Parece que não faz sentido, mas a verdade é que as minhas fraquezas vencem muitas vezes as minhas fortalezas.
Grande parte das minhas forças serve para lutar contra as minhas fraquezas. Mas se assim é, as minhas fraquezas são muito mais fortes do que indica o nome que lhes damos.
Será que chamamos fraquezas às forças do inimigo? Talvez. Ou será que as fraquezas que chamo minhas são, afinal e só, os meus erros?
É curioso que uma das nossas fraquezas seja sermos tão astutos a encontrar as falhas dos outros. Porque o faço eu? Então, não busco ser melhor? Ajudaria, e muito, cuidar mais de me aperfeiçoar colhendo dos outros os exemplos dos seus bons combates.
Depois de passar pelos piores momentos da minha vida, sempre compreendi que se tivesse tido um pouco mais de paz, de paciência e de confiança, tudo teria sido muito menos doloroso… então, porque fui fraco?
Será que sou fraco e, porque não quero aceitar essa verdade, julgo que as minhas falhas são apenas lapsos pontuais?
Ou será que sou forte, apesar de não o conseguir ser todo o tempo?
Talvez seja apenas humano e, por isso mesmo, frágil. Nem forte nem fraco, apenas mais uma pessoa que é chamada a decidir quase todos os dias se quer fazer de si forte ou fraca.
A nossa vida é feita de muitos instantes em que temos de decidir entre ceder a uma fragilidade e cair numa qualquer desgraça, ou fazer-lhe frente e renunciar-lhe, alcançando com isso uma graça.
Ser infeliz é mais fácil e cómodo. Ser feliz exige que arrisquemos tudo e sem certezas de alcançar qualquer coisa. Apenas fé.
O amor é a minha maior força, mas, ainda assim, sinto-me fraco quando percebo que posso tão pouco por aqueles que amo. Talvez porque queira, sozinho, dar-lhes o céu… ou talvez porque não aceite que sou nada sozinho e que, tal como eles precisam de mim, também eu preciso do amor deles.
É duro depender, isso magoa-me em cheio no orgulho… que é uma das armas mais potentes contra o melhor de mim.
Se quero mesmo ser feliz, então tenho de amar os outros, principalmente os mais enfraquecidos, e aceitar o amor dos outros, todos.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 21.01.23
Não sou de um só lugar. Sou de cada pedaço de caminho que me permite ir de onde estava para onde quero ou tenho de ir. Tenho tantas casas que sou mais do caminho que as liga do que de alguma delas.
Sou tanto do lugar onde comecei esta minha vida como daquele onde estou ou daquele em que me despedirei desta existência.
Não sou desta casa onde vivo agora, outras pessoas viveram aqui antes de mim e outros diferentes o farão depois.
Não sou alguém feito que apenas pode ser o que já é. Sou alguém que é chamado a escolher-se, a fazer-se e a avançar com os resultados de tudo isso.
Onde sou mais eu? Em todos e cada um dos momentos que me foram, são e serão dados a viver, mas em nenhum mais do que em qualquer outro.
A minha meta não é deste mundo, a casa onde espero descansar não virá ao meu encontro, sou eu que devo encontrá-la por caminhos nos quais poucas vezes há só flores. Os bons trilhos são duros e cheios de adversidades, sem atalhos, sem desculpas nem escapatórias.
Os caminhos dos infernos são fáceis e com belas paisagens ao longe. É claro que o caminho que uns sobem é o mesmo que outros descem…
… é o que buscamos que dá valor aos nossos passos.
Sobe, sobe sempre. É sempre melhor subir!
Segue em direção à luz, deixando sempre as sobras atrás de ti.
E os outros, o que encontram eles em ti?
Faz caminho e faz-te caminho. Que os outros encontrem em ti pedaços e instantes do amor que os leva à felicidade.
José Luis Nunes Martins
in: imissio.net 13.01.23
Os balanços são necessários. Esses recordam-nos que talvez exista no mecanismo da história (tanto aquela só nossa como a história do mundo) uma margem para aquilo que um pensamento aprofundado sobre a vida colhe sob a forma de ensinamento. Apesar de tantas vezes a história nos parecer blindada, predefinida e indiferente ao que possamos fazer, é decisivo pensar que não é assim. Vale a pena interrogarmo-nos sobre os caminhos percorridos. Vale a pena avaliar o tempo, o que fazemos dele e o que ele faz de nós. Não é o mesmo atravessar a vida sem realizarmos um verdadeiro confronto com a sua realidade ou, ao contrário, termos a audácia de manter os olhos abertos, disponíveis para interpretar a história não já como automatismo mas como construção.
Na mensagem para a jornada mundial da paz de 2023, o Papa Francisco propõe um balanço da crise da pandemia e recomenda que paremos para interrogarmo-nos. O Papa é muito claro: “Dos momentos de crise, nunca saímos iguais: sai-se melhor ou pior.” Por isso, são inexcusáveis as perguntas que nos guiam numa análise deste momento da história: que aprendemos nós com a emergência pandémica? Que caminhos novos sentimo-nos chamados a percorrer para ultrapassar a situação que nos conduziu até aqui? Sentimo-nos ou não capazes de ousar uma cultura capaz de pôr a pessoa humana no centro e de suscitar modelos de desenvolvimento mais respeitosos em relação ao planeta e às outras criaturas? Como podemos tornar melhor o nosso mundo?
Uma série de coisas tornaram-se mais claras. A primeira de todas é a compreensão reforçada de que as variadas crises que estamos a viver (sanitária, ecológica, económica, social...) estão no fundo interligadas e que somos chamados a um exercício de corresponsabilidade. A segunda é a consciência de que precisamos todos uns dos outros, que ninguém se pode salvar sozinho e que o nosso mais precioso recurso é a fraternidade. Nesse sentido, a medida mais urgente seria colocar no centro da arquitetura da existência a palavra “juntos”. A terceira é que precisamos de reaprender uma humildade fundamental no que respeita ao futuro. As expectativas que colocámos no progresso, na tecnologia e nas possibilidades da globalização revelaram-se desadequadas. O futuro pede-nos um artesanato humilde para refazermos a esperança num mundo melhor.
