Pondé, Luiz Felipe. Os dez mandamentos (+um). Aforismos Teológicos de um Homem Sem Fé.
Editora Folha.
Você, leitor (a), que tem bons motivos para gostar de teologia, leia. E você, leitor(a), que não vê porque ler qualquer coisa de teologia, e tem à mão razões para isso, leia também. Em ambos os casos, é o que acho, não faltarão surpresas. A começar pelo título, teologia escrita por um homem sem fé. Não se apresse, talvez a fé não seja o único acesso a Deus. Não, não pense que o livro vá pelo caminho da razão, longe, muito longe, disso. Então, aproveite para reconhecer que o vai e vem entre a razão e a fé não é tudo. Trata-se, é o autor que o diz, de teologia selvagem. Começa lembrando que “ Este livro foi escrito por um homem que não recebeu o dom da fé. Caminho nos campos do Senhor, como diz a Bíblia, como um cego em um jardim”. Se está longe, como diz, das religiões institucionais, não está menos longo do ateísmo, considerado como uma operação intelectual banal, quase infantil. Entre suas companhias estão Kazantzakis, Nietzsche e Dostoievski, que sabem todos que, cito Pondé, “que o homem é mais interessante quando se perde”. E se o livro é um comentário da Bíblia, é preciso lembrar que “O mundo, aliás, está repleto de descrentes que compreendem melhor a Bíblia do que os teólogos. Tanto mais que, atualmente, a teologia se tornou “a louca da casa”, envergonhada de sua própria fé. Transformou-se em uma lacaia das modas intelectuais, querendo ser aceita por marxistas, freudianos e foucaultianos, em um mundo afogado em ressentimento e onde todos são mimados e todos se ofendem.”
Aqui a teologia é brota da aventura humana, dessa disposição de buscar “a intimidade com Deus e a coragem de viver com Ele.”
O comentário de cada um dos dez mandamentos e a sugestão da inclusão de mais um, veja qual, é feito a partir de um mesmo princípio, “aprender a ser um homem e uma mulher diante do Eterno”. Não parece que a leitura vale a pena?
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
Edições Paulinas
Autor: José Tolentino Mendonça
A Leitura Infinita: A Bíblia, lugar de reflexão sobre as raízes da nossa civilização
“A Leitura Infinita – Bíblia e Interpretação” (Edições Paulinas 2015) de José Tolentino Mendonça é uma reunião de ensaios sobre teologia e exegese bíblicas que, longe de ser um conjunto hermético e dificilmente compreensível para o leitor comum, é uma agradável oportunidade para uma reflexão não apenas religiosa, mas também sobre as raízes da nossa civilização. Se é certo que há uma perigosa ignorância sobre a razão de ser de muitas atitudes e valores culturais ligados à sociedade e à história em que vivemos e de que somos fieis depositários, não é menos verdade que estamos confrontados com o desafio necessário e obrigatório de sabermos mais sobre de onde vimos e para onde vamos como sociedade e como cultura. E esta obra permite-nos tomar contato com um manancial muito rico de elementos, servidos por uma escrita extraordinariamente clara e belíssima, que nos permitem saber muito do que devemos saber, muito para além da superficialidade com que tantas vezes somos servidos, em domínios tão sérios como estes…
Temas muito atraentes
José Tolentino Mendonça fala-nos da Bíblia como deve ser referida, como uma inesgotável biblioteca, e não como um livro único – contra o qual Tomás de Aquino sempre alertou. Como afirmou William Blake, “A Bíblia é, de fato, o grande código da cultura ocidental”, e é confrangedor depararmos tantas e tantas vezes com a atrevida ignorância dos que encaram essa obra inesgotável como um livro fechado, ultrapassado ou piegas. “É um reservatório de histórias, um armário cheio de personagens, um teatro do natural e do sobrenatural, um fascinante laboratório de linguagens”. Ao longo da obra prevalece a ideia de que a Bíblia é um labirinto ou um caleidoscópio, em que se entra e se sai sempre com sensações e impressões diferentes. E porquê? Uma vez que, a cada passo, lemos, em vários tons e declinações, a essencial interrogação sobre a vida e os seus enigmas. Começamos, naturalmente, pelo elogio da leitura – que tem a palavra no início (“tanto a hermenêutica judia como a cristã construíram itinerários minuciosos para a leitura, que, repentinamente, prolifera, ganha sentidos, voos ínvios, desdobramentos”) e põe em relação permanente o sublime e o quotidiano. “Claro que na Bíblia abunda o sublime”, mas o realismo da vida comum torna esse sublime ordinário e quotidiano. E assim tudo se passa como se entrássemos num jardim, entre árvores frondosas e plantas frágeis, entre incompreensíveis arbustos silvestres e buxos muito bem cuidados pelas mãos sábias de jardineiros estetas, e procurássemos as pequenas identificações de cada uma das peças desse museu natural. Depressa verificaremos que estamos sempre entre o misterioso, o familiar e o desconhecido, entre o compreensível e o incompreensível, mas se estivermos despertos descobriremos muitas coisas extraordinárias, que poderão revelar-nos tal como somos. Trata-se, afinal, de “um livro sempre por ler” – e o “sentido da narrativa é o resultado de um processo, ou ‘drama de leitura’. O texto é um acontecimento vivido pelo leitor, mas o ‘drama da leitura’ não é um acto arbitrário ou ingénuo. Deve, por outro lado, respeitar as convenções que o próprio texto fornece. E, por outro lado, enquanto leitura narrativa, não elimina, antes convoca, o auxílio de outros métodos, sincrónicos e diacrónicos”. “Leitura infinita” não é, assim, um mero jogo de palavras, é um apelo permanente à diversidade, ao pluralismo, à abertura, aos enigmas. “A indeterminação suscita no interior do ato da leitura uma dinâmica que é de revelação e que é igualmente a Revelação”.
