toda a sua vida foi uma eloquente demonstração da misericórdia divina para com a humanidade.
Jesus, presença visível da misericórdia, revela um Deus desprovido de dogmatismos, de controle e de poder. O Deus de Jesus não é um juiz com um catálogo de leis que tem necessidade de mandar, controlar, verificar... Basta-lhe a misericórdia, a compaixão...
Jesus propõe um modo de ser humano inseparável da misericórdia do Pai: “Sede misericordiosos como o Pai é misericordioso” (Lc. 6,36). Ser misericordioso “como” Deus constitui o mais elevado convite e a mensagem mais profunda que o ser humano recebe sobre como tratar a si mesmo e aos outros.
“A misericórdia de nosso Senhor se manifesta sobretudo quando Ele se inclina sobre a miséria humana e demonstra sua compaixão, para quem necessita de compreensão, cura e perdão. Tudo em Jesus fala de misericórdia; mais ainda, Ele mesmo é a misericórdia” (Papa Francisco).
Jesus, com sua presença desconcertante, relativiza costumes, ritos e práticas religiosas, inclusive o Templo, e se relaciona com gente excluída e de má reputação. Ele faz muitas coisas e em muitos lugares (ensina, cura, denuncia, alimenta, dialoga, etc), mas a misericórdia é a que inspira e move tudo em sua vida e ação. Sente a fundo o sofrimento das pessoas; antes de preocupar-se com o pecado, preocupa-se em aliviar a dor da marginalização e exclusão.
Este “princípio-misericórdia” é o que há de iluminar e conduzir a vida dos seguidores de Jesus, e da Igreja como comunidade misericordiosa. A misericórdia é, pois, um sentimento profundo e dinâmico, que não permite que quem o sente permaneça imóvel ou passivo diante de tanto sofrimento que há na humanidade. Ela é a alma da solidariedade, da ação social, do compromisso com a justiça... Por um lado, a misericórdia é propriamente a atitude permanente que se revela em qualquer situação, sempre que há fraternidade e amor, e por outra parte, a misericórdia é a compaixão para com a pessoa que sofre. Uma atitude profunda, uma comoção do coração, que conduz a atos de solidariedade...
A presença misericordiosa de Jesus aparece claramente no jantar em casa do fariseu Simão. O relato de Lucas põe em confronto duas maneiras diferentes de reagir perante a “mulher pecadora”: uma, de acolhida e proximidade; outra, de julgamento e distância. Uma mulher, pecadora pública, aparece inesperadamente no jantar na casa do fariseu, sem ter medo do que dirão a respeito dela. Há nela como uma espécie de ansiedade e desejo de sair daquela situação; há nela uma necessidade de sentir-se pessoa, de sentir-se mulher de verdade, de recuperar sua dignidade, de sentir-se livre.
Busca alguém que não a veja como simples objeto de prazer; busca alguém que saiba reconhecê-la como pessoa, que possa devolver-lhe sua dignidade. E não se importa com as reações de julgamento. Prostra-se aos pés de Jesus, derrama o perfume que possivelmente era fruto do seu pecado. Lava os pés de Jesus com suas lágrimas de angústia e confiança ao mesmo tempo, antecipando o gesto que Jesus realizará na última Ceia. Seca-os com seus cabelos como expressão de sua esperança.
Jesus revela-se um convidado perigoso, porque é capaz de desvelar o que está encoberto. Sua presença cria problemas para o anfitrião, coloca em risco o seu prestígio, a sua reputação. Jesus desmascara a maneira medíocre de amar do fariseu, desprovido de compaixão e calculista no julgamento. O fariseu perfeito tem comportamento frio, legalista, insensível, indiferente, rígido.
O perfeccionista e o legalista é um ser anestesiado e petrificado: nele a misericórdia permanece atrofiada; ele ficará confinado dentro de um eu inchado e vazio, que caminha sobre pernas de barro. Onde o legalismo prevalece, ali a misericórdia não encontra espaço para reconstruir relações quebradas. Por isso, Jesus revela o abismo que existe entre a posição em que o fariseu se encontra e a da mulher que, através de tantos gestos afetivos, expressa sua ternura e humanidade.
“Entrei em sua casa e não me derramaste água nos pés... Não me deste um ósculo... Não me derramaste óleo na cabeça”. Aquele fariseu tinha muitas coisas para dar a Jesus, mas não lhe deu nada de amor; aquela mulher não tinha nenhuma coisa que dar-lhe, mas lhe deu o melhor: muito amor. O fariseu não esperava nada de Jesus, aquela mulher esperava tudo d’Ele. Aquele fariseu e os demais convivas a julgam como pecadora pública, mas Jesus a reabilita diante deles; Ele a acolhe com respeito e ternura. Descobre em seus gestos um amor limpo e uma fé agradecida. Diante de todos, fala com ela para defender sua dignidade e revelar-lhe como Deus a ama.
Jesus é capaz de reconstruir o que os outros haviam destruído; é capaz de devolver a alegria a uma mulher que os outros tinham tirado; é capaz de dar a vida àquela que os outros deram morte.
Jesus não se fixa na vida passada da mulher; por isso, não a julga, pelo contrário, valoriza todos os seus gestos de acolhida e ternura. Não importam “seus muitos pecados”, mas o amor de seu coração. Jesus não é daqueles que se entretém contabilizando pecados; Ele é daqueles que olha o coração do pecador; e quando descobre amor, aí mesmo perdoa. Porque a melhor expressão de amar é perdoar; a melhor expressão de sentir-se perdoado é sentir-se amado.
O perdão não é um problema de justiça; o perdão é algo que nasce do amor; o perdão é fruto da compreensão, da misericórdia. O comportamento de Jesus era diametralmente oposto ao do fariseu e dos seus convivas: todas as mulheres que se encontraram com Ele sempre saíram reabilitadas, até o ponto de chegarem a se converter em protagonistas do fato mais importante de Sua vida, a ressurreição.
A linguagem de Jesus para aquelas pessoas que praticavam uma religiosidade vazia, só ritual e elitista, era muito dura e crítica. Como no caso deste fariseu religioso, legalista refinado, são muitos aqueles que afirmam e honram a Deus com os lábios, mas seu coração e seus atos estão muito longe d’Ele.
A maioria das religiões dá muita importância ao cultual, às cerimônias, aos ritos. Gastam muito dinheiro em objetos, roupas, ornamentos, imagens, ostentações, etc..., mas o compromisso com os grandes valores do Evangelho, que são o essencial da mensagem de Jesus, fica ofuscado ou esquecido. É urgente retornar à fonte do Evangelho, onde a misericórdia é o atributo essencial e o modo de proceder de todo seguidor de Jesus.
Texto bíblico: Lc. 7,36-50
Na oração: O olhar de misericórdia deve ser continuamente ativado para poder perceber a nobreza escondida no interior de cada um, sobretudo naqueles que estão mais excluídos.
Para despertar este olhar cristificado necessitamos de uma revolução do afeto e da ternura; só assim poderemos olhar a nós mesmos e as pessoas com o olhar carregado de misericórdia.
- O que prevalece em seu agir cotidiano: misericórdia? Preconceito? Suspeita? Julgamento?...
Pe. Adroaldo Palaoro sj
“Ao vê-la, o Senhor encheu-se de compaixão por ela e disse: ’Não chores!’” (Lc 7,13)
Segundo a Revelação bíblica Deus é compaixão e misericórdia. Ele se sente “afetado” ao relacionar-se com o ser humano. Deus não é insensível. Nele há emoções que, longe de significar imperfeição, manifestam sua proximidade e o compromisso para com cada ser humano.
A compaixão é uma atitude permanente de Deus, e não uma atitude ocasional que surge em determinadas situações. É um “modo de ser” divino. Precisamente aí temos uma luz que nos indica que a compaixão humana não surge unicamente ali onde há sofrimento. É uma atitude permanente e habitual, um modo de relacionar-nos e encontrar-nos uns com os outros. Não se pode identificá-la nem reduzi-la a ter pena.
Neste sentido, a compaixão é um princípio ético que permite relacionar-nos com os outros a partir dos afetos profundos, das entranhas.
De fato, o vocábulo latino “cum-passio” que traduz o vocábulo grego “simpatia”, é uma palavra composta de “com”, comunicação, e “paixão”, afeto por alguém. Na compaixão se trata de um intercâmbio afetivo e efetivo. Compaixão é interação; não é um sentimento superficial, passageiro ou paternalista. É a capacidade de sentir como o outro sente, colocando-se em seu lugar, buscando ver as coisas como ele as vê. Por isso, a compaixão significa também a capacidade de pôr amor onde há dor; ela permite passar da fria justiça ao calor do amor; a compaixão torna possível ir mais além da dura lei para viver a alegria do Evangelho.
A compaixão constitui, junto com a gratuidade, a coluna vertebral da mensagem e da prática de Jesus.
A ética compassiva de Jesus de Nazaré é nuclear em seu evangelho, em sua boa nova, até o ponto de que no relato do juízo, no final dos tempos, ela vai ser o “teste do exame final”: “...tive fome e me destes de comer; ...estava nú e me vestistes; enfermo e me visitastes; preso e viestes me ver” (Mt 25,35-36).
A ética compassiva, pois, é o sentimento que continuamente perpassa sua pregação, seus ensinamentos e sua vida, como se manifesta nesta cena de hoje, na entrada da cidade de Naim.
Normalmente passamos pela vida e não vemos nada; ou somos cegos ou não temos coração; outros passam pelo mesmo caminho e se deixam impactar pelas situações com as quais se encontram.
Jesus é um desses que sempre encontra algo em seu caminho que toca seu coração. Para Ele, os caminhos da vida estão sempre cheios de surpresas, de interrogações, cheios de gente, cheios de dor e sofrimento...
O seguidor de Jesus deve ser alguém que, por onde vai, sabe olhar e escutar, para não passar pela vida como cego e surdo. E esta deveria ser a pergunta que deveríamos fazer continuamente: “Quê vimos ou ouvimos desde que saímos de casa?
Jesus se aproxima de Naim. A cena não é nada simpática. Um funeral de um jovem “filho único” e uma mãe que se desfaz em lágrimas de dor e que, além disso, era viúva. Ela está passando por uma dura prova. A perda de seu filho supunha também a perda de dignidade e consideração na sociedade onde vivia, além de ter sofrido a perda de seu marido, que lhe assegurava estabilidade e respeito.
As lágrimas são como a linguagem do coração que sofre. E quem não se sente comovido pelas lágrimas de uma mãe sofredora? O coração de Jesus é demasiado sensível para não deter-se diante da dor de uma mãe. É a compaixão do Pai que O faz tão sensível diante do sofrimento das pessoas.
Por isso, “ao vê-la, encheu-se de compaixão”.
Lucas, o evangelista da misericórdia, mais uma vez nos des-vela, em Jesus, o rosto do Deus compassivo diante da miséria humana. A expressão ‘encheu-se de compaixão’ não consegue traduzir a força da palavra original, que evoca as entranhas, o seio maternal. Jesus deixa transparecer os sentimentos de ternura maternal e de compaixão para com aqueles que estão na miséria. Ou seja, Ele não tem como permanecer insensível a um tal sofrimento. Por isso, intervém para aliviar a miséria desta pobre mulher.
Comentando o relato de Lucas, o padre Léon Paillot escreve: “A viúva de Naim tinha uma chance: seu filho. Economicamente falando, era importante: ela tinha como viver. E no plano afetivo, ela não estava sozinha: seu filho era para ela como uma presença continuada de seu marido, como o testemunho de um grande amor. E seu filho morre! Coloquem-se no lugar desta mulher. Ela está agora na miséria mais extrema. Seu horizonte está totalmente encoberto. Não há mais nenhum futuro para ela. É como se ela também tivesse morrido”.
O relato de hoje nos diz que há dois cortejos que se encontram na entrada da cidade de Naim: a multidão que segue Jesus; uma grande multidão, alegre, que se dirige para a cidade, isto é, para o lugar da vida. A outra multidão, ao contrário, sai da cidade e se dirige ao cemitério, isto é, ao lugar da morte.
No momento em que as duas multidões se encontram, Jesus se detém e mobiliza a todos a olhar com atenção para aquela triste cena: um jovem é levado para ser sepultado.
Léon Paillot escreve: À multidão alegre que segue atrás da vida, Jesus diz: “vocês não tem o direito de passar ao largo do sofrimento e da miséria humana sem parar. Eu, Deus, parei. Também meus discípulos devem parar”.
Jesus não conhece a mulher, mas se deixa impactar pela situação dela, se solidariza com ela, olha-a com atenção e a leva em consideração. Capta sua dor e solidão, e se comove até as entranhas. O abatimento daquela mulher lhe atinge o mais profundo. O pranto da viúva é o grito silencioso de uma mulher que sente não só a perda de seu filho mas também seu destino de vulnerabilidade, exclusão e desigualdade. É o pranto que denuncia o machismo e a discriminação social.
A reação de Jesus é imediata: “Não chores”. Ele não pode ver ninguém chorando. Precisa intervir. Não pensa duas vezes; detém o enterro, aproxima-se do féretro, toca o esquife e diz ao morto: “Jovem, eu te ordeno, levanta-te!” Esta é a palavra chave de Jesus: que o filho da viúva se levante... que retome seu caminho. Quando o jovem se ergue e começa a falar, Jesus o entrega à sua mãe para que deixe de chorar. De novo estão juntos; a mãe já não estará mais sozinha. E aquele que era levado a caminho do cemitério, regressa agora à sua casa, tomado pela mão de sua mãe. Jesus não só ressuscitou o filho; também ressuscitou a mãe. Secaram-se as lágrimas e o sorriso voltou a florescer em seus lábios.
Tudo parece simples. O relato não insiste no aspecto prodigioso daquilo que Jesus acaba de fazer. Convida os seus leitores para que vejam n’Ele a revelação de Deus como Mistério de compaixão e força de Vida, capaz de salvar inclusive da morte. Jesus transgride de novo as regras excludentes daquela sociedade, devolvendo a vida e a dignidade à mulher.
Essa mensagem de Lucas é uma mensagem de esperança. A morte não pode ter a última palavra sobre a vida. Deus nos quer vivos e devemos nos deixar conduzir pela vida.
A estratégia de Jesus não é de tipo assistencial, mas libertador. Não ajuda passivamente à viúva, senão que lhe entrega seu filho, para que iniciem um novo caminho, ativo, comprometido, no seio da comunidade.
Em Sua mensagem e em Sua atuação profética pode-se escutar este grito de indignação: o sofrimento dos inocentes deve ser tomado a sério; não pode ser aceito como algo normal, pois é inaceitável para Deus.
A compaixão que Jesus introduz na história reclama uma maneira nova de nos relacionar com o sofrimento que há no mundo. Para além de imperativos morais ou religiosos, Jesus está exigindo que a compaixão penetre mais e mais nos fundamentos da convivência humana e se torne um “estilo de vida”.