No seu discurso de aceitação do Prémio Nobel da Literatura, no ano de 2015, a jornalista e escritora bielorrussa Svjatlana Aleksievič contou várias histórias. De facto, quem já contactou com as suas obras não as esquece devido ao impacto que as histórias que relata têm em nós. Ela própria explica a sua missão como a de recoletora das histórias aparentemente minúsculas da gente comum. “Que faço eu? Recolho a vida do meu tempo. O quotidiano da alma. Aquilo que a grande história normalmente descura, aquilo a que não dá atenção suficiente. Eu ocupo-me da história descurada.” Ora uma das histórias acontece num hospital de Cabul, durante a guerra no Afeganistão. Uma comitiva de jornalistas visitava os civis feridos e levava presentes para as crianças. O hospital era uma enorme tenda. Os doentes estavam deitados por terra, cobertos apenas por uma manta. A escritora passou por uma mãe com um filho pequeno ao lado. Deixou ao miúdo um pequeno urso de peluche, mas achou estranho que ele tivesse recebido o presente agarrando-o com os dentes. Interrogou, por isso, a mãe: “Porque se comporta ele assim?” A jovem afegã baixou a coberta que tapava o corpo do seu filho. E então alguém teve de amparar nesse momento Svjatlana Aleksievič, porque ela desmaiou: não estava preparada para o que acabava de ver. Uma bomba roubara àquele menino os seus braços.
Dom José Tolentino Mendonça
31.12.22
In: imissio.net
Os balanços são necessários. Esses recordam-nos que talvez exista no mecanismo da história (tanto aquela só nossa como a história do mundo) uma margem para aquilo que um pensamento aprofundado sobre a vida colhe sob a forma de ensinamento. Apesar de tantas vezes a história nos parecer blindada, predefinida e indiferente ao que possamos fazer, é decisivo pensar que não é assim. Vale a pena interrogarmo-nos sobre os caminhos percorridos. Vale a pena avaliar o tempo, o que fazemos dele e o que ele faz de nós. Não é o mesmo atravessar a vida sem realizarmos um verdadeiro confronto com a sua realidade ou, ao contrário, termos a audácia de manter os olhos abertos, disponíveis para interpretar a história não já como automatismo mas como construção.
Na mensagem para a jornada mundial da paz de 2023, o Papa Francisco propõe um balanço da crise da pandemia e recomenda que paremos para interrogarmo-nos. O Papa é muito claro: “Dos momentos de crise, nunca saímos iguais: sai-se melhor ou pior.” Por isso, são inexcusáveis as perguntas que nos guiam numa análise deste momento da história: que aprendemos nós com a emergência pandémica? Que caminhos novos sentimo-nos chamados a percorrer para ultrapassar a situação que nos conduziu até aqui? Sentimo-nos ou não capazes de ousar uma cultura capaz de pôr a pessoa humana no centro e de suscitar modelos de desenvolvimento mais respeitosos em relação ao planeta e às outras criaturas? Como podemos tornar melhor o nosso mundo?
Uma série de coisas tornaram-se mais claras. A primeira de todas é a compreensão reforçada de que as variadas crises que estamos a viver (sanitária, ecológica, económica, social...) estão no fundo interligadas e que somos chamados a um exercício de corresponsabilidade. A segunda é a consciência de que precisamos todos uns dos outros, que ninguém se pode salvar sozinho e que o nosso mais precioso recurso é a fraternidade. Nesse sentido, a medida mais urgente seria colocar no centro da arquitetura da existência a palavra “juntos”. A terceira é que precisamos de reaprender uma humildade fundamental no que respeita ao futuro. As expectativas que colocámos no progresso, na tecnologia e nas possibilidades da globalização revelaram-se desadequadas. O futuro pede-nos um artesanato humilde para refazermos a esperança num mundo melhor.
No seu discurso de aceitação do Prémio Nobel da Literatura, no ano de 2015, a jornalista e escritora bielorrussa Svjatlana Aleksievič contou várias histórias. De facto, quem já contactou com as suas obras não as esquece devido ao impacto que as histórias que relata têm em nós. Ela própria explica a sua missão como a de recoletora das histórias aparentemente minúsculas da gente comum. “Que faço eu? Recolho a vida do meu tempo. O quotidiano da alma. Aquilo que a grande história normalmente descura, aquilo a que não dá atenção suficiente. Eu ocupo-me da história descurada.” Ora uma das histórias acontece num hospital de Cabul, durante a guerra no Afeganistão. Uma comitiva de jornalistas visitava os civis feridos e levava presentes para as crianças. O hospital era uma enorme tenda. Os doentes estavam deitados por terra, cobertos apenas por uma manta. A escritora passou por uma mãe com um filho pequeno ao lado. Deixou ao miúdo um pequeno urso de peluche, mas achou estranho que ele tivesse recebido o presente agarrando-o com os dentes. Interrogou, por isso, a mãe: “Porque se comporta ele assim?” A jovem afegã baixou a coberta que tapava o corpo do seu filho. E então alguém teve de amparar nesse momento Svjatlana Aleksievič, porque ela desmaiou: não estava preparada para o que acabava de ver. Uma bomba roubara àquele menino os seus braços.
Dom José Tolentino Mendonça
31.12.22
In: imissio.net
Para teres paz, não podes semear a discórdia em teu redor. Por vezes, isso implica que tenhas de calar o que julgas. Se não os puderes ajudar, pelo menos deixa-os em paz. A tua própria tranquilidade depende disso. Pensar bem do meu vizinho evita muitos problemas.
Poucos são como tu, pelo que nem sempre é bom fazer aos outros o que gostaríamos que nos fizessem a nós. Deixa-os em paz, respeitando a distância. Aproxima-te, mas não para julgar.
Preocupa-te quando estiveres demasiado parecido com os outros. Todas as pessoas são diferentes e é isso que é natural, faz sentido e traz riqueza ao mundo.
Na verdade, há cada vez mais ondas, modas e movimentos para criar multidões de gente igual, seduzem quem não acredita que é único e prefere ser parecido com os outros e… diferente de si mesmo.
Muitas vezes nos enganamos a respeito de quem não conhecemos. Julgamo-nos bons a avaliar pessoas, quando, na verdade, são sempre mais os erros do que as boas intuições. Outras vezes, os outros só não são melhores porque não sabem como o ser ou talvez porque não querem… devido à muito comum falta de senso!
Quando um estranho te avaliar, não acredites. A tua identidade não depende, nem pode depender do que os outros pensam. O problema é ainda maior quando as opiniões alheias acabam por influenciar a imagem que construímos de nós mesmos e a estima que temos ou não sobre essa ideia do que somos.