Um imenso vocabulário
Foi Paul Claudel quem falou de um “imenso vocabulário” como identificador da Bíblia, no sentido de que aí poderemos procurar os significados incertos e improváveis dos vários enigmas que a vida nos vai revelando. Daí que o Livro se torne “perigoso”, uma vez que nos coloca perante o que somos, não como realidade idílica, mas como realidade complexa, onde Deus e o Diabo coexistem, para usar uma expressão tão cara a José Régio. E se nos lembrarmos do “clímax” da obra-prima de Carl Dreyer, “Ordet” (A Palavra) depressa descobrimos que a narrativa reserva-nos o inesperado e o insondável, num curso de acontecimentos em que a ironia se junta à tragédia (como em Evelyn Waugh), em que o sublime surge do vicioso (como em Graham Greene), em que o mundo visto às avessas se torna o mundo mais conforme com a humanidade (como em Chesterton ou Flannery O’Connor). E temos de ouvir Elias Canetti a dizer-nos (como se o menino judeu de outrora repetisse as histórias que se lembrava de ter ouvido em ladino): “É estranho! Diante do que hoje acontece, só a Bíblia me parece ter uma força adequada. E é exactamente a sua terribilidade que nos consola”. Saber da humildade? T. S. Eliot fala dele como o única saber “no qual poderemos ter esperança” e Susan Sontag propõe em “erótica da cultura”, que “sirva o objecto literário, sem se substituir a ele”. E num tempo em que se vai esfumando no horizonte a memória da violência sem freios nem limites que se abateu sobre a humanidade no último século, quando nada o fazia prever, é a altura de recordar que o excesso de razão gerou a irracionalidade cega, e que o niilismo de Nietzsche deixou o enigma da violência sem chave e sem explicação. E René Girard põe o dedo na ferida ao falar de uma violência fundadora transferida simbolicamente para a transcendência, do mesmo modo que Michel de Certeau liga a violência a uma doença da linguagem, que esconde a ilusão e os perigos do efeito performativo da palavra, de que fala Austin.
Entre tachos e caçarolas
Os ensaios reunidos por José Tolentino Mendonça são todos acolhedores e inesgotáveis. E se dúvidas houvesse, bastaria invocarmos, depois de “Escondimento e Revelação”, onde sentimos o exercício da “paternidade de Deus” até às sombras do carvalho de Mambré e da árvore da cruz, e de “Ars Amatoria”, sobre as declinações do amor, “A Cozinha e a Mesa”. Partindo de Santa Teresa de Ávila, que dizia “entendei que até mesmo na cozinha, entre as caçarolas, anda o Senhor”, começamos por deparar com o cru e o cozido de Levi-Strauss, para seguirmos criteriosa e lentamente as preocupações culinárias da Bíblia como grande livro civilizacional. “Estes são os animais que podereis comer (diz o Deuteronómio): o boi, o cordeiro, a ovelha, a cabra, o veado, a corça, o gamo, o bode montês, o antílope e o búfalo. Podeis comer todos os quadrúpedes que tenha casco dividido em duas unhas distintas uma da outra e sejam ruminantes. Não comereis, porém, dos que ruminam mas não tenham a unha fendida, isto é, o camelo, a lebre, o coelho, porque ruminam, mas não têm a unha fendida. Estes serão impuros para vós. O porco porque tem a unha fendida, mas não rumina, será impuro para vós. Não comereis da carne destes animais nem tocareis no seu cadáver” (Dt 14, 4-8). Nesta passagem, tão densa, passa toda uma civilização. E poderíamos ainda falar de insectos como alimento, do mal que a gordura dos animais faz ou das virtudes do vinho, como “a vida para os homens”, mas também da importância do banquete e da mesa, como lugares de diálogo e de encontro, e ainda da abertura de Jesus ao convívio à volta da mesa como prefiguração do banquete celeste (“comer com todos, comer de tudo”; “a comensalidade como ideal da tradição bíblica”). E como esquecer o ciclo das colheitas? Em todos os calendários litúrgicos, o ano é marcado pelas três festas das estações: a Páscoa e os Ázimos na Primavera, a ceifa ou a festa das Semanas ou das sete semanas (Pentecostes) no Verão e a festa das colheitas ou dos Tabernáculos no equinócio do Outono. Em cada um desses momentos, os alimentos e os rituais são elementos chave. E assim poderemos entender melhor não só a hospitalidade e a sua força, mas também o facto de o cristianismo resultar da ligação dessas diferentes tradições e influências, por isso escolheu habitar entre (Roma e Jerusalém), “num mecanismo de integração que é um programa de universalismo”.