Texto bíblico: Lc 7,11-17
Na oração: Na Igreja temos de recuperar, o quanto antes, a compaixão como estilo de vida próprio dos seguidores de Jesus. Devemos resgatá-la de uma concepção sentimental e moralizante que a esvaziou de sentido. A compaixão que exige justiça é o grande mandato de Jesus: "Se compassivos como vosso Pai é compassivo”.
- Quê lugar ocupa a “compaixão” em minha vida interior, em minha vida espiritual, em meu compromisso diário, no horizonte de minha vida?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
“...não sou digno de que entres em minha casa;... mas ordena com a tua palavra,
e o meu empregado ficará curado” (Lc 7,6-7)
Neste belo relato do Evangelho de Lucas nos é apresentado, com simplicidade, a força e a intrepidez que se revelam numa pessoa de fé. Podemos imaginar o que significou para aquele centurião romano o gesto de ter que acudir a alguém do povo a quem dominava, buscando a cura de seu empregado. Teve de superar muitas barreiras e impedimentos e esvaziar-se de seu orgulho e amor próprio para realizar aquele gesto humilde de solicitar ajuda a um judeu.
Cultivar a humildade é uma das maiores e mais difíceis virtudes humanas. Ela está vinculada ao amor à verdade. "Ser humilde é amar a verdade mais que a si mesmo", escreve o filósofo Comte-Sponville. Em outras palavras, é assumir tudo o que a pessoa é, reconhecer-se diante de Deus e dos outros, ativando seus recursos e capacidades e acolhendo suas limitações, sua fragilidade e seus medos, com a disposição de viver o caminho do crescimento.
A humildade não deve ser entendida como humilhação, mas como a capacidade de ser verdadeiro, transparente em nossa vida, reconhecendo-nos necessitados dos outros e de Deus. Humildade, dizia S. Teresa, é andar na verdade. Não se trata de atrofiar e esconder nossas próprias capacidades ou de desvalorizar-nos. Trata-se de reconhecer e expressar, com simplicidade, quem somos. Humildade é agradecer as capacidades e talentos e superar as limitações e fragilidades. É a virtude que mais humaniza, pois nos faz descer em direção à nossa própria humanidade e, a partir desta perspectiva, entrar no movimento que nos leva para além de nós mesmos.
A radicalidade que o Evangelho nos propõe é a radicalidade de ser radicalmente humanos. E a humildade nos despoja de tudo o que é ilusão, falsas imagens de nós mesmos, vazias pretensões de poder, prestígio e vaidade... fazendo emergir o que há de mais humano, portanto, mais divino, em nosso interior.
Na história da humanidade e da Igreja grandes homens e mulheres deixaram transparecer em suas vidas a marca da humildade; e a humildade se expande no coração daquele que vive sinceramente sua existência. O termo latino “humilis” deriva-se de “humus”, a terra ou o solo.
Todos surgimos deste fecundo húmus fundamental, onde “humildemente” acolhemos o dom da vida, onde toda existência funda suas raízes que a nutrem e se faz “humilde” e verdadeiramente “humana”. Nós somos o solo, o húmus, onde o Deus-semente pode germinar, criar raízes e florir.
Só admitindo nossa própria fragilidade e limite e descendo ao fundo de nossa realidade, podemos retornar transformados e com abundantes riquezas descobertas no garimpo do nosso coração. O caminho de descida ao nosso próprio “húmus”, à nossa própria condição terrena onde Deus plantou sua tenda, nos revela quem realmente somos, nos preserva de considerarmos como “deuses” e nos liberta do orgulho e do auto-centramento que nos destroem.
À medida que, verdadeira e completamente, nos aceitamos e nos acolhemos como húmus, mergulhamos na graça de Deus, pois ela já fala dentro de nós desde nosso nascimento. Todas as grandes correntes espirituais, tanto do Oriente como do Ocidente, conduzem à humildade.
Reconhecer nossa realidade humana é a condição não apenas para a humanização autêntica, mas também para a verdadeira experiência de Deus. Sem humildade, facilmente corremos o risco de nos apossarmos de Deus; sem humildade, facilmente procuraríamos nos identificar com Deus. “Sereis como deuses” (Gen. 3,5): este é o grande pecado de origem. A humildade é a virtude do ser humano que reconhece não ser “deus”. Nesse sentido, ela é a virtude dos santos e santas.
“Onde está a humildade, está também a caridade” (S. Agostinho). É que a humildade leva ao amor, e todo amor verdadeiro a supõe; sem a humildade, o eu ocupa o espaço disponível, e só vê o outro como objeto ou como inimigo. A humildade é essa atitude pelo qual o eu se liberta das ilusões que tem sobre si mesmo. Nesse sentido, a humildade significa adotar uma atitude gratuita e receptiva, de um amor agradecido que dirige tudo a Deus e entrega-se por completo à Sua Vontade.
Podemos, portanto, dizer que ser humilde é ser humano simplesmente, com a capacidade de amar. A humildade é o contrário do orgulho, soberba, prepotência... que abrem a porta para todas as injustiças: o desprezo do fraco, a exploração do pobre, a exclusão do marginalizado e o ferido da vida.
Só podemos aceitar o presente da graça divina quando temos consciência de nossa própria condição humana. Por isso, aqueles que mais avançaram no caminho espiritual foram os que mais viveram a humildade. Eles passaram pela experiência de que só podemos nos aproximar de Deus com humildade.
A humildade é o pólo terreno em nossa caminhada espiritual. Para permitir que Deus atue nas profundezas de nosso ser faz-se necessário o auto-esvaziamento, para ser preenchido por Sua presença. Agora, sim, podemos escutar a voz de Deus e sentir a sua presença em nosso próprio coração, em nossos sonhos e desejos, em nossas paixões, em nosso corpo e nossos sentimentos.
Nós “subimos” a Deus quando “descemos” à nossa humanidade. Este é o caminho da liberdade, este é o caminho do amor e da humildade, da mansidão e da misericórdia; é o caminho de Jesus também para nós.
O coração, a quem não é estranho nada do que é “humano”, alarga-se, enche-se do amor de Deus, que transforma tudo o que é humano. O caminho da humildade é o caminho da transformação.
Ao fazer, junto com Jesus Cristo, o caminho da “descida”, o ser humano vai ao encontro de sua realidade e coloca-se diante de Deus para que Ele transforme em amor tudo quanto existe nele, para que ele seja totalmente perpassado pelo Espírito de Deus.
No Novo Testamento, a humildade é entendida não apenas como atitude para com Deus, mas também para com os outros. Por isso, a humildade é vista juntamente com a mansidão, brandura, perdão... Os elevados “ideais de perfeição” nos impedem de envolver-nos com as pessoas reais e com suas feridas. A humildade pressupõe um descentramento, um êxodo para o encontro com o outro, acolhendo-o tal como é; ela nos conduz à pura gratuidade do amor desinteressado; ela pressupõe, essencialmente, o reconhecimento da alteridade.
Por isso, não é possível viver a alteridade sem efetuar essa renúncia à posição narcisista na qual a pessoa se centra sobre si mesma, caindo numa fria insensibilidade diante de tudo o que acontece ao seu redor. Quando alguém encontrou sua própria condição humana, reconcilia-se com tudo aquilo que é humano, quebra a rigidez na relação com o mais fraco e o enfermo, com o imperfeito e o fracassado. Vê tudo envolvido pelo olhar de bondade e misericórdia de Deus.
Texto bíblico: Lc. 7,1-10
Na oração: A oração significa uma necessária “escavação”, esse esvaziamento que finalmente abrirá um lugar para Deus. Somos chamados à santidade. Entretanto, como tudo na Criação, também a santidade está em processo, em gestação, em crescimento, em trabalho de auto-esvaziamento. Ela floresce na liberdade, na abertura e na humildade que leva à ação eficaz
- Para Jung, a humildade é a coragem de olhar a própria sombra.
Como você lida com seus conflitos, seus limites e fragilidades, suas paixões...?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
“Jesus: CORPO de Deus entre nós, CORPO que se dá aos homens, CORPO para os corpos, como carne e sangue, pão e vinho. E o CORPO de Deus, Jesus Cristo, se expande, incha, tomando o universo inteiro...
É bem aí, no CORPO, que Deus e o homem se encontram.
A humanidade de Deus nos incomoda. Coisa que os primeiros cristãos descobriram com espanto.
Eles entenderam que para falar de Deus é necessário deixar de falar de Deus,
e falar sobre um homem, um rosto, uma vida... Foi então que eles ficaram cristãos.
Deus, para falar de si, tornou-se homem. Fala sobre Deus é fala sobre um homem.
A PALAVRA se fez CARNE. Nosso irmão. Um de nós. Nasceu, viveu, morreu... ressuscitou” (Rubem Alves)
“A festa de Corpus Christi quer nos fazer recordar que CORPO é cálice, onde se bebe o vinho da alegria e da salvação, inserido no CORPO místico e cósmico de Cristo. Só haverá futuro digno quando todos os CORPOS viverem em comunhão, saciados da fome de pão e de beleza” ( Frei Betto).
Celebramos o “Corpo de Cristo”, uma das festas mais ricas que nos faz pensar em seu conteúdo e simbolismo, mas que nos faz pensar também neste “Corpo de Cristo” no meio de tantos outros corpos. Aceitamos, pela fé, a presença real de Cristo na Eucaristia; isso implica comunhão bem maior com sua vida, seu testemunho de amor, de partilha, solidariedade, dedicação pela transformação de tudo aquilo que não dignifica a vida ou não dignifica os “corpos”.
Participamos, com muita fé, dedicação e respeito, das celebrações do “Corpo de Cristo”, mas pode ser que, às vezes, façamos uma profunda cisão ou ruptura entre o que celebramos e a realidade que nos cerca, ou seja, os famosos “corpos”: explorados, manipulados, usados, escravizados, destruídos... Pode ser que, às vezes, tenhamos um profundo amor e respeito pelo “Corpo de Cristo vivo e presente na Eucaristia”, e não O vejamos nos “corpos” que estão aí, aqui, ali, lá, dos nossos lados...
Por meio da Encarnação e por meio da Ressurreição de Jesus, a carne se converteu em espelho da divindade. Assim, o corpo humano começou a ocupar um lugar central. Parece que não sabemos lidar muito bem com esse estranho e (des)conhecido que são os nossos “corpos”. Do corpo temos tido suspeitas e o temos olhado com desconfiança.
É preciso estabelecer o diálogo com o corpo. Não se trata apenas de uma reconciliação amistosa, mas de uma descoberta radical. Ignoramos nosso corpo, apesar de tê-lo tão próximo; é preciso dar-nos conta das riquezas que tem, o muito que sabe, a importância do que tem a nos dizer, a necessidade de seu apoio e a sabedoria de sua amizade.
Aqui está nosso melhor amigo, fielmente junto a nós, e nem sempre o percebemos. A corporeidade penetra toda a nossa auto-realização como seres humanos. O corpo não é simplesmente “organismo vivo” ou mera “exterioridade” ou mero “instrumento do espírito”. O corpo não é o túmulo da alma, mas o templo do Espírito, o lugar onde o “Verbo se fez carne”.
O corpo é de importância máxima para a experiência que temos de nós mesmos e para a comunicação com Deus, com os outros e com a natureza. A consciência do respeito e do valor ao corpo é necessária para a maturidade afetiva. A desvalorização do corpo, por outro lado, resulta na mutilação da expressividade, da comunicação de sentimentos e prejudica a maturidade afetiva-social-espiritual.
Uma relação negativa com a corporeidade equivale a uma relação negativa consigo mesmo, com os outros e até mesmo com Deus. Não aceitar o corpo é atentar contra a vida.
A pessoa é uma totalidade unificada, um “todo espiritual” e um “todo corpóreo”, tanto que não existe fenômeno corpóreo que não tenha um reflexo no espírito, nem experiência espiritual que não se reflita no corpo. O corpo participa, de maneira imprescindível, na atuação do eu espiritual e vice-versa.
A “linguagem espiritual” acompanha a “linguagem corporal”, assim como a linguagem do corpo reforça a linguagem espiritual.
O corpo fala por si mesmo, comunica, reage... O corpo é expressão de nossa masculinidade ou feminilidade, de nossa sexualidade integrada ou reprimida, de nossa saúde ou doença, de nossa alegria ou tristeza, realização ou frustração, de nossa consolação ou desolação.
O corpo é expressão e comunicação daquilo que somos.
O próprio Deus se fez corpo, no corpo de uma mulher: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós”. A espiritualidade cristã é “encarnada”. A Encarnação foi o caminho que a Trindade escolheu para se aproximar da humanidade e fazer história conosco. Nosso corpo humano, feito de barro – vaso frágil e quebradiço – tornou-se o lugar privilegiado da chegada e da revelação do amor trinitário.
“Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós?” (1Cor, 6,19)
O nosso corpo é o “templo” santo e santificado, onde Deus Trino faz sua morada.
Se nos fixarmos nas palavras e nos gestos de Jesus na última Ceia, descobriremos que suas palavras (“isto é meu corpo”) e seus gestos (partir e repartir o pão) constituem a essência afetiva e social (de amor e justiça) do cristianismo, a verdade do Evangelho.
Eucaristia é “Corpo” e é corpo doado e partilhado, não pura intimidade de pensamento, nem desejo separado da vida. A Eucaristia é Corpo feito de amor expansivo e oblativo, que se expressa no trabalho da terra, na comunhão do pão e do vinho, no respeito mútuo frente o valor sagrado da vida, no meio do mundo, nas casas de todos, em plena rua. Não são necessários grandes templos e nem suntuosas procissões para celebrar a festo do Corpo de Deus; basta a vida que se faz doação e partilha, no amor, como Jesus fez.
É assim porque no gesto do partir e repartir o pão se condensou todo o caminho de Jesus: vida que se doou para aliviar todo “sofrimento humano” (curas), para proporcionar a “refeição partilhada” (ceias e multiplicação dos pães) e para ativar “novas relações humanas” (sermão da montanha).
Celebrar o “Corpus Christi” é atualizar estas três preocupações centrais da vida de Jesus. Aqui se conecta a essência de Sua vida na vida dos seus seguidores.
Diante do Corpo de Cristo, nosso corpo se plenifica na comunhão com outros corpos, com Deus e com o corpo da natureza. Nosso humilde corpo é parte da Criação inteira e nosso bem-estar faz sorrir a natureza.
Nosso corpo é pura relação. Nele ficam registradas todas as marcas de nossa vida, de nossa história. O corpo é presença e linguagem - tudo nele fala: fala o rosto, falam os olhos, falam os movimentos e as posturas, falam os gestos, acompanhando, reforçando e expressando a intenção íntima.
Celebrar “Corpus Christi” é “cristificar” nossos corpos.