Ganhas muito em não prestar grande atenção ao que os outros pensam, dizem e fazem. Perfeito seria se te concentrasses nas tuas ideias, palavras e ações.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 08.12.22
Imagem: pexels.com
Como se distingue o tempo perdido como experimentado ou desperdiçado? Se considerarmos o tempo como a medida da mudança, o que muda quando experimentamos o tempo? E que diferença existe relativamente a sentirmos que desperdiçámos tempo? Será que o tempo desperdiçado é tempo perdido porque nada mudou em nós? E será que o tempo experimentado é tempo perdido a mudar alguma coisa em nós?
Quando lemos as notícias sobre o COP27, a sensação que temos é a de que nada mudou, pelo que podemos pensar terem sido desperdiçados recursos materiais e temporais preciosos para toda a humanidade. António Guterres parecia isolado ao dizer que estamos a caminho do abismo com o pé no acelerador, mas esse pé está a actuar desde 1950 quando se identifica a época da Grande Aceleração. Uma época onde as pessoas passaram a agir como se não houvesse tempo a perder para desenvolver a tecnologia que poderia transformar as suas vidas. Mas o preço pago por esse desenvolvimento tecnológico foram os danos ambientais porque tudo o que se fez foi à custa do consumo de combustíveis fósseis e ninguém conhecia o perigo que isso representaria para o futuro. E agora sabemos? Talvez pudéssemos aprender a lição de que vale a pena perder tempo a pensar antes de agir.
Se nos voltarmos para o concreto da vida, um modo de pensar antes de agir é o que está na génese de criarmos uma lista das coisas que temos para fazer com o fim de perdermos o mínimo de tempo possível a pensar nisso. Existe muita bibliografia que nos ajuda a fazer isso como o "Getting Things Done (GTD) — Fazer Bem as Coisas" de David Allen, e workshops sobre gestão do tempo (eu próprio fiz várias para alunos de tecnologia) e mesmo se a ideia consiste em organizar melhor o nosso tempo, existe sempre aquela sensação de que a própria metodologia (qualquer que seja) pode tornar-se numa fonte de stress e ansiedade. Porém, pessoas como o físico Alan Lightman sugerem uma abordagem contra-intuitiva: perder tempo a desperdiçar tempo para construirmos a melhor versão de nós próprios.
Lightman argumenta pela importância de desperdiçarmos tempo porque a experiência do tempo não estruturada e sem objectivos pode ajudar-nos a mudar algo em nós, mas há uma condição: temos de nos desligarmos do mundo. A procrastinação que muitos se queixam de viver e que lhes impede de fazer as coisas atempadamente, como um curso universitário, pode servir para despertar a nossa criatividade, mas teríamos de nos desligar do mundo digital que nos bombardeia com informação a todo o momento. Procrastinar a pensar sobre a nossa vida, nós próprios e nos valores que nos orientam parece tempo desperdiçado, mas diria ser antes tempo perdido a situarmo-nos no tempo, e lugar onde estamos, para melhor compreendermos a direcção a tomar no futuro.
A mente precisa de viver tempo perdido a libertar-se do excesso de informação e entretenimento para desenvolver o seu lado mais criativo. O lazer de hoje, se estivermos atentos e conscientes disso, é um lazer atarefado com as inúmeras actividades (radicais ou não) que fazemos com a sensação de não termos tempo a perder, ou por estarmos na altura certa da vida para fazer certas coisas porque o tempo passa e não volta atrás. Mas o lazer organizado é diferente do lazer como tempo perdido a criar o espaço para a contemplação, seja essa de índole mais espiritual ou intelectual.
«Não tens tempo a perder.» — continua aquela voz dentro da nossa cabeça a dizer. — «Tanta coisa para fazer, e tão pouco tempo.» — dizia Jack Nicholson como Joker no primeiro filme do Batman que vi quando era jovem. E para muitas pessoas, essa postura parece-lhes ser a correcta para sobreviverem às dificuldades que vivem, seja de que natureza forem. Em linha com grandes urgências de acção como a das alterações climáticas, onde muitos apelam a não perder tempo para tomar as decisões acertadas, não parece fazer muito sentido pensar em tempo perdido diante das urgências.
É difícil lidar com as urgências, mas se voltarmos à percepção do tempo como medida da mudança, uma urgência pode levar-nos a reagir à mudança que o momento presente exige diante de nós. Por isso, por vezes, temos de perder tempo com as urgências e, talvez, perder tempo a pensar a posteriori nas razões dessas urgências caso verifiquemos que dependiam da orientação que demos à nossa vida e não tanto por via daquilo que os outros exigiram do nosso tempo. Por vezes, perder algum tempo a tomar consciência das nossas escolhas significa devolver à vida a linfa que provém dos momentos de pausa, paragem e respirar um pouco. Ninguém perde tempo a respirar, mas tempo perdido com o que tem mais valor pode dar-nos um novo respiro.
Miguel Oliveira Panão
In: imissio.net 17.11.22
Como se distingue o tempo perdido como experimentado ou desperdiçado? Se considerarmos o tempo como a medida da mudança, o que muda quando experimentamos o tempo? E que diferença existe relativamente a sentirmos que desperdiçámos tempo? Será que o tempo desperdiçado é tempo perdido porque nada mudou em nós? E será que o tempo experimentado é tempo perdido a mudar alguma coisa em nós?
Quando lemos as notícias sobre o COP27, a sensação que temos é a de que nada mudou, pelo que podemos pensar terem sido desperdiçados recursos materiais e temporais preciosos para toda a humanidade. António Guterres parecia isolado ao dizer que estamos a caminho do abismo com o pé no acelerador, mas esse pé está a actuar desde 1950 quando se identifica a época da Grande Aceleração. Uma época onde as pessoas passaram a agir como se não houvesse tempo a perder para desenvolver a tecnologia que poderia transformar as suas vidas. Mas o preço pago por esse desenvolvimento tecnológico foram os danos ambientais porque tudo o que se fez foi à custa do consumo de combustíveis fósseis e ninguém conhecia o perigo que isso representaria para o futuro. E agora sabemos? Talvez pudéssemos aprender a lição de que vale a pena perder tempo a pensar antes de agir.
Se nos voltarmos para o concreto da vida, um modo de pensar antes de agir é o que está na génese de criarmos uma lista das coisas que temos para fazer com o fim de perdermos o mínimo de tempo possível a pensar nisso. Existe muita bibliografia que nos ajuda a fazer isso como o "Getting Things Done (GTD) — Fazer Bem as Coisas" de David Allen, e workshops sobre gestão do tempo (eu próprio fiz várias para alunos de tecnologia) e mesmo se a ideia consiste em organizar melhor o nosso tempo, existe sempre aquela sensação de que a própria metodologia (qualquer que seja) pode tornar-se numa fonte de stress e ansiedade. Porém, pessoas como o físico Alan Lightman sugerem uma abordagem contra-intuitiva: perder tempo a desperdiçar tempo para construirmos a melhor versão de nós próprios.
Lightman argumenta pela importância de desperdiçarmos tempo porque a experiência do tempo não estruturada e sem objectivos pode ajudar-nos a mudar algo em nós, mas há uma condição: temos de nos desligarmos do mundo. A procrastinação que muitos se queixam de viver e que lhes impede de fazer as coisas atempadamente, como um curso universitário, pode servir para despertar a nossa criatividade, mas teríamos de nos desligar do mundo digital que nos bombardeia com informação a todo o momento. Procrastinar a pensar sobre a nossa vida, nós próprios e nos valores que nos orientam parece tempo desperdiçado, mas diria ser antes tempo perdido a situarmo-nos no tempo, e lugar onde estamos, para melhor compreendermos a direcção a tomar no futuro.
A mente precisa de viver tempo perdido a libertar-se do excesso de informação e entretenimento para desenvolver o seu lado mais criativo. O lazer de hoje, se estivermos atentos e conscientes disso, é um lazer atarefado com as inúmeras actividades (radicais ou não) que fazemos com a sensação de não termos tempo a perder, ou por estarmos na altura certa da vida para fazer certas coisas porque o tempo passa e não volta atrás. Mas o lazer organizado é diferente do lazer como tempo perdido a criar o espaço para a contemplação, seja essa de índole mais espiritual ou intelectual.
«Não tens tempo a perder.» — continua aquela voz dentro da nossa cabeça a dizer. — «Tanta coisa para fazer, e tão pouco tempo.» — dizia Jack Nicholson como Joker no primeiro filme do Batman que vi quando era jovem. E para muitas pessoas, essa postura parece-lhes ser a correcta para sobreviverem às dificuldades que vivem, seja de que natureza forem. Em linha com grandes urgências de acção como a das alterações climáticas, onde muitos apelam a não perder tempo para tomar as decisões acertadas, não parece fazer muito sentido pensar em tempo perdido diante das urgências.
É difícil lidar com as urgências, mas se voltarmos à percepção do tempo como medida da mudança, uma urgência pode levar-nos a reagir à mudança que o momento presente exige diante de nós. Por isso, por vezes, temos de perder tempo com as urgências e, talvez, perder tempo a pensar a posteriori nas razões dessas urgências caso verifiquemos que dependiam da orientação que demos à nossa vida e não tanto por via daquilo que os outros exigiram do nosso tempo. Por vezes, perder algum tempo a tomar consciência das nossas escolhas significa devolver à vida a linfa que provém dos momentos de pausa, paragem e respirar um pouco. Ninguém perde tempo a respirar, mas tempo perdido com o que tem mais valor pode dar-nos um novo respiro.
Miguel Oliveira Panão
In: imissio.net 17.11.22
As idealizações permitem-nos ter sonhos, imaginar uma casa, uma vida que gostaríamos de ter. As expectativas permitem-nos ter esperança, semeiam cá dentro uma espécie de querer que quase rima com conseguir. E a realidade é o que temos a cada dia e o que nos vai sendo dado (ou permitido) viver.
O problema é quando idealizamos o que não depende de nós. Idealizamos o comportamento de uma pessoa, as suas atitudes, aquilo que gostávamos que nos desse… e adequamos, erradamente, as expectativas correspondentes. O perigo é muito claro: quando idealizamos o que não está no nosso controlo corremos o risco de criar uma realidade que nunca será viável, ou possível. Quando criamos expectativas que só existem na nossa cabeça e não rimam com nenhuma ponta da realidade, estamos a desenhar uma alternativa que pode nunca se concretizar.
Então, o que nos sobra? Viver em tons de cinzento uma realidade, tantas vezes, difícil?
Sim. Mas ninguém nos obrigada a aceitar o cinzento. Podemos escolher um azul ou um vermelho. Ou ser audazes e arriscar um branco quase contrário ao que todos querem e esperam. A realidade não tem de ser olhada de forma conformada, tristonha e pouco esperançosa. O que não podemos é viver enganados.
Com esperança, mas com os pés no chão.
Com ânimo, mas sem positividade tóxica.
Com tristeza, quando for para a sentir.
Com coragem, mas sem acreditar que podemos tudo, sempre.
Com alegria, mas sem deixar de sentir comoção pelas misérias alheias.
Com cabeça, mas a dar espaço para a alma.
De braços abertos e com os pés a caminho.
Um dia de cada vez.
Educação pública e gratuita, laica e inclusiva, equitativa e de qualidade com financiamento adequado e para todos, é o que se espera de um governo.
O que temos? Uma gestão da educação marcada por cortes bilionários no orçamento e intermináveis escândalos de corrupção. O governo elegeu os professores, a educação e as universidades públicas como inimigas. Tira-se do MEC (Ministério da Educação) para engordar o “orçamento secreto” das emendas do relator. São bilhões desviados na busca da reeleição! Esvaziamento do Enem.
Cinco ministros da educação em quatro anos! Em 2022 são R$ 18 bilhões a menos em relação a 2019. A previsão para 2023 é um corte de R$300 milhões. O dinheiro previsto para construção, ampliação, reforma e adequação de escolas caiu de R$119,1 milhões para R$3,45 milhões. O programa Caminho da Escola tem R$428 mil de recurso previsto. Um ônibus escolar novo pode custar R$250mil.
Na Semana da Criança, falemos da educação infantil. O valor da merenda escolar não foi reajustado nenhuma vez. Crianças são carimbadas para não repetir a merenda, faltam insumos para prepará-la. O presidente vetou reajuste para a merenda aprovado no Congresso em agosto. A volta da fome impacta na educação. Quem estuda com fome? Onde estudar quando o investimento em novas creches caiu 80%? Apenas 12 creches foram entregues desde 2019. Seis delas são reformas ou ampliação das existentes. No orçamento de 2023, a previsão é retirar R$ 1 bilhão da educação básica.
Governo inimigo do ensino superior. Milhões foram cortados em investimento na reestruturação e modernização das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), em projetos de tecnologias aplicadas e extensão tecnológica, em fomento à pesquisa e desenvolvimento de tecnologias digitais, em apoio à graduação, pós-graduação, ensino, pesquisa e extensão. Negar a ciência é aniquilar o futuro.