Texto bíblico: Lc 9,11-17
Na oração: Nosso corpo é tocado pela encarnação de Jesus. E lembre-se de que Deus conhece nossa estrutura. Ele sabe de que barro somos feitos. Reze sua humanidade, seu corpo de homem ou mulher. Leve para sua oração os desafios do cotidiano, os imprevistos da vida.
Seja humano diante de Deus, deixe seu corpo falar a Deus.
Reze com seu corpo. E agradecido(a) bendiga sempre o Senhor.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
“Misericórdia: é a palavra que revela o mistério da Santíssima Trindade. Misericórdia: é o ato último e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro”.
(Papa Francisco – Misericordiae Vultus n.2)
Jesus nos revelou quem é Deus e quem é o ser humano. Tal revelação encheu nosso coração de profunda gratidão. Por isso, o que importa verdadeiramente não é satisfazer uma curiosidade especulativa sobre a essência do Deus Trindade, mas acolher esta Boa Notícia: Deus é Pai-Mãe (Fonte), que deixou transparecer Seu rosto misericordioso no Filho (Caminho) em quem somos filhos pela força e alento de seu Espírito (Sopro) presente e atuante em tudo e em todos.
O mais urgente neste momento para o cristianismo, não é explicar melhor o dogma da Trindade, e menos ainda, uma nova doutrina sobre Deus Trino. O decisivo aqui é a busca de um encontro vivo com Deus, comunhão de pessoas. Não se trata de demonstrar a existência da luz, mas de abrir os olhos para ver melhor.
A festa da Trindade nos mobiliza para uma nova maneira de viver e de nos relacionar com o Deus de Je-sus, cuja presença preenche o cosmos, irrompe na vida, habita decididamente no interior de cada pessoa e é vivido em comunidade.
A Trindade “desvela” a maneira de ser de Deus, como Amor que se expande, em si e fora de si, de uma maneira “redentora”, inserindo-se na história da humanidade. Deus é Amor e só amor.
Isto é a essência do Evangelho. Esta é a melhor notícia que devemos acolher. É também o fundamento de nossa confiança em Deus.
É a partir do Amor trinitário, circulante e expansivo, que podemos compreender melhor o ser humano, criado à imagem da Trindade: ele é tanto mais pessoa quanto mais se assemelha às pessoas divinas.
Deus não é estático, nem sequer em seu próprio interior. No mais profundo de seu ser, Deus é relação, é comunhão de maneira permanente e dinâmica. E a comunhão entre pessoas é sustentada pelo Amor. Precisamente o amor é o que une as pessoas. O amor cria unidade e a unidade mais forte é a que brota do amor. Nesta linha se compreende o Deus cristão: um só Deus em comunhão de pessoas. Por isso, temos com Deus uma relação personalizada: somos filhos do Pai, irmãos do Filho, amigos do Espírito.
“Trindade” é um conceito abstrato que corre o risco de afastar a presença divina para as alturas dos dogmas, doutrinas e especulações racionais, desprovidas de calor e vida. Em vez do “Mistério da Santíssima Trindade”, o importante para o cristão é a experiência histórica e vital do encontro com a atividade vivificadora da Fonte da Vida, no percurso do Caminho do Amor e respirando o Sopro da Esperança, que tudo pacifica, alenta e reconcilia.
“Pai-Abba” é uma palavra-chave, que remete à origem radical, Vida da vida. Traduz-se como Pai e Mãe, mas quer dizer mais que pai e mais que mãe.
“Filho” é palavra-chave para referir-se ao sentido da vida de Jesus, rosto visível da Misericórdia de Deus, imagem, presença real e proximidade encarnada de Abba: filiação sem limite e fraternidade sem fronteiras.
“Espírito” é palavra-chave, que expressa a riqueza da presença vivificadora do Deus em todos e em tudo, no rio imprevisível da história e na intimidade inefável de cada vida pessoal.
Diante da presença e da ação do Deus Trinitário, afogam-se as palavras, desfalecem as imagens e morrem as especulações. Só nos restam o silêncio, a adoração e a contemplação.
Aqui temos de retornar à simplicidade da linguagem evangélica e utilizar a parábola, a alegoria, o exemplo simples, como fazia Jesus. Como a Trindade é o mistério que liga e religa tudo, que deixa transbordar seu Amor criativo no coração de toda a humanidade e no universo inteiro, podemos usar uma imagem que hoje faz parte do nosso cotidiano: a “conexão”.
Nós entendemos muito bem o que significa “estar conectados”. A “desconexão” nos priva da energia disponível e de tantas relações que são possíveis. Quando nos deslocamos de um lugar a outro buscamos espaços de “cobertura” ou de conexão. Às vezes, requer-se para isso, conhecer a “senha”; em outros casos são oferecidas redes abertas. Conectados, descobrimos que não estamos sozinhos, que é possível entrar em um espaço instigante de informação, relação e intercâmbio.
Podemos usar esta imagem para falar da “tríplice conexão” na vida cristã, como centro e sentido de nossa existência. Aqui se trata, nada mais e nada menos, da “conexão” com as três Pessoas da Santíssima Trindade. Sem esta “conexão trinitária” nossa vida perde a ligação com a Fonte, extravia-se do Caminho do Amor e se asfixia sem a Respiração da Esperança.
Na vida espiritual, a conexão trinitária nos liberta da solidão vazia, do enclausuramento em nosso ego, do narcisismo. Graças a esta grande Conexão vital nos descobrimos no Todo, num contexto de transbordamento de vida em todas as direções: vida expansiva, aberta e profundamente religada com todas as demais expressões de vida. A “tríplice Conexão” nos faz entrar em sintonia com todos e com tudo e mantém interconectados todos os fios da vida. O amor circulante no interior da Trindade se expande e se faz visível na grande rede de vida da criação. Quão decisivo é descobrir a misteriosa relação trinitária na qual estamos inseridos!
Não podemos nós, que cremos na comunhão das Pessoas divinas, estabelecer que tal tipo de conexão trinitária se converta em realidade?
Precisamos de ousadia para estabelecer conexões que em lugar de rupturas e quebras interiores, nos dinamizem muito mais do que podemos imaginar. E não basta uma conexão; só na “tríplice conexão” se encontra a reanimação, a revitalização, a possibilidade de uma vida plenificada e com sentido.
Ninguém poderá se encontrar só com o Filho ou só com o Pai, ou só com o Espírito Santo. Nossa relação será sempre com o Deus Uno e Trino. Urge tomar consciência de que quando falamos de qualquer uma das três pessoas relacionando-se conosco, estamos falando de Deus. Nem o Pai só cria, nem o Filho só salva, nem o Espírito Santo santifica por sua conta. Tudo é sempre “obra” do Deus Uno e Trino.
Que a festa da Trindade ajude a nos descobrir envolvidos nessa corrente de Vida: nascendo de Deus Pai-Mãe, sendo configurados à imagem do Filho, escutando a melodia do Espírito que desvela constantemente nossa identidade. Estamos continuamente renascendo da Fonte da qual procede tudo o que existe; no Caminho do Filho nossa vida se torna uma grande “travessia” e no Sopro do Espírito, emerge do nosso interior uma criatividade surpreendente e mobilizadora.
Se somos filhos e filhas da Trindade, se cremos de verdade nisso, como não descobrir as “pegadas” da Trindade em nós? Também nós somos Fonte geradora de vida, Caminho aberto ao infinito e Sopro criativo. A “conexão” com a Trindade potencia nossa vida, energiza nosso ser, desperta nossos dinamismos interiores para participarmos do mesmo Amor circulante e expansivo do Deus Uno e Trino, iluminando toda nossa existência.
Texto bíblico: Jo 16,12-15
Na oração: A conexão com a Trindade é permanente, ininterrupta, inserindo-nos na grande corrente de Vida e de Amor que perpassa toda a Criação, religando tudo e conduzindo tudo para a plenitude: o retorno ao interior da própria Trindade.
- que possibilidades criadoras há em mim que ainda não tive oportunidade de desenvolver?
- como viver conectado com o Todo para que tudo tenha eco em mim?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
“...soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados...” (Jo 20,22)
Pentecostes é uma festa litúrgica que pretende ativar em nós a plenitude da vida. “Cinquenta” é o número da consumação. Esse dia plenifica em nós tudo o que ainda se revela limitado e frágil. “Cinquenta” é também o número da liberdade. A cada 50 anos o povo hebreu ouvia o alegre som do “jobel” (corneta de chifre de carneiro) que ecoava nas montanhas e nos vales, convocando a todos (“jobil”) para celebrar um ano jubilar. Neste tempo devia-se recuperar a boa relação com Deus, com o próximo e com toda a Criação, fundada na gratuidade. Era um ano do perdão: os pobres ficavam livres de suas dívidas, os escravos recuperavam a liberdade, os camponeses recuperavam suas propriedades perdidas... Podiam respirar, podiam viver, era o jubileu. Deste modo, cada jubileu significava começar um novo ciclo de oportunidades. Pentecostes, portanto, recorda e celebra a promessa de que fomos libertados verdadeiramente pelo Espírito do Ressuscitado.
Neste mundo tão agitado e sem direção, precisamos urgentemente de um novo Pentecostes. Na realidade o que precisamos é abrir-nos a esse Fogo e a esse Vento do Espírito que, às vezes, parece estar soprando em vão. É que estamos trancados em nossos “cenáculos” e não queremos abrir as portas para arejar nossos ambientes, interno e externo. Pentecostes é isto: abrir-se ao que está aí como possibilidade e surpresa, deixando-nos transformar pelo Espírito, sacudindo nossas comodidades e medos.
É altamente significativo e simbólico que a abertura do Jubileu da Misericórdia tenha começado com o destravamento das portas das igrejas em todo o mundo. Mais significativo ainda foi o gesto do papa Francisco em abrir a Porta Santa do Ano da Misericórdia em Bangui (cidade marcada pela miséria e violência), na África, antes mesmo de fazê-lo em Roma, sede central do catolicismo.
O Espírito que sopra desde a África, com a abertura da Porta Santa, nos abre então a porta para palmilhar a estrada da experiência cristã, marcada pela luz da Misericórdia.
O Deus de Misericórdia não é o Deus das portas fechadas; é o Deus das portas sempre abertas a todos, que, a partir de seu coração misericordioso, sempre está disponível a receber-nos; é o Deus que nunca está ocupado para atender-nos, que acolhe a todos, que continuamente nos diz a cada dia: “Passai por aqui, a porta está sempre aberta”.
Só o amor misericordioso de Deus nos reconstrói por dentro, destrava nosso coração e nos move em direção a horizontes maiores de busca, responsabilidade e compromisso. Pentecostes vem nos revelar que a Misericórdia é a primeira, a última, a única verdade da Igreja, de todas as suas doutrinas, cânones e ritos. É o critério de juízo de todas as religiões.
Pentecostes da Misericórdia põe em movimento os grandes dinamismos de nossa vida; debaixo do modo paralisado e petrificado de viver, existe uma possibilidade de vida nova nunca ativada. A misericórdia é a luz e a chave de nossa vida tão preciosa e frágil, de nosso pequeno planeta tão vulnerável, do universo imenso e interrelacionado e do qual fazemos parte.
Tal experiência provoca um movimento que rompe fronteiras e barreiras. Assim, o Espírito faz superar o fundamentalismo, a hipocrisia, a apatia e o medo. Não há nada de mágico. O Espírito age de modo silencioso, mas com extraordinária eficácia: a sua força se mostra irresistível. O seu sopro, penetrando em nossos corpos, nos recoloca de pé e nos faz, finalmente, viver como ressuscitados. Deixar-se conduzir pelo Espírito, que habita o universo e os corações, é deixar-se levar pelo sopro divino.
No Evangelho de hoje(Pentecostes), o Ressuscitado comunica seu próprio Espírito. A imagem de “soprar sobre eles” contém uma riqueza profunda: significa que Jesus compartilhou com os seus discípulos o que é mais “vital”, sua própria “respiração”, seu desejo profundo, sua criatividade..., fazendo-os partícipes de seu próprio Dinamismo e impulso vital, do mesmo Espírito que O conduziu durante toda sua vida.
O sopro do Ressuscitado sobre os seus discípulos nos remete ao sopro de Deus no Gênesis, sopro que dá a vida ao ser humano. Aqui, o sopro de Cristo significa a Vida nova dada aos discípulos, pelo dom do Espírito Santo, indicando um novo Tempo, uma nova Criação e um novo Mundo.
Entretanto, uma coisa é essencial para que nasça esse mundo novo: o perdão. “A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos” (Jo 20,23). Cabe a nós, portanto, fazer nascer esse mundo novo através de nossa presença misericordiosa, sendo mediação do perdão divino.
O perdão é fundamental para a recriação do mundo, e o Espírito nos dá a possibilidade de dá-lo ao outro e de recebê-lo do outro, a fim de que nasça esse mundo novo desejado pelo Cristo da Páscoa.
O perdão é o primeiro dom do Espírito Santo. Sob o impulso do Espírito de Pentecostes, o perdão prepara o terreno para o novo, para a surpresa, para colocar-nos em movimento.
O Espírito é movimento e entrar no movimento da Misericórdia humaniza e cristifica essencialmente a pessoa, porque a Misericórdia constitui “a estrutura fundamental do humano e do divino”.
“O perdão das ofensas torna-se a expressão mais evidente do amor misericordioso e, para nós cristãos, é um imperativo de que não podemos prescindir. Tantas vezes, como parece difícil perdoar! E, no entanto, o perdão é o instrumento colocado nas nossas frágeis mãos para alcançar a serenidade do coração”. (Papa Francisco – Misericordiae Vultus, n.9)
Como seguidores(as) de Jesus, o rosto visível da Misericórdia, somos chamados a ser presença misericordiosa; é sobretudo através do perdão que ativamos a “faísca de misericórdia” presente em nosso interior. O Espírito Santo, o “Sopro” do Ressuscitado é quem ativa esta “faísca”, revelando que a originalidade do cristianismo está na grandeza e na vivência desta única força capaz de movimentar a história, pessoal e coletiva, impulsionando a todos a romper o círculo vicioso dos sentimentos negativos, escrupulosidades, culpabilidades, julgamentos...
O perdão é o mais divino dos atributos divinos, pois só Deus podia inventá-lo. Perdoar é ser semelhante a Deus, pois este modo divino de proceder está ao nosso alcance. O perdão é divino em seus efeitos e em seu próprio processo de vida que desencadeia.
Os recursos do verdadeiro perdão são infinitos; eles jamais acabam. O perdão é um estilo de vida, é uma disposição permanente. Na verdade, no nível mais profundo, o perdão não é o que a pessoa faz, é algo que a pessoa é. Por isso é a dimensão que mais nos distingue como seguidores(as) de Jesus.