Professores são tratados como inimigos do governo. Responsáveis em transmitir ciência e conhecimento, engendrar pensamento, contribuir na formação da consciência e da cidadania, nunca foram tão atacados. Houve um corte de 95% no orçamento destinado a capacitação dos profissionais da educação. O valor de R$136,9 milhões caiu para R$6,4 milhões.
E a corrupção no MEC? A lista é grande. Em 2019 a CGU apontou irregularidades em licitação de R$ 3 bilhões. Em 2020 o MEC contratou uma empresa para fornecer kits escolares envolvida em esquema que desviou R$ 134,2 milhões da saúde e da educação na Paraíba. Ano passado o governo manteve pagamentos a faculdades suspeitas em fraudar o Fies. 2022 começou com propina em bíblias e barras de ouro a pastores neopentecostais negociando liberação de verbas para prefeitos. Uma “organização criminosa” dentro do MEC, disse a Polícia Federal. O ministro acabou na prisão.
O golpe na educação e na ciência já foi dado. Tudo isso em um ambiente de degradação de uma sociedade que naturalizou o inaceitável e perdeu a capacidade de indignar-se com tanta indecência.
A educação é fundamental para a construção e o desenvolvimento de uma sociedade mais justa. “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Constituição Federal, Artigo 205).
Analfabetismo, analfabetismo funcional, baixa qualidade do ensino público, ensino inclusivo, péssima remuneração dos professores, falhas na tecnologia, evasão escolar, etc., são problemas que já deveriam ter sido superados. Mas, “a crise da educação não é uma crise, é um projeto” (Darcy Ribeiro).
Quando a educação será prioridade? É o que pede a Carta Compromisso pelo Direito a Educação nas Eleições 2022. O documento que contêm 40 compromissos (Carta_Compromisso_ok[3421].pdf ) foi assinado por apenas 504 dos 26.656 candidatos, 315 deles foram eleitos e quatro estão no segundo turno.
Eleição exige discernimento. A educação deveria ser um critério prioritário no momento de escolher o candidato. Qual a proposta do seu candidato para a educação?
Qual educação nós queremos? Não basta educar para uma qualificação profissional. Educar para a cidadania, para a paz, para a humanização: “Nunca, como agora, houve necessidade de unir esforços numa ampla aliança educativa para formar pessoas maduras, capazes de superar fragmentações e contrastes e reconstruir o tecido das relações em ordem a uma humanidade mais fraterna” (Papa Francisco).
Mais livros, menos armas. Mais escolas e bibliotecas, menos clubes de tiro. Interromper a barbárie tornou-se a questão mais urgente da educação. Combater os retrocessos na educação pública é vital para o futuro do país.
“Educar é sempre um ato de esperança que convida à participação, transformando a lógica estéril e paralisadora da indiferença numa lógica capaz de acolher a nossa pertença comum… é um dos caminhos mais eficazes para humanizar o mundo e a história” (Papa Francisco. Pacto Educativo Global).
“Não nascemos humanos, nos tornamos humanos pela educação” (Hannah Arendt).
Pe. Élio Gasda SJ
professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE
in: portal da FAJE - https://faculdadejesuita.edu.br/quando-a-educacao-sera-prioridade/
A morte aparece-nos sempre como algo distante. Não a tomamos como natural, pelo menos em nós mesmos e naqueles que amamos. Julgamo-la como algo inevitável, mas apenas para os outros, nunca para nós. Como se estivéssemos certos de que algures no futuro alguma coisa de sobrenatural nos confirmará que nós, afinal, não precisamos mesmo de morrer.
Talvez por isso nos sintamos traídos ou pelo menos desiludidos quando alguém próximo nos morre. A pessoa morre e morre-nos. Também porque o seu vazio nos obriga a ver a verdade nossa existência de forma menos ingénua.
Só se vive de forma plena quando se integra no coração a certeza de que a vida neste mundo é finita. Tal como teve um começo, terá um fim. Pode ser um fim esperado, talvez daqui por muitos anos ou súbito, trágico e inesperado daqui a pouco tempo… E nem sequer vale a pena buscar o porquê ou a justiça da hora da morte. É assim.
Só quem sabe o que é a morte saberá o que é a vida. Como seria bom se todos tivéssemos tanto medo da morte como de uma vida medíocre. Talvez vivêssemos mais.
A morte talvez seja um ponto na eternidade onde deste mundo se passa para outro, do qual este já faz parte, apesar de haver muita gente que o ignora.
Há até quem acredite, com uma fé convicta e imensa, que chegámos à vida sem qualquer sentido, a não ser o acaso, e que a morte é o fim absoluto da pessoa. Ou seja, que não passamos de uma espécie de coincidência insignificante do universo que, todo ele, não tem nenhum sentido ou razão.
Mas mais do que compreender a vida em geral, importa é viver a vida que está ao meu dispor. Não desperdiçando o tempo, porque o objetivo da minha vida não é morrer, mas é que eu seja feliz.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 12.08.22
Ocupamo-nos demasiado da vida dos outros. Vivemos para nos comparar com o que os outros fazem, com os carros que os outros têm, com as casas bonitas que compraram, com as famílias perfeitas que aparentam ter, com os empregos de sonho que conseguiram, com as férias paradisíacas publicadas no instagram.
Enquanto nos vamos comparando e julgando à luz do que cremos que os outros são, estamos a viver mal e a viver pouco. Estamos, mais ainda, a viver uma ilusão que nos deixa infelizes e desanimados.
A comparação e o desejo de ter isto ou aquilo que o outro tem é inevitável, mas a vida alheia não pode ser premissa para a nossa própria vida. A verdade é que, muitas vezes, o que julgamos ver e encontrar na vida dos outros pode não existir realmente. Aquilo que vemos é só o que os outros nos deixam ver e isso quase nunca corresponde à verdade toda.
Mas não há vidas melhores que a minha?
Depende daquilo em que estás a pensar quando fazes essa pergunta mas, na realidade, cada vida e cada experiência é diferente da outra e os desafios inerentes a essa realidade podem ser exigentes numa medida que a tua compreensão não alcança.
Mais do que viveres a tua vida para alcançar algo parecido com o que os outros parecem ter ou alcançar, é importante que vivas, experimentes e construas a vida que queres.
A vida que te faz feliz.
A vida que te deixa adormecer em paz.
A vida que rima com os teus princípios e com a tua consciência.
A vida que te foi dada e que pode ser preenchida com o que bem te apetecer.
A vida que não pertence a mais ninguém.
Enquanto vivermos de aparências, de comparações e de falsas e irremediáveis expectativas não me parece que estejamos a experimentar uma existência justa e condizente com aquilo que merecemos.
Às vezes também chove e há tempestade nas férias paradisíacas.
Às vezes o emprego de sonho é um esqueleto de sentidos e de realização pessoal.
Às vezes o carro é emprestado.
Às vezes a casa está vazia.
Queres uma vida bonita?
Vive a tua.
Marta Arrais
In: imissio.net 20.07.22
Se uma qualquer desgraça se abateu sobre ti e com ela lutas a cada dia, então, talvez seja bom não julgares que a vencerás hoje. Aquele que assume que a guerra durará, não perde tempo nem ânimo com as desilusões que lhe causam as vãs esperanças.
Se hoje o teu dia é bom, então talvez seja muito bom vivê-lo ao máximo, enquanto não passa o tempo e, com ele, o teu bom momento.
Assim, quer o teu hoje seja bom ou mau, importa que aprendas a viver e a preparar-te para os tempos que hão de vir.
Se o amanhã for mesmo tão duro quanto o previste, eis que não te surpreenderá e lutarás mais atento e calmo.
Quem se prepara para perder o que tem de melhor na vida, toma-o hoje como é, precioso.
Se o amanhã for mesmo muito bom, serás ainda mais grato, porque aqueles que passam a vida a sonhar que a vida lhes reserva apenas dias bons, vivem a maior parte da sua vida em grande frustração e adiamento, e mesmo quando a vida lhes dá o que desejaram, sentem apenas alívio… e começam logo a sonhar ainda mais alto.
És tu que escreves o teu destino. Com o que decides hoje. Com a tua atitude e com o aquilo que fazes face aos bons e aos maus tempos. Não escolhemos o que nos acontece, mas somos chamados a escolher a nossa resposta a cada coisa que chega à nossa vida.
O tempo da tua vida é-te dado aos poucos. Aproveita cada dia. Como se fosse o primeiro, sem passado algum a pesar-te. Como se fosse o último, sem nenhum futuro para onde te adiares. Como se fosse o único… que, na verdade, é mesmo!
José Luis Nunes Martins
in: imissio.net 26.05.22
imagem: pexels.com
A associação do luto às lágrimas é resolução do luto é assim um assunto de vida, um longo trabalho atestada pela etimologia da própria interno que requer uma força enorme, que não é imediata, palavra. De facto, luto deriva do verbo nem óbvia. E que, diga-se a verdade, não encontra sempre latino lugere que significa chorar. uma aliada na sociedade contemporânea, que tendo feito da Talvez na memória que conservamos morte um interdito cultural do qual não se fala, também perdeu dos nossos lutos seja essa recordação, competências em relação ao luto. Uma sociedade desritualizada a das lágrimas, a prevalecer, mesmo como a nossa demite-se de pensar ferramentas que ajudem os se elas representam apenas uma indivíduos a percorrer caminhos de maturação e de sentido espécie de grafia ágil para uma para experiências, no fundo, tão comuns. Temos um vocabulário experiência emocional mais vasta, capaz de descrever o que se sente no luto (estado de choque, incomensuravelmente mais lenta, negação, raiva, culpa, depressão, tristeza...), mas faltam-nos que nos faz mergulhar desamparados gramáticas e práticas colaborativas que permitam ir mais longe, em alguma coisa que sem apelo percepcionamos como concentrando-se não tanto na pergunta da partida (“por que perda, como violento esvaziamento que nos estilhaça, como é que ele/ela partiu?”) quanto na redescoberta do dom que o vertiginosa separação. As nossas lágrimas, por mais singulares outro não deixa, mesmo na morte, de representar. Elaborar o que nos pareçam, tenham elas a forma que tiverem, são a nossa participação nas lacrimae rerum, nas lágrimas das coisas ou que existem nas coisas, como escreveu Vergílio na “Eneida”, abordando os fardos que a morte impõe. Pois nada existe que não chore. Quando choramos, somos nós que choramos, mas é também o planger do mundo, o rumor do seu prantear em nós, o seu choro forçoso diante do pensamento da morte universal. Mas as nossas lágrimas não nos conectam imediatamente a um sentimento fusional. Pelo contrário. Choramos porque o luto nos destaca drasticamente de tudo, nos torna irremediáveis apátridas, cuspidos para fora de órbita, feridos por uma dor irreparável e sem a poder gritar, numa abrasiva solidão que, uma vez deflagrada, não nos larga mais.
O luto precisa de tempo e de elaboração. Tempo paciente e esperançosa elaboração. É sabido como as emoções sufocadas, sobre as quais não se elaborou suficientemente, mais cedo ou mais tarde reclamam o seu direito e, não raro, de uma maneira convulsiva, que compromete a própria saúde psíquica. A luto significa transitar do “sem ele/ela” para um “graças a ele/ ela”. A questão que alavanca a viragem é, desse modo, “por que é que ele/ela veio?”
Mas este trânsito precisa de facilitadores. Sobreviver a um filho que morre é um acontecimento indescritível. A monumentalidade plangente da escultura da “Pietà” é disso que fala. O filósofo Edgar Morin, agora centenário, diz ainda hoje que a morte da mãe, ocorrida quando ele tinha a idade de nove anos, foi a sua “Hiroxima interior”. Alguém pode imaginar o que isso significa? Por isso, são de valorizar diferentes experiências que começam a surgir e que se agregam em torno ao desejo de ativar laboratórios de consolação. Em Itália, por exemplo, no vale do Casentino, entre Arezzo e Florença, vi uma vez um bosque de amendoeiras que vai sendo plantado por pais que perderam os filhos. O guia explicou-me que era o jardim dos filhos perdidos. Mas quando me aproximei, havia uma placa com outro nome: “Jardim da Ressurreição”.
Dom José Tolentino Mendonça
7.02.22
In: imissio.net
O tempo nunca parou, nem vai parar. Não espera por ti, nem por ninguém. Só se compreende a vida olhando para o passado, mas só se pode viver a olhar para a frente. Não é possível compreender a vida ao mesmo tempo que se vive.
Sermos quem somos passa por estar neste mundo onde tudo pode mudar a qualquer instante, sem que sequer tenha de fazer sentido. Não há muitas certezas, mas uma delas é que pouco é certo.
O amanhã é um vazio onde habita o infinito. Tudo é possível. Um universo de horizontes imensos, porque tudo é sempre novo, único e autêntico.
A eternidade cabe num só instante. Neste preciso segundo, em que lês este texto, está a acontecer por todo o mundo um número sem fim de acontecimentos, milhares de milhões de pessoas vivem de forma diferente e singular esta migalha do tempo.