Texto bíblico: Jo 20,19-23
Na oração: A experiência de Pentecostes implica escancarar as portas de nossa interioridade, abrindo passagem para que a Misericórdia divina transite com liberdade pelos recantos escondidos e sombrios, ativando e despertando dinamismos e recursos que ainda não tiveram oportunidade de se expressar. Ao mesmo tempo, tal experiência ilumina, destrava e integra toda a nossa história, todas as dimensões de nossa vida, arrancando-a de um fatal “ponto morto” e colocando-a num movimento em direção a uma vida expansiva, aberta e acolhedora, em comunhão com o Todo e com todos.
- Recordar situações cotidianas que clamam por sua presença misericordiosa.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
“...depois voltaram a Jerusalém com grande alegria...” (Lc 24,52)
Para viver a alegria, exercitar-se na alegria: este deveria ser o slogan do(a) seguidor(a) de Jesus. A alegria brota de um encontro com a Pessoa do Ressuscitado que suscita entusiasmo, nos seduz e nos faz vibrar com a “vida nova” que, nele, o Pai nos manifesta.
Na experiência da Ascensão, somos movidos e recuperar o ardor e a fascinação pela pessoa de Jesus; somos chamados a ser mensageiros da “conversão pastoral” feita de alegria, beleza, proximidade, encontro, ternura, amor e misericórdia. Esse é, pois, a marca que nos identifica como seguidores de Jesus, capaz de ativar e despertar a alegria, pois tudo o que nasce verdadeiramente de um encontro profundo e verdadeiro com Ele, gera uma alegria que ninguém pode tirar.
Precisamos nos converter à alegria de Deus que é autêntica paixão pelo ser humano.
“A alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Com Jesus Cristo sempre nasce e renasce a alegria” (Papa Francisco - Ev. Gaudium).
A alegria é um estado de ânimo central na experiência cristã. Nisto consiste a verdadeira alegria: em sentir que um grande mistério, o mistério do amor misericordioso de Deus, visita e plenifica nossa existência pessoal e comunitária.
Temos de contagiar a alegria do Evangelho. É preciso remover obstáculos que impedem a alegria; é preciso remover a pedra de nossos sepulcros e viver como ressuscitados.
Um sinal de identidade da alegria é o olhar profundo, amplo e largo da vida. Mesmo em meio à dor e ao sofrimento, não faltam o bom humor e a ternura. Quem é cristãmente alegre mantém-se sereno frente aos conflitos, integra melhor os acontecimentos, é feliz e faz felizes os outros.
Na antropologia, o vocábulo “alegria” faz referência a emoções, sentimentos e aspirações alcançadas. Vincula-se ao estado de plenitude humana, à criatividade, ao entusiasmo, ao prazer, ao contentamento, à satisfação, à sorte, ao regozijo, à felicidade. Fala-se da alegria pela ação, por estar ou viver juntos, a alegria de viver, a alegria da festa, a alegria nos triunfos e nas adversidades.
A alegria sempre indica que a vida expandiu, que ganhou terreno, que conseguiu uma vitória. Onde queira que haja alegria há criatividade; quanto mais rica é a criatividade, mais profunda é a alegria. A alegria é incondicional. Não depende diretamente dos esforços pessoais nem da posse alguma de um bem temporal, mas do sentido global da pessoa. A alegria brota do interior, é coisa do coração; ela mana dentro, calada, com raízes profundas. É um dom do Espírito. “O fruto do Espírito é: amor, alegria” (Gal 5,22). Este dom nos faz filhos(as) de Deus, capazes de viver e vibrar diante de sua bondade e misericórdia. Não é correto que os cristãos associem com tanta frequência a fé à dor, à renúncia, à mortificação, mas à alegria, à vida em plenitude.
Nossa alegria é Cristo ressuscitado. Ele é a causa de nossa alegria. Ele nos dá vida em plenitude. A alegria está ligada à gratuidade; a alegria não é voluntarismo; não é objeto de decisão, como tampouco de decreto. Podemos diferenciar uma alegria ocasional e outra constitutiva ou um estado de ânimo intenso da pessoa; daí a importância de distinguir “estar alegre” de “ser alegre”. A alegria exige um clima favorável: um estado de espírito semelhante a um estado de graça.
Os Evangelhos nos revelam que Jesus vivia sereno, feliz , alegre . As bem-aventuranças são o fiel reflexo de sua vida. Seu íntimo trato com o Pai, sua paixão pelo Reino, suas relações pessoais, suas amizades, seu modo de enfrentar a “hora”, sua aceitação da vontade do Pai, sua paixão e morte são vividas em paz.
Jesus nos revela que Deus é alegria em si mesmo e para nós. Disse-nos que a salvação definitiva é “entrar na alegria do seu Senhor” (Mt 25,21). Diante dos prodígios e milagres que vai realizando em sua vida pública, Jesus exulta de alegria no Espírito Santo.
A alegria cristã aninha-se e cresce na vivência do mistério pascal. A ressurreição de Jesus causou uma imensa alegria na comunidade dos discípulos. A alegria é contagiosa. Tem uma dimensão social e comunitária. Nós não estamos alegres porque Jesus está vivo, mas porque nos fez partícipes de sua ressurreição, de sua nova vida. Assim nossa alegria é a alegria de Jesus.
Os Apóstolos, depois da Ascensão de Jesus, retornaram a Jerusalém; a certeza da promessa do envio do Espírito Santo os enchia de alegria; anunciavam com alegria e entusiasmo a ressurreição do Senhor.
“Sede alegres!”: isto é o que Deus deseja de nós, os cristãos. Uma alegria que é preciso manifestar, hoje, mediante uma sensibilidade e ternura humanas. A Igreja, por vocação e missão, deve ser alegre. Toda ela é profecia de alegria e esperança.
Quem vive a partir da alegria, vive a partir do essencial e sabe discernir o autêntico das aparências e o útil do supérfluo. A alegria mantém alta a utopia e não se cansa em sua irradiação. Seguimos o conselho agostiniano: “A felicidade consiste em tomar com alegria o que a vida nos dá, e deixar com a mesma alegria o que ela nos tira”.
Quem é transparente e coerente transmite alegria em seu falar e em seu agir. Costumamos dizer: “alegrar a casa”, “alegrar a cor”, alegrar o fogo”..., ou seja, dar-lhe vida. Quem vive na alegria se sente sereno, livre, pensa positivamente, está próximo dos pobres, acolhe as adversidades, integra suas contradições, ama sem pôr condições, louva, canta e bendiz sem cessar. De fato, a alegria experimentada não nos põe na retaguarda nem nos acomoda; pelo contrário, ela nos pede que sejamos mais radicais no discernimento e nos compromissos. Está em jogo a glória de Deus e a dignidade de seus filhos e filhas
Os(as) grandes santos e santas, por viverem profundamente no amor de Deus, foram testemunhas da alegria. Este amor é o que os fez sair de si mesmos, reencontrar-se e entregar-se aos demais. E aqui está o peso do amor, o vigor da alegria.
A alegria, como sentimento expansivo, tende a impulsionar nossa pessoa para fora, nos move a fazer a travessia em direção aos outros. Ser alegre não significa ser impassível, insensível diante da injustiça e da violência, diante da pobreza e da exclusão. As virtudes que acompanham a alegria fazem que quem é alegre seja compassivo e misericordioso e trabalhe pela paz e pela justiça.
Sua vida alegre desmonta a hipocrisia, as ambições, os escândalos de corrupção e afãs de aparência... Quando servimos os outros, recebemos acrescentada a alegria. “Dormia e sonhava que a vida era alegria. Despertei-me e vi que a vida era serviço. Pus-me a servir e descobri que o serviço era alegria” (Tagore).
Texto bíblico: Lc 24,46-53
Na oração: A alegria é cultivada na ação e na oração; por sua vez, a oração desperta a alegria, este estado de ânimo intenso e fora do normal, facilmente perceptível e que tem ressonância no modo de viver. S. Inácio chama consolação a esse estado de ânimo, pois se trata de uma experiência nítida da Graça.
- Uma das expressões da alegria evangélica é viver em sintonia com esta Graça abundante e permitir que a vida seja uma contínua ação de graças.
- há tantos motivos pelos quais festejar, pelos quais manifestar a alegria do Evangelho; explicite-os.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Centro de Espiritualidade Inaciana – Itaci-SP
“Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou: mas não a dou como o mundo” (Jo 14,27)
A paz é um dos dons comunicado pelo Ressuscitado, e como “seres ressuscitados”, somos desafiados a uma visão mais aprofundada, pessoal e coletiva, sobre o sentido e a força mobilizadora da paz.
Infelizmente, todos os dias aparecem, nos meios de comunicação, mais motivações para a violência do que razões para a paz. Entretanto, precisamos afirmar: “não fomos feitos para a violência”. Nosso coração é habitado por um desejo profundo de paz: “Felizes os que promovem a paz!”
Como seguidores do “Príncipe da Paz”, devemos primar por construir “espaços de paz” e sermos presença pacificadora: paz que vem do alto, que aquece nossos corações, plenifica nossas relações e se expande, tal como perfume, em todas as direções.
Paz, portanto, é aspiração congênita do ser humano. Nosso coração humano foi feito para a paz e anseia a convivência harmoniosa com Deus, com o cosmos, com os nossos semelhantes. É processo interminá-vel. Paz é síntese de bens, é sinfonia inacabada, arte social, estado de espírito que gera a comunhão.
“Paz soa suave ao ouvido, saborosa ao paladar, macia ao tato, perfumada ao olfato, sonhadora aos olhos. “Onde está o olhar, aí está o amor”. Nosso olhar volta-se para o mundo da paz, porque aí está o nosso coração, o nosso amor” (Pe. Libanio).
Na raiz bíblica do termo “shalom”, (em latim “pax”) está a ideia de “algo completo, inteiro”. Paz significa o que é integral, o que plenifica a vida. A paz pertence à plenitude, à completude, enquanto a violência está do lado da falta, da carência, do incompleto.
Paz reflete harmonia consigo, boas relações com os outros, aliança com Deus, enquanto a violência infecciona os relacionamentos, contamina a convivência, rompe os convênios, exclui os mais fracos. Há milênios esta palavra ressoa e ecoa na história dos povos. Inúmeros homens e mulheres a cultivam secretamente no coração. Todos a invocam. Muitos dão a vida, defendendo-a...
Não há paz sem liberdade, não há paz sem verdade. A paz autêntica contém densidade humana. É paz de consciência inocente dos justos que fazem o bem, dos profetas que se arriscam em favor dos outros.
Paz é humanidade alegre, espontânea, confiante.
Paz não é sossego, não é concordismo, nem cumplicidade.
Paz requer bravura. Somente o ser humano amante da paz é realmente “perigoso”, não o violento.
Mas, a paz ainda não encontrou espaço para ser a companheira de estrada em nosso cotidiano. Permanece a promessa profética de que ela habitará na nossa terra. Assim, o que parece sonho impossível, reina desde sempre no coração do Senhor, amante da Paz e se realizará, graças àquelas pessoas revolucionárias, que acreditam, desejam e realizam a paz.
Paz “solidária” que abraça os excluídos; paz “resistência” que não se acovarda; paz “audácia” que não se amedronta; paz “limpa” que não corrompe a ética; paz “profética” que encarna a justiça; paz “rebelada” que não se dobra; paz “estética” que revela a face bela da nova humanidade...
Na carta de S. Paulo aos Efésios, Cristo é chamado “a nossa paz” (Ef. 2,14).
A paz é característica do reino messiânico que Jesus inaugurou. Os discípulos, nas suas andanças, saudavam desejando a paz lá onde entravam, na esperança de encontrar filhos da paz. Do contrário, a paz voltava a eles (Mt. 10,13). Jesus solenemente nos deixa a paz, nos dá a paz. Ela é fruto do seu Espírito.
A liturgia, ao traduzir o melhor desejo para os mortos, diz simplesmente: “descansem em paz!” E que nesse mundo da paz brilhe a luz perpétua. Paz e luz comungam entre si.
Quem tem paz irradia luz. Quem vive na luz constrói a paz. Paz expansiva, paz que é respiração da vida, paz marcada pela esperança.
Paz, um bem escasso, mas um bem tão precioso que é sempre desejado, para que a vida se torne um pouco mais plena e com sentido: paz interior, paz na família, paz nas relações de trabalho, paz na ação política e paz entre os povos.
Uma ótima definição de paz a encontramos na Carta da Terra ao afirmar: “a paz é a plenitude criada por relações corretas consigo mesmo, com outras pessoas, outras culturas, outras formas de vida, com a Terra e com o Todo do qual fazemos parte” (n. 16). A paz não é algo que existe por si mesma, não brota de forma espontânea, mas que deve ser preparada e cultivada. Isso é o que Jesus fez, ao proclamar, com sua vida, a chegada da paz messiânica. Ela é o resultado de relações misericordiosas com as diferentes realidades que nos rodeiam. Sem estas relações misericordiosas nunca desfrutaremos a paz.
A paz que Jesus nos comunica não se atemoriza frente à dor, nem se desaba quando aparecem situações adversas. Abraça estados de ânimo contraditórios, não se identifica com os altos e baixos das circunstâncias, transcende o imediato. É a paz que supera toda razão, porque brota das profundezas do ser humano como “beatitude original”, força expansiva de humanização e revelação do Mistério que somos.
“A minha paz vos dou”. Jesus quer que seus discípulos vivam desta mesma paz que puderam ver nele, fruto de sua união íntima com o Pai e da profunda comunhão com os mais excluídos. Jesus é pacificador porque ama sem impor-se, a partir dos mais pobres; é pacificador porque não responde à violência com violência, porque é manso e puro de coração.
É evidente que, no contexto de uma sociedade produtivista, consumista, competitiva, indiferente, preconceituosa e nada cooperativa, não pode haver paz. Quando muito uma pacificação forçada, por imposição. Como cristãos temos que criar politicamente outro tipo de sociedade fundada nas relações justas entre todos, com a natureza, com a Mãe Terra e com o Todo que nos sustenta. Então florescerá a paz que a tradição ética definiu como “a obra de justiça”.
A paz nasce no coração daqueles que se deixam conduzir pelo mesmo Espírito de Jesus. O ponto de partida da paz cristã é a experiência da vida como gratuidade, ou seja, como dom recebido de Deus, presente de Sua vida e Seu amor sobre a humanidade ferida por tantos conflitos. O Deus Criador só atua através da paz e pede que sejamos mananciais de paz.
Na perspectiva do Evangelho, a paz deve ser compreendida e vivida como “bem-aventurança” (paz interior), que se abre e se expressa na busca da pacificação externa.
Inspirados no modo de viver de Jesus, podemos nos revestir das seguintes “bem-aventuranças” como horizonte e caminho de pacificação:
- Bem-aventurados aqueles que vivem a paz como um compromisso com a verdade, e caminham pelas sendas da concórdia, do diálogo, da acolhida do diferente;
- Bem-aventurados aqueles que chegaram a compreender que a paz e a justiça caminham de mãos dadas;
- Bem-aventurados aqueles que, inspirados na arte da pacificação de Jesus e de tantos profetas da paz, descobriram o valor da não-violência e a vivem cada dia;
- Bem-aventurados aqueles cuja presença pacificadora se empenham por superar discórdias, solucionar conflitos, reconstruir relações;
- Bem-aventurados aqueles que afastam de seu coração as sementes do ódio, da ofensa, do preconceito;
- Bem-aventurados aqueles que, em seu compromisso em favor da paz, não abandonam a ternura, a proximidade, a atenção compassiva...
Texto bíblico: Jo 14,23-29
Na oração: Há lugares em nosso interior que não são visitados. Há fronteiras, há arame farpado e é por aí que deve começar a construção da paz.
Jesus revela que a paz é um trabalho muito paciente, de artesanato. Ele era um artesão, um carpinteiro. Ele sabia que para ser mestre na arte de fazer móveis era preciso saber aplainar muito bem. A paz começa nesta arte de aplainar as arestas em cada um de nós; isso significa construir a paz em nossas diferentes dimensões: corporal, mental, afetiva, espiritual... Há divisões e conflitos em nosso interior; é difícil fazer a paz entre nossa razão e nosso coração, entre o nosso instinto e a nossa afetividade... mas nós podemos, pacientemente construir a paz do coração. Paz que é respiração da vida.
Da nossa interioridade brota a paz que se projeta na relação com os outros, construindo oásis de acolhida.
- O que prevalece na sua presença junto aos outros: pacífica, harmoniosa, inspiradora... ou conflituosa, violenta, excludente, preconceituosa...?
- O contexto social e político que estamos vivendo tem gerado muitas divisões, ódios, preconceitos... O que você tem feito para contribuir com um ambiente mais pacificado, onde as visões diferentes sejam respeitadas?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
“Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13,34).
Jesus transitou o caminho do amor.
Poucas experiências na vida proporcionam tanta felicidade como o amar e sentir-se amado. E é isso que os Evangelhos mais ressaltam na pessoa de Jesus: sua extraordinária capacidade para amar, para dar e receber amor. Jesus experimentou o amor em todas as dimensões: o amor que se faz serviço, o amor de amizade, o amor oblativo, o amor operativo que oferece saúde, perdão, liberdade, reconhecimento... Em definitiva, o prazer profundo de “passar pela vida fazendo o bem”.
Todas as pessoas cabiam em seu coração, mas de um modo especial os últimos, os pequenos, os pobres, os excluídos, os simples a quem o Pai lhes revela os segredos do Reino; tudo isso fazia Jesus vibrar intensamente. Ele fez do amor o único necessário, a razão de sua vida e entrega e, por isso, pode pregar com autoridade revelando que ganhamos ou a perdemos a vida em função de que tenhamos ou não amado.
Frente às inumeráveis leis e normas da religião judaica as palavras de Jesus soam taxativas: “Eu vos dou um nome mandamento”. Não há outro. A admirável simplicidade e a insistência na prática, que caracterizam a mensagem de Jesus, se revelam também nesta síntese daquilo que deve ser o modo de proceder dos seus discípulos. O Amor gratuito é a verdadeira identidade do(a) seguidor(a) de Jesus.
Antes de revelar o novo mandamento, antes mesmo de pedir aos discípulos que vivessem desse amor, Jesus foi pura vivência e transparência do Amor descendente de Deus: “como eu vos tenho amado”.
O texto fala de “mandamento novo”, provavelmente um diferencial que os próprios discípulos perceberam como “novidade” no modo de viver do Mestre, na gratuidade e incondicionalidade de seu amor: “amor ágape”, oblativo, radical, despojado de interesses...
Amar é a única maneira de ser plenamente humano. Jesus viveu até o limite a capacidade de amar, até amar como Deus ama. E é essa qualidade de amor o sinal decisivo pela qual os discípulos de Jesus deveriam ser reconhecidos.
Desse modo, o mandamento do Amor remete à Fonte que o possibilita, ao Amor originante que nos faz transcender as rígidas fronteiras do ego e acessarmos a um nível transpessoal de comunhão, onde o Amor poderá fluir com mais liberdade.
Tudo se enraíza no Amor do Pai que se manifestou em Jesus e que agora circulará através dos discípulos. Trata-se do mesmo e único Amor; o que é pedido aos discípulos é que permitam que esse Amor primeiro e originante se expresse e seja vivido através deles e entre eles. O sentido de nossa existência, portanto, está na experiência de entrada no fluxo do Amor fontal do Pai.
Por isso, não é um mandato vindo de fora, como uma imposição arbitrária. Os mandamentos não são, na sua origem, um conjunto de normas “externas” que Deus impõe ao ser humano para complicar-lhe a vida. Neles, Deus está expressando sua forma de entender a existência, seus sonhos sobre o mundo e sua sensibilidade diante de seus filhos e filhas. Em outras palavras, os mandamentos “emanam” do coração misericordioso do Pai para o bem viver da humanidade.
Nesse sentido, o “novo mandamento”, vivido e proclamado por Jesus, é um convite a viver o que somos, conectados com o Mistério amoroso que tudo anima e sustenta. O amor que Jesus nos pede deve surgir de dentro, não impor-se de fora como se fosse uma obrigação. Todos nós, criados à imagem e semelhança do Deus Amor, carregamos a “faísca do amor”, que deve ser ativada na relação com os outros e com o próprio Deus. Na medida em que vamos conhecendo e vivendo o que somos (nossa essência), o amor vai abrindo caminho e nós vamos nos parecendo mais com o Deus que é Amor.
Quando escutamos o verdadeiro Deus desperta-se em nós uma atração para o amor. Não é propriamente uma ordem. É o que brota em nós ao abrir-nos ao Mistério último da vida: “Amarás”.
Nesta experiência não há intermediários religiosos, não há teólogos nem moralistas. Não necessitamos que ninguém no-lo diga a partir de fora. Sabemos e sentimos que a essência da vida é amar.
A originalidade da afirmação central do evangelho de hoje é a de instituir um amor horizontal em que o movimento do eu em direção ao outro é prolongamento e imitação do movimento do amor de Jesus em direção ao ser humano.
O mandamento bíblico do amor é, portanto, a “inversão da direção natural de vida do ser humano”, ou seja, “do eu em direção ao eu”; falamos, aqui, do amor como “êxodo” do eu em direção ao outro. Trata-se do amor de alteridade que nos descentra, nos faz sair do “nosso próprio amor, querer e interesse” (S. Inácio).
É na presença do outro que o eu é libertado e gerado para a nova identidade de ser responsável, ou seja, aquele que responde e não pode deixar de responder diante de quem lhe passa ao lado. Por isso, a nova comunidade dos seguidores de Jesus não se caracterizará por doutrinas, nem ritos, nem normas morais. O único distintivo deve ser o amor manifestado em todas e cada uma de nossas ações.
Jesus não quer templos para manifestar esplendorosas adorações, nem estruturas ou ritos que chamem a atenção, nem poder ostentoso, nem doutrinas distantes da vida, mas a simplicidade do Amor despojado que a todos humaniza.
O Amor é o que há de mais divino em nós; não teria sentido se o que há de mais divino no ser humano desaparecesse. Por isso afirmava Dostoievski: “A imortalidade me é necessária, porque Deus não cometerá a injustiça de apagar por completo a chama de amor por Ele que prendeu em meu coração. E o que é mais precioso que o amor? O amor é mais excelso que a existência, o amor é a coroa da existência”.
O ser humano não tem capacidade de dar conteúdo ao amor, de dar-lhe significado. Não pode ser inventado por ele. Recebe-o inteiramente de Deus. O mandamento do amor não é lei que se impõe a partir de fora; ele “emana” do nosso próprio interior, pois o Amor “emana” do coração de Deus. O único que dá qualidade à vida é o amor.
É o amor que está no início da vida, o que a origina, a sustenta, a faz crescer, a faz perdurar, lhe dá asas... Só o amor desnudo tem o dom da eternidade. No céu, o ser humano não necessitará da fé nem da esperança, mas sim do amor, que será seu conteúdo, sua razão de ser. Só terá lugar o amor que habita em nós; o resto sobrará ou desaparecerá.
“Há uma força extremamente poderosa para a qual, até agora, a ciência não encontrou uma explicação formal. É uma força que inclui e governa todas as outras, e que inclusive está por detrás de qualquer fenômeno que atua no universo e ainda não fora identificado por nós. Esta força é o Amor” (A. Einstein, físico)
Texto bíblico: Jo 13,33-35
Na oração: O Amor originante e fontal de Deus lhe envolve permanentemente; marcado pela gratidão, queira entrar em sintonia, “ajustar-se” ao modo de amar de Deus: amor descendente, amor sem fronteiras, oblativo, expansivo... e que se “revela mais em obras do que em palavras”.
Movido pelo Amor transbordante de Deus, entre no fluxo desse Amor criativo, “descendo” à realidade cotidiana e ali deixando transparecer esse mesmo Amor através de suas obras.
- Faça “memória agradecida” de sua presença amorosa na realidade cotidiana. Viva em contínua ação de graças.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
“As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem” (Jo 10,27)
O específico do Tempo Pascal é deixar que os efeitos da Ressurreição se façam palpáveis; em outras palavras, é permitir que, em nossa vida cotidiana, a ressurreição de Cristo refulja, afaste toda escuridão e des-perte a vida que estava atrofiada nos túmulos do fracasso, da impotência e do desânimo.
E essa experiência tem a ver mais com os sentidos que com a razão. Os olhos, agora cristificados, ficam assombrados diante da explosão de possibilidades, matizes e cores depois do rigor da quaresma.
O Evangelho deste domingo(4º dom quaresma) nos motiva ressuscitar também nossa capacidade de escuta para estar atentos à voz d’Aquele que vive. Precisamos afastar a pedra da entrada dos ouvidos para escutar a sinfonia de vida que, continuamente, faz seu recital ao nosso redor.
O convite à escuta nos interpela com força desde os primeiros tempos bíblicos; escuta como atitude de abertura à profundidade da vida, de uma vida que tem sentido e que se abre a uma dimensão transcendente, que entra em sintonia com Aquele que escuta e se faz escutar. Escutar como atitude de fé e não como simples exercício da capacidade de ouvir. Escutar é mais que ouvir.
O ser humano é o único capaz de escutar e de falar, porque é o único criado à imagem e semelhança d’Aque-le que é a Palavra cheia de verdade e a escuta cheia de amor. “Escuta, Israel… amarás”. Escutar, abrir os ouvidos… diz-se que Israel é o povo da escuta, em vez de ser o povo da visão (gregos). É verdade que no deserto não há nada para ver. Os olhos mal se ajustam à luz… mas há cantos de areia, vozes no vento, gemidos de animais, palavras por dentro, no interior…
O povo que traz a Palavra de Deus é o povo da escuta. Portanto, o primeiro mandamento é “escutar”. “Escuta”, ou seja, atende à Voz, acolhe a Palavra. No fundo, isto quer dizer: não te feches, não faças de tua vida um espaço isolado onde só são escutadas tuas vozes e as vozes do mundo. Para além de tudo o que fazes e pensas, daquilo que desejas e podes, estende-se o vasto campo da manifestação de Deus; abrir-se à Sua voz, manter a atenção acesa, ser receptivo diante de sua Palavra: esse é o princípio que plenifica e dá sentido à existência.
É Deus que nos ensina a calar e a fazer silêncio para não mais escutar a palavra que apequena e mata. Existe uma palavra que informa, educa, ensina, apazigua, alegra, reconforta e edifica, mas também há outra que confunde, obscurece, empobrece, entristece, quebra, divide... Existe uma palavra que vivifica e outra que mata.
É importante progredir pelo caminho do silêncio, no qual nos educamos na escuta autêntica, que é a única capaz de nos conduzir ao puro amor. Porque o grau supremo da escuta é o silêncio cheio de amor.
Diante da voz do Bom Pastor não se trata de sermos receptivos a algumas ideias, ouvir determinados con-ceitos, mas de escutar com o ouvido do coração, procurando captar a vida que pulsa no coração d’Ele. Saber escutar, saborear o que Ele diz, entrar em comunhão de sentimentos, deixar-se impactar pelo seu modo de ser e de viver, suas opções, suas relações com o Pai e com os outros...
E isto exige uma capacidade de escuta de nós mesmos e uma profundidade que possivelmente está nos fal-tando, sobretudo se estivermos nos movendo na superficialidade da vida. A vida é a verdadeira escola para a aprendizagem da escuta. Por isso, escutar a voz do Pastor implica nos colocar no caminho da verdadeira e autêntica humanização. Daí a insistência em ter uma atitude aberta e acolhedora de escuta.
O ser humano pós-moderno não poderá deixar ressoar em seu interior a voz do Pastor enquanto sua mente e seu coração estiverem petrificados no automatismo da vida. A convivência se revela tensa, ansiosa, diante da ausência de saber escutar. Ser seguidor do Ressuscitado pede de nós um novo ouvido para facilitar novas relações, a transformação social e aceitar a nova visão da existência humana.
Escutar o “mistério” entranhável e sempre livre do Pastor é o caminho para encontrar nossa originalidade, nosso nome, para nos encontrarmos n’Ele, deixando-nos impregnar pelo seu “modo de proceder”; só assim poderemos viver como “ressuscitados”.
Sem escuta profunda a vida se desumaniza e o ser humano se automatiza egoísticamente.
A escuta é o caminho da originalidade, é a condição para não se viver na inércia.
Custa-nos muito ter sempre uma atitude de escuta receptiva, sobretudo em nossa sociedade secularizada, globalizada, individualizada, informatizada ou tecnologizada. Tudo são aparelhos. Tudo são ruídos. Todo o mundo quer falar, expressar-se. Mas falta o interlocutor que escuta sabiamente.
Rubem Alves, com seu fino humor, afirmou: “Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil”.
Escutar é uma arte difícil; aprender a escutar exige paciência e prática; escutar requer liberar tempos e criar hábitos: tempos para escavar significados e desmontar pré-juízos; hábitos para fazer silêncio e refletir sobre o escutado. O mais difícil não é aprender algo novo, mas desaprender algo antigo. Acontece o mesmo com a atitude de escutar: o difícil não é ouvir, mas esvaziar-se o suficiente para que a palavra escutada entre, ressoe e permaneça. Escutar é uma arte que implica todos os sentidos, não só os ouvidos: pede atenção às palavras, gestos, reações, silêncios...; pede saber interpretar e ler entre-linhas; pede meditar e digerir o visto e ouvido.
Se muitas de nossas conversações soam vazias e, com frequências, não conduzem a nenhum lugar, é porque não nos exercitamos para ser ouvintes. Devemos escutar com ouvidos de Deus a fim de que nos seja dado falar com a Palavra de Deus.