Aquieta-te por apenas um minuto. Sentes a vida a soprar em ti? Já compreendeste que viajas à velocidade da luz rumo a um amanhã sem fim? Sabes que és tu quem escolhe o caminho?
Nenhum de nós sabe quem será, mas podemos saber quem somos e o que queremos. Depois, é apontar cada passo em direção ao sonho.
Não esperes pelo tempo, porque quem cria o futuro és tu.
Sê prudente, a vida é um diálogo permanente entre nós e o mundo, em que importa muito saber qual o momento certo para cada coisa, sendo que nunca é tempo de apenas esperar.
Quem espera e desespera pelo futuro não é feliz, talvez porque não saiba o que fazer no presente…
O futuro não é lógico, mas quem olha para o seu passado com atenção sabe sempre um pouco mais. Atenta na tua história, que importância teve o que fizeste antes das coisas acontecerem? Não está o futuro já aqui, embora de forma disfarçada?
Aprende a viver o presente com alegria e com tristeza, mas não com euforia ou desespero. Concentra-te no que podes fazer para que até o impossível deixe de o ser… dessa forma, mesmo que não realizes os sonhos, terás sempre razões para sorrir e para seres feliz, apesar de tudo.
A tua vida é um dia a dia, até ao dia em que terás de saltar para a eternidade.
José Luis Nunes Martins
In: imissio.net 17.12.21
Essa expressão, pecado, que continua a circular entre nós, ao lado da sua abordagem mais diretamente religiosa, pode ser considerada um lugar de onde a existência humana, sempre paradoxal, ganha alguma visibilidade. São sete os pecados considerados capitais na tradição católica: Inveja, Gula, Ira, Avareza, Luxúria, Preguiça (Acídia, Melancolia) e Orgulho. São mencionados em mais de uma tradição religiosa, e em algumas tradições voltadas para a sabedoria; essa onipresença deve nos lembrar que, para além da diversidade das culturas e das histórias de cada um de nós, estão inscritos na condição humana, da qual pretendem ser uma espécie de mapa. São avessos à vida comunitária, assinalam o desconhecimento de qualquer alteridade e indicam uma voracidade individual ilimitada. A avareza guarda e acumula sem cessar, a inveja visa menos a busca do bem por quem a sente e mais a destruição de quem invejamos, o orgulho nada vê além de si, exigindo uma submissão generalizada.
Apesar de terem em comum um abuso, um deslizamento para além dos limites, uma impaciência que recusa os desafios da autonomia que nos humaniza, há entre eles diferenças que devem merecer nossa atenção. Há os que parecem não conter qualquer prazer mais direto – Inveja, Ira, Avareza -, há os que, mesmo podendo ser autodestrutivos, envolvem um espaço de prazer legítimo – Gula, Luxúria - , há os que parecem mais simples – Preguiça – e há o que talvez seja o mais grave de todos – Orgulho. Vou me ater, rapidamente, a um deles, a Luxúria, tradicionalmente visto como o de combate mais difícil, aquele sobre o qual o interdito é mais explícito.
Se o interdito aqui é mais explícito, e é, toda violação parece provir da liberdade, o que tornaria dispensável qualquer reflexão, bastando garantir o direito a quem o reclamar. Entretanto, nada do que é humano é assim, nada passa sem o registro simbólico. O mesmo desafio presente nos demais pecados aqui está presente e, talvez, em níveis mais profundos. Aqui a luta pela autonomia, a busca de quem somos, a aventura da existência, assume contornos mais dramáticos.
Lidamos com a sexualidade como quem lida com algo que nos é desconhecido e, simultaneamente, familiar. Ora, diante disso, não poucas vezes, o receio nos leva a um esforço de banalização, que parece a muitos a única alternativa diante disto que nos excede e mobiliza sem cessar. Assim, de várias formas, que vão da desatenção à obscenidade, nós a desumanizamos. Não porque a acolhemos, mas porque a condenamos.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
26.11.21
Orações são uma busca de intimidade com o Sagrado. Há as que constam das liturgias conhecidas, mas nem por isso outras, ainda desconhecidas, deixam de aparecer em lugares os mais insuspeitos. Toda intimidade é conquistada à custa de levantarmos o véu de nossos hábitos, que escondem a estranheza inseparável da realidade e sua sempre renovada face, às vezes tornada visível num poema, num romance, num rosto inesquecível, numa música que nos invade e desnorteia. Outras vezes a intimidade irrompe em meio ao silêncio da noite avançada ou numa simples manhã, inesperadamente.
Kafka é um desses lugares onde, em meio aos seus aforismos, encontramos pequenos bilhetes orantes. Com um deles aprendemos que somos marinheiros (“Esta sensação: não vou ancorar aqui -e logo sentir à sua volta a corrente ondulante que nos leva!), noutro somos lembrados de “Duas possibilidades: fazer-se infinitamente pequeno, ou sê-lo. A segunda é perfeição, logo inação, a primeira é começo, logo ação.” Cada um dos bilhetes aponta para a espiritualidade naquilo que ela tem de essencial, ou seja, a lembrança de que, em meio à vida, permanecemos habitados por algo que nos ultrapassa e a que, paradoxalmente, também pertencemos. Kafka, ainda uma vez: “ Existem dois pecados mortais do Homem, de onde derivam todos os outros: a impaciência e a indolência. Foi por causa da impaciência que foram expulsos do Paraíso, é por causa da indolência que não voltam para lá. Mas talvez exista apenas um pecado mortal: a impaciência. Por causa da impaciência foram expulsos, por causa da impaciência não voltam para lá.”
Ricardo Fenati
17.11.21
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Em algum texto Kierkegaard, o filósofo e teólogo dinamarquês, nos lembra que a alma é conquistada pela paciência. E paciência, como sabemos, é acolhimento, espera, tempo que passa lentamente. Muitas vezes, apressados como tendemos a estar nos dias que correm, exigimos que tudo se esclareça mais rapidamente, que basta encontrar as palavras e a realidade nos será entregue. Às vezes é assim, mas não sempre, e nunca nas questões e nos momentos mais decisivos da vida.