Só quando prestamos atenção a essa voz interior é que assumimos o sentido de nossa existência. A busca do sentido da vida é um exercício de escuta. Só quando escutamos atentamente esse chamado do Pastor Ressuscitado que emerge de nosso interior é possível perceber qual é a missão que devemos assumir ao longo da existência: ser presença de vida em meio a uma realidade marcada por tantas mortes.
Texto bíblico: Jo 10,27-30
Na oração: Orar, na verdade, não é, em primeiro lugar, falar com Deus; antes, é calar-se para escu-tar. Deus é uma presença que “ressoa” em nosso interior e às vezes faz brotar o canto, outras vezes o louvor, outras vezes a palavra profética… Escutar faz-nos calar em todos os sentidos e, neste silêncio, aprofundamos em nós um desejo mais elevado.
Invoque a luz sobre o sentido da audição que a natureza o quis vigilante; perceba toda a exultação em escutar as vozes da natureza e acolha as ressonâncias das palavras, dos hinos e das melodias com as quais é tecida a oração.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
“Saíram e entraram no barco, mas não pescaram nada naquela noite” (Jo 21,3)
“Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor, vestiu sua roupa e atirou-se ao mar” (Jo 21,7)
Os discípulos, depois da morte de Jesus, voltaram de Jerusalém à Galiléia, onde tentaram retornar à normalidade da vida. Para eles, a história de Jesus tinha acabado. O seguimento desembocara no fracasso. Estava na hora de retomar a vida que levavam antes de conhecer Jesus.
Simão Pedro anuncia que vai voltar a fazer o que sempre fazia: pescar. Os discípulos que o acompanham estavam ansiosos para participar da pesca. Voltar a pescar vai fazê-los esquecer o que lhes aconteceu.Mas não funciona. Por mais que tentem voltar a uma vida normal, as coisas não dão certo. Sentem-se frustrados diante do esforço e das diversas tentativas, mas não pescam nada.
As pessoas que passaram por um grande trauma entendem o que Simão Pedro e os discípulos sentem.
Querem afastar-se o mais depressa possível da dor que suportaram e dos horrores que presenciaram. Tentam juntar os cacos de suas vidas e se entregar ao jeito comum de fazer as coisas. Querem esquecer o que lhes aconteceu e se deixar conduzir pelas rotinas bem conhecidas da vida cotidiana.
Mas as repercussões da dor e do trauma continuam a martelar em suas vidas, atormentando-os durante o dia e perseguindo-os à noite. Coisas comuns provocam lembranças de um passado ainda doloroso. Passam a noite inteira se esforçando cada vez mais, porém sem sucesso. As redes estão vazias. O barco no mar de Tiberíades pode não estar carregado de peixes, mas os discípulos levam consigo os pesados fardos de seu passado. Livrar-se desses fardos é uma experiência longa e difícil.
Nasce o dia. Um “estranho” aparece na praia e pergunta-lhes a respeito da pesca. Diante da resposta negativa Jesus pede para lançar a rede do “outro lado” do barco. Em seus esforços estéreis para escapar do passado e reiniciar uma vida comum, os discípulos tinham pescado, quase obsessivamente, no mesmo lugar e do mesmo modo. Repetição compulsiva do passado. Buscam, através da pesca repetitiva, a libertação do trauma, mas não a encontram ali. A indicação do estranho para que procurem pescar em outro lugar ajuda-os a romper o ciclo da obsessão.
De repente, os olhos do “discípulo amado” se abrem e ele reconhece quem é o estranho. Esse olhar contemplativo contagia e todos se libertam da obsessão cega de encontrar, no retorno ao passado, o alívio para suas angústias: conseguem reconhecer quem estava na praia. No meio do fracasso revela-se a presença do Ressuscitado. E é Ele que, num gesto de hospitalidade, prepara a refeição, na praia, para os seus discípulos.
Os êxitos e os fracassos tecem a trama da nossa existência. Ambos são inerentes à natureza humana; eles se sucedem em muitos momentos ao longo do ciclo da vida; outras vezes se combinam e aparecem juntos.
Êxitos e fracassos expressam nossa potencialidade e nossa limitação, nossa grandeza e nossa fragilidade; formam parte da engrenagem do viver. Decidimos que uma ação é um êxito ou um fracasso em função de nosso sistema de crenças, valores e exigências. Falamos de fracasso quando nossas expectativas, projetos ou aspirações não chegam a realizar-se ou a cumprir-se como esperávamos; falamos de êxito quando chegamos a cumprir nossos projetos segundo nossas expectativas.
Êxitos e fracassos são como que balizas em um caminho que podem contribuir para que a vida seja vivida em plenitude; os êxitos enquanto que motivam, inspiram, alentam e reafirmam o sentido que uma pessoa atribui à sua existência, às suas opções e aos seus atos; os fracassos, quando se convertem em ocasião para retificar, refletir ou mergulhar mais profundamente na busca desse mesmo sentido. O êxito e o fracasso possuem essa qualidade de crisol no qual se forjam as vidas e as pessoas.
A vida é constituída de momentos de luta e de coragem, de sonhos e de esperança, de vitória e de derrota. Este é o material com o qual são construídas as histórias e as vidas.
Nossas experiências de êxito e de fracasso são indispensáveis para viver. As primeiras trazem valor, alimentam a confiança em nós mesmos, recompensam nosso esforço. As segundas nos revelam aspectos novos de nossa pessoa, nos ajudam a recapacitar, a mudar, a redirecionar o sentido de nossa existência. Tão importante é dialogar e conviver com nossos êxitos como com nossos fracassos.
Êxito e fracasso constituem uma dessas realidades humanas que parecem estar abertas e revelar o melhor e o pior do ser humano. Há aqueles a quem o êxito os transforma em pessoas prepotente, soberbas, insuportáveis; há outros, no entanto, a quem o êxito os transforma em pessoas encantadoras, seguras de si, simpáticas, empreendedoras... Existem também pessoas a quem o fracasso as afunda num abismo de impotência e agressividade, e outras a quem as converte em seres incrivelmente sensíveis, compassivos, humildes, resistentes...
Em um horizonte de sentido, o fracasso tem seu lugar. Ele tende a nos deprimir, mas também pode ser uma ocasião para nos fazer mais humanos e humildes. Ele pode ser percebido como chance para crescimento ou amadurecimento, pode ser integrado à luz de outras experiências positivas. O fracasso pode ser ocasião para ativar outras potencialidades internas. Aprendemos mais pelos nossos fracassos do que pelos nossos êxitos.
Segundo C. Jung, o maior inimigo da transformação é uma vida bem sucedida. O fracasso, que em muitas ocasiões nos provoca medo, insegurança, mal-estar... é um espaço perfeitamente adequado para iniciar o movimento para uma maior maturação. Mais ainda, muitas vezes são os fracassos que nos levam a iniciar uma mudança em nossas vidas, eles se revelam como uma ocasião privilegiada para um “salto vital” em direção a um horizonte maior de sentido para a própria existência.
Os fracassos nos revelam aspectos novos de nós mesmos e ajudam a nos conhecer mais. “Há coisas que não se compreendem enquanto não se esteja definitivamente derrotado” (Péguy)
A experiência dos fracassos nos une a todos, nos iguala, é fonte de comunhão... Graças a eles vamos quebrando, pouco a pouco, nosso instinto de posse, nosso autocentramento, nossa soberba...
O fracasso não é a última palavra; a última palavra é a Ressurreição. O Ressuscitado que se revela presente nas “praias de nossa vida”, também nos espera nos fracassos, assim como esperou seus discípulos na pesca fracassada, com uma presença acolhedora, compassiva, facilitadora de uma refeição simples, carregada de amizade e humanidade.
Tais fracassos, revividos à luz da Ressurreição misericordiosa, nos fazem mais humanos, mais agradecidos, mais confiados... e despertam um novo dinamismo e uma nova criatividade diante dos desafios da vida; é aqui que somos chamados a comprovar a nossa fidelidade, a ver o que trazemos nas entranhas e no coração.
Através dos fracassos reconhecemos que só o Ressuscitado é capaz de reconstruir relações quebradas e nos lançar a uma nova missão: “Apascenta minhas ovelhas”.
Texto bíblico: Jo 21,1-19
Na oração: A experiência da Ressurreição não é algo reduzido a momentos particulares da vida. A Ressurreição e o Ressuscitado são realidades chamadas a iluminar e dar sentido à nossa vida inteira. Aqueles momentos agradáveis e aqueles momentos de desilusão; aqueles momentos plenificantes e aqueles nos quais tudo parece carecer de sentido; aqueles momentos de lucidez e aqueles momentos onde a obscuridade prevalece.
- Como você reage diante dos seus fracassos? Percebe neles uma ocasião privilegiada para um salto vital?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
“...mostrou-lhes as mãos e o lado” (Jo 20,20)
O relato do Evangelho deste 2º. domingo da Páscoa é sugestivo e interpelador. Quando Jesus ressuscitado se faz presente, acontece uma profunda transformação no grupo dos seus discípulos: eles recuperam a paz, desaparecem os medos, enchem-se de uma alegria contagiante, sentem o “sopro” do Espírito em seus corações infundindo-lhes ânimo e coragem, abrem as portas porque se sentem enviados à mesma missão que Jesus tinha recebido do Pai.
A presença misericordiosa é a marca do Ressuscitado: ela é força criadora e reconstrutora de vidas despedaçadas. Jesus ressuscita cada um dos seus amigos e amigas, ativando neles o sentido da vida, reconstruindo laços comunitários rompidos e oferecendo solo firme a quem estava sem chão, sem direção.
Jesus reconstrói pessoas feridas mostrando Suas chagas e desvelando as feridas de seus seguidores (fracasso, traição, dor, tristeza, medos...). Suas feridas revelam que, por debaixo das feridas dos seus amigos e amigas, há vida escondida querendo se expandir; debaixo da pedra da dor e do fracasso há um dinamismo vital querendo buscar um lugar ao sol.
João, no relato de hoje, quis reforçar a corporalidade da Ressurreição e o fez desta forma, destacando o valor das chagas de Jesus. O Senhor Ressuscitado continua sendo Aquele que leva em suas mãos e lado as feridas de sua entrega, os sinais de seu amor crucificado em favor da humanidade.
Este Jesus pascal continua estando presente nas chagas dos homens e mulheres das mãos esmagadas, na ferida do peito de homens e mulheres que sofrem rejeição e preconceito, nas feridas dos pés de homens e mulheres impedidos de dar direção às suas vidas.
Não há experiência pascal sem um retorno à corporalidade de Cristo, que continua sendo o mesmo Jesus histórico que morreu por fidelidade ao projeto do Reino. Podemos dizer que Jesus apresenta a seus discípulos sua Carteira de Identidade: suas mãos chagadas e seu lado aberto. O Ressuscitado é o Crucificado e o Crucificado é o Ressuscitado.
Há uma continuidade entre a Cruz e a Páscoa; não há rupturas, é a mesma identidade pessoal. Por que as chagas? São as credenciais que melhor revelam quem é Jesus. Elas são o sinal e a expressão do seu amor, o amor até o extremo, o amor até dar a vida.Essas mesmas chagas são as melhores credenciais de todo seguidor de Jesus. Credenciais que definem o cristão como aquele que ama à maneira de Jesus; este não ama de verdade enquanto não possa mostrar suas chagas no serviço aos outros.
A cena do encontro do Jesus Ressuscitado com Tomé nos revela a exigência de conversão de um tipo de cristianismo puramente “espiritual”. Tomé se move fora do espaço da dor de pessoas concretas, sem cruz real, sem comunidade aberta às chagas da humanidade. Por isso, ele não está presente no 1º. grupo que “viu” Jesus e acreditou n’Ele.
Tomé continua sendo o apóstolo de uma espiritualidade desencarnada, sem compromisso social, sem denúncia profética, sem solidariedade com os pobres e excluídos. Ele é um seguidor especial de Jesus, mas sem “carne e sangue”, ou seja, sem ressurreição histórica, sem transformação da “carne”.
Tomé é expressão do ser humano a quem lhe custa crer na ressurreição do Jesus histórico, do Jesus das chagas nas mãos, pés e lado, do Jesus da carne, do Jesus do povo crucificado. Provavelmente Tomé crê no Cristo glorioso, desligado da história de Jesus, sem chagas nas mãos, no peito e nos pés: das mãos que tocaram os pobres e doentes, do coração que amou os excluídos da sociedade, dos pés que romperam distâncias na direção dos chagados do mundo.
Há sempre o perigo de crer no Ressuscitado “asséptico”, sem chagas em seus pés, mãos e lado. Crer em Jesus sem as chagas é esquecer-se das feridas dos pobres, a morte dos oprimidos; é não tocar as chagas da humanidade ferida, quebrada...
Esta cena vem colocar em questão muitos movimentos “aleluiados”, mas desencarnados e longe do compromisso com os sofredores da história. Crer no Ressuscitado é comprometer-se a tirar da Cruz todos aqueles que nela estão dependurados.
Mas, Tomé vem no “domingo” seguinte, algo lhe atrai; não só “vê” a Jesus senão que é convidado a tocá-Lo. Esta experiência de “conversão” de Tomé, que volta à comunidade e que toca as chagas de Jesus, faz parte essencial do mistério da páscoa cristã.
Segundo o Evangelho de hoje, Tomé precisa converter-se, descobrindo e confessando em sua vida a chaga de Cristo que continua sofrendo nos pobres e sofredores. O cristianismo não é uma espiritualidade desencarnada, mas uma religião da “carne comprometida” e solidária.
Por isso Jesus diz a Tomé e a cada um de nós: “Põe tua mão na chaga dos cravos, no meu peito atravessado pela lança, descobre minha presença pascal na ferida dos crucificados da história”.
A Páscoa, portanto, implica aprender a tocar com mais força e de um modo mais profundo as nossas próprias feridas e as feridas da humanidade. Tocar em Jesus, colocar o dedo em sua chaga, é descobrir a ferida sangrenta da história humana, vinculando assim a ressurreição com a dor dos homens e mulheres oprimidos, excluídos, enfermos...
Nas chagas de Jesus, nossas chagas são iluminadas e integradas. A descoberta da vida dos sofredores e a implicação compassiva para com eles desperta em nós um sentimento de compaixão para conosco mesmo: ela nos faz tocar nossas próprias feridas, herdadas ou surgidas na busca do crescimento enquanto pessoas.
Mostrar aos outros as próprias feridas é um desafio, supõe abertura e humildade. Tocar, com profunda sensibilidade, as feridas dos outros é um ato de comunhão que nos ressuscita e nos inclui, como Tomé, na Ressurreição de Jesus.
Texto bíblico: Jo 20,11-19
Na oração: Tocar o Ressuscitado, tocando as chagas dos crucificados: isso é o que devemos fazer todos, de maneira que o contato com o sofrimento do mundo nos transforme e nos faça capazes de expandir a Vida de Deus.
- Crer no Ressuscitado é viver de Sua presença misericordiosa: recordar experiências pessoais de presença junto aos sofredores;
- “Nas Suas chagas nossas feridas são curadas”: quais são suas feridas que travam o fluir da vida?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
“…e viu que a pedra tinha sido tirada do túmulo” (Jo 20,1)
O sentido do Evangelho do domingo de Páscoa é de uma riqueza extraordinária; ele começa realçando um amanhecer cheio de contrastes: escuridão, ida ao sepulcro, a pedra rolada, pôr-se a correr. Desconcerto. Ele não está. Quem O levou? Onde o colocaram?
Quando começa o amanhecer, a escuridão vai se dissipando. Mas ainda não se veem as coisas claramente. O coração anseia ver e encontrar. As sombras impedem ver; o sepulcro impede ver; as faixas impedem ver; as pressas impedem ver. Correm as mulheres; corre Simão Pedro; corre João.
No final, encontrar-se-ão com Ele quando estiverem quietos, a sós consigo mesmos. Não é correndo que se experimenta a Páscoa; é na espera silenciosa que se encontra com o Ressuscitado. Pois é Ele quem toma a iniciativa, se apresenta e se dá a conhecer. Luminosa, amorosa, pacificadora, vibrante, feliz, generosa, reconciliadora..., assim é a presença do Ressuscitado entre seus amigos e amigas.
Não encontraremos o Ressuscitado no sepulcro, mas na vida. Não encontraremos o Ressuscitado enfaixado e paralisado pela morte. Só poderemos encontrar o Ressuscitado livre como a brisa da vida.
Não “vemos” a Ressurreição contemplando os restos da morte; só podemos contemplar o Ressuscitado no mistério da vida. Pois só existe a Vida. E “Jesus ressuscitou de tanto viver”. Aquele que viveu tão intensamente não podia permanecer na morte. Por isso, só no compromisso com a vida é que podemos encontrá-Lo. A Ressurreição nos revela: só existe a Vida; só nos resta viver intensamente.
O relato do Evangelho do domingo de Páscoa é uma verdadeira catequese: para quem viveu a experiência, trata-se do “primeiro dia da semana”; para Maria Madalena, no entanto, ainda é de noite: “está escuro”. Sabemos que para o autor do 4º. Evangelho, a noite é sinônimo de obscuridade, confusão, ignorância; o “primeiro dia”, pelo contrário, faz alusão à “nova criação”.
Madalena levanta-se de madrugada, quando ainda está escuro; a dor por aquele que ama faz vencer o medo, coloca-a em movimento e põe-se a buscar . Não se resigna diante da ausência do seu amado, nem diante da ideia do fracasso e da morte.
Marida Madalena é boa companheira quando atravessamos circunstâncias de “vida sepultada”, quando não sabemos o que fazer diante da dor dos outros, quando estamos próximos de pessoas que vivem realidades de desesperança, de não ver saída, de “pedras” que vão sendo colocadas encima e deixam a vida paralisada; quando já estamos tentados a dizer: "não há nada que fazer”, “as coisas não vão mudar”.
Ao caminhar em direção ao sepulcro, lugar da morte e da desesperança, Maria Madalena é surpreendida ao observar que “a pedra tinha sido removida”, ou seja, que a morte tinha sido vencida. Ela busca desesperadamente um corpo sem vida; enquanto assim busca não poderá reconhecer Jesus. Ele já não está onde não há vida, porque onde Ele aparece toda vida se levanta. Se Ele está no centro, há vida até no fundo dos sepulcros.
“A pedra tinha sido removida”: imagem instigante e que nos sugere algo profundamente sábio: debaixo de cada “pedra” que parece amassar-nos, há vida que quer ressuscitar. Mais profundamente ainda, não há nenhuma “pedra”, nada que seja capaz de sufocar a vida. Qualquer “pedra” que nossa mente possa imaginar já foi “afastada”: o que somos, encontra-se sempre a salvo; a vida não pode ser derrotada.
Depois de ficar impactada diante do túmulo aberto, ela volta correndo à cidade para contar isso aos outros; é a primeira corrida de Maria Madalena. Dois homens correm também para o sepulcro: um vê mas não entra, o outro entra e a princípio ainda não vê. Estão embaçados os seus olhos, é lenta a visão que busca um corpo conhecido, que pensa encontrar o já sabido, o já visto, o já esperado.
No final da corrida, uma tumba vazia, algumas faixas, um sudário e um vazio no coração. Pedro e João regressam pensativos ao refúgio, onde se encontram os outros discípulos. O sepulcro vazio é um convite a saber olhar com o coração para poder descobrir, nas “faixas” e no “sudário” de nossa vida, o Ressuscitado, a Presença d’Aquele que é.
Ao chegarem ao sepulcro, Pedro e João não viram o Ressuscitado, mas “faixas” e “sudário”. Mas, tanto as faixas como o sudário não são elementos que por si mesmos fundamentam a fé na ressurreição. Requer-se uma maneira de “olhar” que vai mais além da materialidade, ou melhor, que saiba descobrir nos sinais a Presença d´Aquele que está presente em tudo e tudo anima. Quem sabe “olhar” desse modo é “o outro discípulo, a quem Jesus amava”, a imagem do verdadeiro discípulo.
Sem dúvida só o amor nos capacita para um olhar contemplativo; por isso, o amor “corre” mais depressa que a autoridade. Vem à memória palavras como as de Pascal: “O coração tem razões que a razão desconhece”; ou as do Pequeno Príncipe: “O essencial é invisível aos olhos; só se vê bem com o coração”.
É que o amor, por seu próprio dinamismo integrador e unificador, nos faz descobrir a dimensão mais profunda da realidade que, de outro modo, nos escapa. Para quem tem olhar contemplativo, as “faixas” já representam um grande sinal: apontam para uma Vida destravada e plena.
“Faixas” são todo desejo de superação, a vontade que sentimos de ser melhores, a aspiração por viver, o amor aos outros e a capacidade de perdão; o desejo de plenitude; a beleza daquilo que nos cerca; a vivência prazerosa, a esperança sustentada em meio ao sofrimento; o silêncio; a vivência do Presente; a oração; o encontro pessoal; a experiência de ser transformados; a mesa compartilhada...
À luz da Ressurreição, tudo isso ganha dinamismo e um novo impulso para viver em plenitude.
Diante da obscuridade daqueles que ainda não experimentaram o encontro com o Ressuscitado, as testemunhas proclamam: “Jesus ressuscitou” e “viver como ressuscitados” é a marca que identifica os(as) seguidores(as) d’Aquele que “ressuscitou de tanto viver”.
E essa é a Boa notícia que nada nem ninguém poderá arrebatar-nos. A Ressurreição não é simplesmente para ser contada, é para ser vivida; ou dito de outra maneira, não podemos contá-la sem ter ficado transformados, sem ter sido transpassados por essa experiência que rompe as fronteiras de nossa vida.
Texto bíblico: Jo 20,1-9
Na oração: São nossas pequenas ressurreições cotidianas que falam da Ressurreição de Jesus; nas nossas ressurreições descobrimos a presença do Ressuscitado. É em nossa vida onde O reconhecemos vivo. Somos testemunhas de sua ressurreição; somos testemunhas da nova vida; somos testemunhas do novo que está começando. Páscoa, luz expansiva que nos faz perceber em profundidade os sinais de Vida.
- Rezar as “faixas” e o “sudário” do seu cotidiano que apontam para a Vida plena.
A todos aqueles(as) que hoje amanhecem “novos”, “criaturas novas”, uma Santa Páscoa.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
“Tomai e comei, isto é meu Corpo; tomai e bebei, isto é meu Sangue”
Os integrantes do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) estabeleceram para este ano de 2016 mais uma Campanha da Fraternidade Ecumênica com o tema: “Casa comum, nossa responsabilidade”. Todos os cristãos, em suas diferentes denominações, devem assumir o desafio de construir uma Casa Comum justa, sustentável e habitável para todos os seres vivos.
Este compromisso é profético, pois questiona e denuncia as estruturas que provocam diferentes tipos de exclusão: econômica, ambiental, social, racial e étnica. Tudo isso rompe a comunhão com o cosmos, fere e fragiliza a dignidade de homens e mulheres.
Nesta 5ª. feira Santa, dia da instituição da Eucaristia, podemos buscar, nesta última refeição de Jesus, a inspiração e o sentido para uma consciência ecológica integral, restabelecendo a comunhão universal com todas as expressões de vida.
Conhecemos o quadro da Última Ceia de Salvador Dali: o Cenáculo alto, Jesus e os discípulos, o pão partido, o vinho vermelho translúcido... O autor fez as paredes do Cenáculo, enormes, de vidro, como nunca foram na realidade. E, da singeleza da Eucaristia, o olhar vai mergulhando para fora, vendo o mar, as praias, as montanhas, o mundo, o universo... tudo isto transfigurado por um abraço de um corpo humano/divino enorme, braços abertos, acolhendo a cena toda... É como se Ele ficasse transparente e a gente passasse a ver o mundo inteiro através d’Ele.
Um sintoma típico da pós-modernidade é o sentimento de orfandade: o universo já não é mais entranha que gera vida, mas um deserto. Percebemos que temos perdido o contato e a comunhão com o cosmos, com o chão, com os animais, com as aves, com os rios e oceanos... e isto tem provocado em nós toda espécie de mal-estar, de doenças, de insegurança, de ansiedade. Somos “seres urbanóides”, cercados de cimento e asfalto por todos os lados. Quando perdemos o contato com a natureza e nos distanciamos da terra, nos tornamos insensíveis, frios e incapazes de compaixão e cuidado.
A Última Ceia de Jesus com os apóstolos revela que a Criação é obra de Deus e exige uma aproximação contemplativa. Quanto mais proximidade e intimidade com a terra, mais profunda é a comunhão com todos os seres. A Terra nos encanta e nos convida, continuamente, à admiração, ao cuidado e à veneração.
Estamos mergulhados no “grande Templo” formado por uma multiplicidade de notas, sons, sinais e mensagens diferentes. Formamos uma realidade complexa, diversa e única. Uma pedra, uma cascata, uma nuvem caprichosa, um pássaro, convertem-se em veículos de sabedoria. É necessário que nos eduquemos para captar a mensagem que eles nos transmitem e aprender a viver a comunhão com tudo o que nos rodeia. Todo o Cosmos é como um grande livro que precisa ser lido.
Quando o ser humano não percebe o seu parentesco com a Criação, vive numa casa-prisão cujas paredes lhe impedem uma comunhão cósmica. Ao contrário, quando sente a presença de Deus em todas as coisas e entra em comunhão com toda a natureza, seu coração se emancipa e se dilata, sua mente se abre, seus horizontes se ampliam... O Universo passa a ser o seu grande lar, onde ele encontra o coração de Deus. Em tudo se pode vislumbrar um lampejo da divindade. Com isso, a eucaristia revela seu caráter universal que nos permite viver uma espiritualidade ecológica e nos ensina a abraçar a Criação e a nos encontrar com o Deus do Universo. A comunhão com o Universo é ponto de partida e de chegada da Eucaristia.
O dom eucarístico, portanto, não pode ser reduzido a um simples rito desligado das demais relações envolventes (com Deus, com os outros e com toda a Criação). Pela Eucaristia Deus abraça todas as suas criaturas e as envolve no mistério pascal de seu Filho Jesus, de modo que, de Eucaristia em Eucaristia, todo o Cosmos vai sendo “cristificado”.
A partir da Eucaristia tudo é sagrado, tudo é uma grande liturgia cósmica. O universo é um grande sacramento e se transforma no espaço e no lugar de manifestação da divindade. Tudo é sagrado; a Natureza é sagrada, porque é Templo de Deus. Todos os lugares da mãe-Terra pelos quais caminhamos são “territórios sagrados”. Segundo a Bíblia, a Terra é um jardim onde Deus tem prazer em passear.
O Universo inteiro é um imenso altar cósmico sobre o qual celebra-se, diariamente, a liturgia da vida; ao mesmo tempo, ele é o lugar no qual podemos contemplar e acolher a presença do Criador, a harmonia dos seres, a comunhão das criaturas. Sobre o altar do mundo se entrelaçam o céu e a terra, de modo que toda a Criação é iluminada pela Eucaristia.
Todas as criaturas celebram a grande festa, ao redor da Mesa cósmica (Última Ceia – Ceia universal).
A vivência da Última Ceia nos proporciona uma fecunda experiência cósmico-ecológica. Em Jesus, Deus se revelou encarnado na história e fez do Universo seu corpo. A presença real de Jesus, no pão e vinho da Eucaristia, nos desperta a reconhecê-Lo presente no coração do Cosmos e da História. No partir do Pão e no beber do Vinho da Eucaristia, palpita a vida que transcende as fronteiras da morte.
Quem come deste Pão e bebe deste Vinho, compromete-se com a luta contra as forças da morte: egoísmo, violência, indiferença, omissão política, desonestidade na gerência dos bens, descuido nas relações afetivas, isolamento no medo, destruição do meio-ambiente, poluição...
Simbolicamente, na Eucaristia, o pão é partido para significar a doação de Jesus; e ao comermos deste pão, aceitamos ser como o grão de trigo que, caído no chão da história, recebe as energias que vem das profundezas da terra e das alturas do céu.
Num pedaço de pão há o vento que balança as espigas, a noite calma que caiu sobre o campo, o sol ardente que faz germinar e crescer o trigo, a água generosa que possibilitou a vida, a terra que teve de ser arada, o ser humano trabalhando sem parar, a semente que teve de morrer para que viesse a planta, o adubo que foi posto com mãos calosas, o gesto da mão que preparou a massa... A natureza inteira se mobilizou para gerar o pão, que deve ser partido e oferecido com generosidade.
Da mesma forma, toda a Criação foi mobilizada para proporcionar o vinho da alegria e da festa. Diante de nós, sobre o altar, está contido todo o Universo, pronto a se fazer dom e alimento.
Jesus, na Última Ceia, ao tomar o pão e o vinho em suas mãos, acolhe os dons da Natureza para transmitir sua Vida a toda humanidade; Vida em abundância; Vida que não tem fim...; a Vida num pedaço de pão e num cálice de vinho.
Texto bíblico: 1Cor 11,23-35 Jo 13,1-15
Na oração: Rezar a importância e o sentido da Eucaristia em sua vida: obrigação? Lei? Tradição familiar?...