Paciência é espera, mas não só. Não é como uma viagem longa que suportamos. Numa viagem assim, sabemos onde chegaremos e quando chegaremos, mesmo com eventuais atrasos. E mais: ao longo do caminho, vamos confirmando o itinerário. A paciência de que fala Kierkegaard, a paciência necessária à busca da alma, é outra, assemelha-se mais à paciência da semente, que antes de vir à luz, tem sua hora longa de incerteza sob a terra. Não é o movimento de um lugar a outro, mas uma descoberta, quase um nascimento. Mas é verdade que não estamos habituados a esse ritmo, que começa sempre pela partida, pelo abandono, pela passagem, como diz o Evangelho, à outra margem. E nessa hora, mais do que um esforço, cabe a nós, apesar do medo, acolher a confiança naquilo que, silenciosamente, opera-se em nós e que chamamos de alma.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
11.11.21
Entre os novos direitos reivindicados, alguém bem que poderia incluir o direito ao silêncio. Não o silêncio quando é a palavra que se torna necessária e nem o silêncio imposto a aqueles cuja voz jamais deveria ser silenciada. O silêncio de que falo é esse que permite a escuta e propicia a reflexão, esse que recusa a pressa da palavra, sempre ansiosa por ocupar todos os espaços. Um outro silêncio, o que ao invés da palavra, mesmo a bem intencionada, sustenta a contemplação silenciosa e reverente do mistério que nos envolve, sejam as pequenas epifanias do cotidiano, seja o espanto maior diante do milagre da existência. Talvez o silêncio vá adiante e nos mostre que, para além da gramática que organiza e disciplina a linguagem, há um ritmo nos sentimentos, há aí uma ordem sutil, que o cuidado propiciado pelo silêncio permite acompanhar. O silêncio distende o tempo, amplia o espaço e permite que sintamos os mundos que brotam na mesma medida em que guardamos nossas palavras.
Uma tradição conhecida lembra que ao nomearmos Deus, não é Deus que nomeamos. É bem possível já que nossas palavras, que tanta serventia mostram, aqui são de pouca ajuda. O silêncio não é mais eloquente aqui, onde tudo o que temos é o rumor inesgotável que vem de Deus?
Ricardo Fenati
03.11.2021
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Um desses ditos célebres, que de tanto repetidos já não se sabe a autoria, lembra que muitas vezes podemos ser punidos justamente pela nossa virtude maior. Donde vem a razão disso, uma vez que virtudes são um bem a ser buscado? Assim a paciência é preferível, à ira, a humildade ao orgulho e generosidade à avareza.
Virtudes, entretanto, são traços humanos e nossa humanidade a tudo marca, em tudo está presente. E onde estamos está nossa ambivalência, nossa incompletude, nossa escuta interminável de nós mesmos e, tantas vezes, nosso desejo de uma identidade mais plena, que nos livre dessa abertura que nos constitui e com a qual temos que nos haver. Ora, nosso esforço em direção a uma virtude – seja a bondade, a generosidade, a humildade ou outras ainda – pode despertar o sempre possível orgulho em nós e nos levar a uma traiçoeira convivência com nossas virtudes. Imaginando-nos na posse absoluta de um bem – por exemplo, sempre generosos – acabaremos derrubados mesmo aí onde nos sentíamos completamente em casa. Não é dada à condição humana nenhuma espécie de perfeição, somos sempre alguma mistura em andamento, a propósito da qual cabe esperar que o melhor prevaleça, ainda que não sempre. A pretensão de rejeitar inteiramente o mal, desconhecendo quem somos, desencadeará, como a história de todos nós e mesmo a história geral registram, um mal ainda maior. Como sempre, a vigília paciente, silenciosa e acolhedora é mais própria do humano do que a ilusão da perfeição.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
27.10.21
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Simone Weil tem razão quando diz que de dois homens que não fizeram a experiência de Deus, o que o nega é talvez o que está mais perto dele? Parece que não, já que é nosso hábito considerar o ateísmo o ponto mais distante em relação a Deus. Não apenas distância, negação mesmo. Mas não há uma provocação nesse quase paradoxo? Não se pode dizer que, não poucas vezes, o Deus que alegamos existir, e que opomos ao ateísmo, é apenas uma extensão de nós mesmos, de nossas necessidades, de nossos temores, de nossas expectativas, de nossas crenças mais apressadas? Enfim, um Deus concebido segundo a medida humana. Por outro lado, não é mais do que legítimo que perguntemos ao ateu qual é o Deus que ele nega existir? Alguma coisa pode ser feita no sentido de examinar as ideias sobre Deus, sobretudo recorrendo à história da teologia, seja no que diz respeito às visões mais próximas da razão, seja no que diz respeito ao material vindo da tradição mística. Como a esse respeito há mesmo no que nós poderíamos chamar de camadas ilustradas muito desconhecimento, esse exercício será sempre aconselhável.
Entretanto, a provocação do que é dito por Simone Weil nos leva mais longe. Como a noção de experiência é hoje entendida quase exclusivamente no sentido das ciências (controle, repetibilidade, etc.), campos onde a experiência não cabe nesse figurino acham-se permanentemente sob suspeita. Nesses casos, mesmo que não se recuse a aceitar a experiência, ela é vista como destituída de caráter objetivo, passando a pertencer unicamente à esfera da subjetividade.
Daí a importância da citação da pensadora francesa e, para nós, a necessidade da insistência na natureza objetiva ou real da experiência religiosa, lugar natal e irredutível de toda reflexão sobre a religião
Ricardo Fenati
06.08.21
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De algumas palavras parece que só conhecemos aquilo a que se opõem. Paz talvez seja uma dessas palavras. Sabemos o que é a guerra, seja no sentido literal, seja nas múltiplas situações onde o desentendimento, a discordância e a contraposição ultrapassam qualquer possibilidade de pactuação. Não que o desentendimento ou a contraposição devam ser evitados a qualquer custo, de modo algum, ou que a paz seja necessariamente a meta a ser buscada. Uma certa dimensão conflitiva faz parte de nossa humanidade e das formas que assumem as comunidades humanas.
O que pretendo é que conversemos um pouco sobre a experiência da paz, não quando ela se ausenta, isso já sabemos, mas o que a caracteriza, que traços traz consigo quando ela se apresenta. Penso que o seu primeiro e mais fundamental componente é o sentimento de pertencimento, o reconhecimento de que há em nós, no que temos de mais íntimo, algo que nos ultrapassa. Outra experiência que está associada ao sentimento de paz é a amorosidade, essa disposição que faz de nós jardineiros cuidadosos, conosco, com as outras pessoas e como mundo. E talvez a paz esteja associada também à gratidão, esse sinal de que nos lembramos de quando fomos socorridos ou presenteados além do seria justo esperar. Assim, pertencer, então, parece ser um movimento incessante entre o que recebemos do que a nós excede e o que somos capazes de levar adiante.
Talvez a paz, a paz enquanto experiência humana, decorra desse movimento.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
28.06.2021
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