- Quê ressonâncias tem a Eucaristia em sua vida cotidiana?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Casa de Retiros Vila Kostka- Itaici-SP
“... Jesus caminhava à frente, subindo para Jerusalém” (Lc. 19,28)
A vida de Jesus é uma grande subida a Jerusalém; e nesta subida, segundo os relatos evangélicos, Ele desconcertou a todos. Evidentemente, desconcertou as pessoas mais piedosas e observantes da religião judaica: fariseus, escribas, sacerdotes, anciãos... Não só Jesus foi a pessoa mais desconcertante de toda a história, mas nele aconteceu algo também desconcertante. Ele desencadeou na história da humanidade um “modo de viver” que quebrou toda estrutura petrificada, sobretudo religiosa, constituindo um “movimento” ousado que colocava o ser humano no centro.
Um movimento alternativo às instituições romanas e à organização sacerdotal do judaísmo; um movimento “marginal” que dava prioridade aos pobres, aos deslocados, aos doentes e excluídos, aos perdedores... e que não tem nada a ver com uma organização fundada no poder, no prestígio, na riqueza...
Este movimento, desencadeado na Galileia, chega agora às portas da “cidade santa” , Jerusalém. Aquele homem que movia multidões por todo o país, por sua pregação e milagres, não é um revolucionário violento. E, no entanto, nem por isso deixa de ser inquietante, transgressor e perigoso. Jesus foi assim e assim Ele viveu; todo o resto lhe sobrava (leis, culto, templo, estrutura religiosa...).
Jesus queria entrar na cidade das contradições humanas oferecendo uma mensagem de pacificação e um programa de libertação, correndo o risco de encontrar a morte imposta por aqueles que resistiam a qualquer mudança na estrutura social-política-religiosa de seu tempo. De fato, Jerusalém é a cidade controlada por aqueles que detinham o poder religioso que, aliado aos romanos, não reconheciam n’Ele o profeta do Reino e não acolheram a salvação que Ele trazia.
Jesus queria levar vida a uma cidade que carregava forças de morte em seu interior. Ele queria por o coração de Deus no coração da grande cidade; desejava reativar a tão sonhada nova Jerusalém, a cidade cheia de humanidade, espaço de acolhida e comunhão, luz dos povos, onde todas as nações se encontrariam. Mas Ele encontra uma cidade petrificada, fechada em seus ritualismos, intolerante e resistente à proposta de vida que trazia.
Durante o tempo Quaresmal e Semana Santa as agências de turismo costumam fazer muita propaganda de Peregrinações à Terra Santa. Mesmo que não sejamos turistas e nem peregrinos, teremos, sim, que transitar por Jerusalém durante estes dias. Não podemos ir ali simplesmente como quem vai assistir algumas procissões famosas de Semana Santa; não podemos ir a Jerusalém de uma maneira indiferente, porque em Jerusalém é preciso “tomar partido”. Ou somos um personagem da Paixão ou não somos nada; ou nos identificamos ou seremos meramente estranhos; ou estamos com Ele ou com aqueles que tramam a sua morte.
Fazer memória da Paixão de Jesus pode ser uma ocasião privilegiada para transitarmos por nossa Jerusalém interior, um bom espaço onde encontrar a nós mesmos, identificar-nos com os diferentes personagens e sentir-nos parte daquela história. O relato da Paixão de Jesus revela ser também a história de cada um de nós. Porque, afinal de contas, é uma história que aconteceu no passado e continua acontecendo também hoje em nossa interioridade. E é a partir do hoje que nós temos de vivê-la, numa atitude contemplativa. E é a partir de nós, e não a partir daqueles personagens de então, que teremos de assumi-la.
Vamos, então, com Jesus montado num jumentinho, transitar pelas ruas de nossa Jerusalém interna, reconhecendo os diferentes personagens que ali atuam e que significam diferentes atitudes vividas por cada um de nós. Cada personagem é um espelho onde nos vemos.
Começamos com o relato do Domingo de Ramos.
Jerusalém não é só uma cidade geográfica, situada na Palestina. Domingo de Ramos nos motiva a fazer o percurso em direção à nossa Jerusalém interior. Mas, para descer em direção a esta cidade é preciso despojar-nos da vaidade, do prestígio e do poder, montado no jumentinho da simplicidade.
Nossa Jerusalém interior é também lugar das contradições e ambiguidades; ali dentro experimentamos a trama de relações conflitivas, ali nos deparamos com as angústias, carências e dúvidas... É preciso cuidar o coração da nossa “Jerusalém interior”, esvaziá-lo, limpá-lo, aquecê-lo, transformá-lo em humilde e acolhedor espaço, para que o Espírito do Senhor possa aí descer e habitar, transmitindo-lhe vida, luz, calor, paz, ternura...
É preciso voltar a pôr o “coração de Deus no coração de nossa Jerusalém”. Faz-se necessária uma opção corajosa, como Jesus, para entrar e estar no interior de nossa Jerusalém, para aí descobrir o verdadeiro coração de Deus, que pulsa no ritmo dos excluídos, dos sofredores, dos sedentos.
É preciso aprender a integrar nossos conflitos da cidade interior para convertê-los em vida nova a partir do silêncio, e é preciso percorrer as ruas descoloridas e violentas do espaço interno. Nosso zêlo e amor pelo Evangelho e pela semente do Reino que nele está contida, há de favorecer o advento de um “nova Jerusalém”, cheia de humanidade e comunhão, de justiça e de fraternidade.
É preciso aprender a ler a nossa Jerusalém com os olhos pacientes, misericordiosos, fecundos, cordiais...
Ali reconheceremos também a presença das beatitudes originais que habitam o nosso coração; ali sentiremos a força da ação do Espírito em cada canto desta cidade e em cada rosto que encontramos; ali teremos acesso a outros recursos e possibilidade de vida que ainda não foram ativados.
Nesta nova cidade interior, cristificada pela entrada do Mestre de Nazaré, seremos mobilizados a abrir as portas de nossas casas para estarmos sempre prontos a acolher os desafios que vem de fora. Ao mesmo tempo, entrar na nossa Jerusalém nos faz conscientes de que somos seres em movimento, protagonistas de mudanças, capazes de criar novos modos de existir, de romper com o instituído e buscar o diferente, o novo, o desconhecido... É o espaço das inovações, dos riscos, dos experimentos e da busca do novo. Nele se encontra o lugar dos sonhos, dos desejos, da liberdade e autonomia.
A nossa Jerusalém interior é um espaço sempre em expansão. O Evangelho ilumina a vida de nossa cidade e pede atitudes novas, propostas ousadas... Em nosso coração urbano há um oásis que regenera: continuamente devemos retornar a este oásis se não quisermos que nossa vida se transforme em permanente deserto; é neste oásis que buscamos o sentido, o descanso, o gosto por viver.
É muito mais cômodo continuar viajando até a Jerusalém (imaginativamente) e não sentir-nos implicados com aquilo que está acontecendo em nosso interior e ao nosso redor. Por isso, Jerusalém é missão: é preciso “descer” em direção às periferias da nossa Galileia e ali prolongar a atividade criativa e libertadora de Jesus. Podemos, então, atribuir à nossa cidade interior esta afirmação de G. Dimenstein: “A bela cidade não é aquela que tem necessariamente as melhores paisagens, mas aquela em que a criatividade é a melhor paisagem”.
Hosana a Jesus! Que chegue a Páscoa! Que venha a vida!
Texto bíblico: Lc 19,28-40
Na oração: procure descobrir os sinais do Reino de Deus no meio da aparente confusão de sua Jerusalém interior: lugar da harmonia? espaço aberto e acolhedor?...
- Como recriar, no coração da cidade interior, o ícone da Nova Jerusalém, a cidade cheia de humanidade e comunhão, o lugar da justiça e fraternidade?
- “Diga-me como você habita sua cidade interior e eu lhe direi como é sua presença no seu espaço urbano”.
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Casa de Retiros Vila Kostka- Itaici-SP
“Mestre, esta mulher foi flagrada cometendo adultério. Moisés, na Lei, nos mandou apedrejar tais mulheres.
E tu, que dizes?” (Jo 8,4-5)
Segundo o Papa Francisco, “onde há misericórdia, aí está presente o Espírito de Deus; onde há rigidez, aí estão seus ministros”. Jesus percebeu algo muito sério nesta inclinação que temos de julgar as outras pessoas. É escandalosa a capacidade do ser humano causar dano aos outros; e dentro desse dano infligido às pessoas, ocupa um lugar de destaque o juízo gratuito, a desqualificação e a condenação.
Não podemos negar: todos temos vocação de juízes; todos somos peritos em alimentar um tribunal interior. Onde a lei ocupa o centro, ali não há possibilidade de nova oportunidade de vida. As boas relações entre pessoas só são possíveis quando os que se relacionam entre si não se julgam uns aos outros. Quando alguém sabe ou suspeita que os outros lhe estão julgando, e lhe estão julgando mal, a relação humana se complica, possivelmente se envenena, e termina por fazer-se insuportável. É muito duro ir pela vida sabendo que há alguém que pensa mal do outro, que o julga e o condena.
Todos sabemos que, por detrás de tanto juízo e condenação – como no Evangelho que lemos hoje -, parece indicar uma insegurança radical, que se disfarça justamente de segurança absoluta, fundada na lei, onde a pessoa chega a pensar que possui a verdade e que os outros estão no erro.
A necessidade mesma de ter razão e de acreditar ser portador da verdade é indício de uma insegurança de base que se torna insuportável. Por isso, o fanatismo religioso revela insegurança camuflada, do mesmo modo que o afã de superioridade esconde um doloroso complexo de inferioridade, às vezes revestido de “nobres” justificações.
Quando alguém se eleva em juiz da vida dos outros e, além disso, se considera com conhecimentos e o suficiente critério para condená-los, o que realmente faz é usurpar o lugar que corresponde a Deus. Por isso é tão frequente que as pessoas que se consideram mais próximas a Deus e aos princípios da estrita observância moral são os juízes mais implacáveis. Sem dar-se conta, ocupam o lugar de Deus.
No evangelho de hoje(5º dom.quaresma), o pressuposto de Jesus é que ninguém pode ser identificado com seus atos exteriores, ou com suas aparências. Dentro de cada um, existe um mistério profundo e impenetrável, cujo conhecimento é reservado unicamente a Deus. É preciso respeitá-lo, sabendo que, por detrás de cada ato humano, existe uma história que nos escapa. Deixemos que Deus seja Deus e que Ele tenha a última palavra. Ele conhece cada pessoa, na sua intimidade. Por isso, não corre o risco de se enganar. É com misericórdia que ele pesa as ações humanas; por isso Ele salva sempre.
O relato de João, indicado para a liturgia deste domingo, põe em confronto duas maneiras diferentes de reagir perante a “mulher pecadora”: uma, de acolhida e proximidade; outra, de julgamento e distância. De um lado, os olhares julgadores dos escribas e fariseus se voltam para a mulher, ao mesmo tempo que a atenção repreensiva concentra-se sobre Jesus, buscando motivos para também julgá-lo. Por outro lado, entre o Mestre e a mulher se instaura uma surpreendente compreensão e acolhida: nada de julgamento e condenação. Mesmo sentindo-se julgada e condenada por aqueles que se apresentavam como os legítimos intérpretes da Lei de Moisés, a mulher encontrou e descobriu, nas palavras e na pessoa de Jesus, de modo novo e fascinante, o rosto misericordioso de Deus, a ponto de sentir seu abraço paterno. Ela sentiu-se seduzida por Jesus, o “justo”, o amigo dos publicanos e dos pecadores.
A maneira misericordiosa de Jesus se fazer presente junto à pecadora, mobiliza esta mulher a fazer da sua vida de erros um trampolim para a sua humanização. Jesus não contabiliza os pecados, não classifica as pessoas em puras e impuras. Ele abraça a realidade em sua totalidade, integrando-a. Ele acolhe e celebra a vida em sua totalidade. Não foi o passado de erros da mulher que determinou a atitude de Jesus para com ela, pois Ele não se deixa determinar pelo passado.
Jesus tem um coração expansivo, voltado para todas as direções, onde quer que se encontre a realidade limitada e frágil. O encontro com Ele não desperta sentimentos de culpa; as pessoas podem retirar-se em paz. Jesus faz da misericórdia o verdadeiro evento divino. Nele, a misericórdia torna-se o dom constitutivo não só do divino, mas também do humano.
Enquanto os escribas e fariseus não entendem a ternura e a acolhida de Jesus para com a mulher, esta, ao contrário, conhece o mistério inefável da Misericórdia e abandona-se a Ele. Libertada de seu passado e amada, a mulher sente-se devolvida à vida, levando consigo no coração um dom inesperado: o perdão, que a inunda de paz e alegria. A pecadora, atraída pelo amor terno e misericordioso de Jesus, finalmente experimenta a gratuidade e a doçura da misericórdia para consigo mesma. Ela muda a sua vida quando percebe ser amada por um amor envolvente, gratuito, antecipado. Assim, ela se torna uma nova parábola da ternura e da misericórdia de Deus.
A mulher estava preparada para a morte, mas Jesus a despede viva, abrindo uma nova possibilidade de futuro. É notável como Jesus encarna a atitude de rejeição ao pecado e amor ao pecador. Isto foi magistralmente expresso por S. Agostinho, quando ficaram sozinhos Jesus e a mulher: “Só ficaram dois, a miserável e a misericórdia”.
Onde impera a Lei, não há futuro, só julgamento; onde a Misericórdia encontra espaço ali a vida tem nova chance. Os acusadores acreditavam estar seguros, fundamentados na lei e na sua consciência. Mas Jesus, sem julgá-los, os conduz também a um nível mais profundo, apelando a que se olhassem a si mesmos, para que vissem que eles estavam condenando a mulher porque tinham medo, se sentiam inseguros e necessitavam descarregar sua agressividade.
Por isso, Jesus não se comportou como juiz, nem com relação à mulher, nem com relação aos cúmplices, nem com relação aos acusadores e aos curiosos, mas se situou em um plano mais alto: no nível da misericórdia de Deus, que envolve esta mulher e, por meio dela, a todos os que a acusavam. Uns e outros devem reconciliar-se e iniciar uma vida em gratuidade, criando condições distintas de convivência, uma história de gratuidade não impositiva.
Texto bíblico: Jo 8,1-11
Na oração: Ser misericordioso é não aprisionar o outro nas consequências negativas de seus atos. A misericórdia é a própria condição para que nossa vida seja vivida de uma maneira nova. Fora do fluxo da misericórdia a vida se torna impossível de ser vivida.
- “O que é que eu não perdôo no outro? O que é que eu não consigo perdoar em mim mesmo?
- O que é que em mim pode perdoar?
- Que força é esta que me atravessa e que, passando pela justiça, me conduz à misericórdia?
- Pedir maior consciência do Amor Misericordioso do Pai; que cada um possa deixar-se surpreender pelo Amor criativo do Pai... e participar em sua festa de reconciliação.
Ao mesmo tempo, pedir um coração desarmado, pronto a re-criar (perdoar é re-criar, é dar oportunidade para alguém viver de novo).
Pe. Adroaldo Palaoro sj
Casa de Retiros Vila Kostka- Itaici-SP
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