Guilherme d'Oliveira Martins
(texto publicado no SNPC)
Obs: a obra foi publicada em Portugal em 2008 e agora publicada numa edição revista também no Brasil pelas Paulinas.
"Paciência com Deus": uma resposta «sensível», «realista» e paradoxal às «interrogações do ateísmo»
A Edições Paulinas acaba de lançar o livro "Paciência com Deus - Oportunidade para um encontro", de Tomáš Halik, padre e escritor checo, nascido em Praga no ano de 1948.
A obra recebeu o prêmio de “Melhor Livro Europeu de Teologia de 2009/10” e, nos EUA, foi destacada como “Livro do Mês” em julho de 2010.
«Em contraste com a retórica fechada de alguma apologética, que com uma ingenuidade drástica tenta simplesmente contornar a ambivalência do mundo natural e as dificuldades reais do ato de crer, Tomáš Halik dá uma resposta sensível e realista, do ponto de vista cristão, às interrogações do ateísmo», lê-se na sinopse do volume.
"Estamos habituados a olhar o Evangelho como o mapa que nos descreve o Céu. Menos habituados estaremos em ver também nele a gramática que nos interpreta o mundo. Pois é assim que o Cristianismo surge no discurso de Halík: como justa gramática da vida", escreve Alexandre Palma no prefácio da edição portuguesa.
«O Cristianismo - prossegue o docente da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa - insinua-se aqui como uma hermenêutica válida das luzes e sombras do nosso viver.» «Paciência que não é aqui uma virtude moral, mas uma atitude intelectual: perante os paradoxos da vida há que suster o juízo precipitado e dar tempo para que a verdade que assim se esconde se possa revelar.»
«O Jesus de Halík é, pois, um «mestre do paradoxo». Deus ama os paradoxos. A Bíblia é o livro dos paradoxos. O Cristianismo, o lugar onde o dramático paradoxo de Deus revelado e oculto se esclarece, sem contudo se resolver ou dissolver.», sublinha Alexandre Palma.
Tomáš Halík licenciou-se em Ciências Sociais e Humanas, em 1972, na Universidade Charles, Praga. Pouco depois iniciou, clandestinamente, a formação superior em Teologia, que veio a concluir, já depois da queda do muro de Berlim (1989), numa importante universidade pontifícia de Roma.
Foi perseguido durante a ocupação comunista como “inimigo do regime”. Trabalhou como psicoterapeuta numa unidade de acompanhamento a toxicodependentes. Em 1978, sempre na clandestinidade, foi ordenado sacerdote e tornou-se um dos assessores mais próximos do cardeal Tomášek, figura emblemática da chamada “Igreja do Silêncio”. Com o fim do Comunismo, foi nomeado conselheiro do presidente Václav Havel e, posteriormente, Secretário-Geral da Conferência Episcopal Checa.
Atualmente ensina Sociologia e Filosofia da Religião na Universidade Charles, em Praga. Tem também exercido a docência, como professor convidado, em universidades tão prestigiadas como Oxford, Cambridge e Harvard. É membro da Academia Europeia da Ciência e da Arte e foi consultor do Conselho Pontifício para o Diálogo com os Não-Crentes.
Os seus livros estão traduzidos em numerosas línguas. Foi distinguido com prêmios nacionais e internacionais de literatura e de diálogo intercultural e inter-religioso, como o Prémio Cardeal König (2003) e o Prémio Romano Guardini (2010). Esperaremos que também o livro "A noite do confessor" seja publicado no Brasil.
A seguir, trechos do "Paciência com Deus":
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Assim como a Igreja deve libertar-se não só dos sinais exteriores de triunfalismo barroco – como recomendou o último Concílio – mas, acima de tudo, do triunfalismo monopolista de ser o único repositório da verdade. Também me parece útil ou até essencial, no tempo presente, em que vários tipos de religiosidade comercial oferecem os seus produtos de forma tão atraente, tomar a sério o facto de que Deus não está assim tão «facilmente apreensível».
Deus é mistério: deveria ser esta a primeira e a última frase de qualquer teologia. Sempre que nós escrevemos ou dizemos alguma coisa acerca de Deus, cada uma das nossas frases deveria ser acompanhada por dois anjos a gritar «Mistério! Mistério!», como é prática na liturgia do Oriente – à semelhança dos guerreiros de Israel, que marchavam para o combate precedidos por cantores. Na minha escrivaninha, em Praga, tenho um grande anjo de madeira que me recorda: «Se vais escrever acerca de Deus, lembra-te que estás a entrar numa nuvem de enigma.»
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Segundo Badiou, no seu Anticristo, Nietzsche caricaturou completamente a doutrina de Paulo e o papel deste, mas uma das suas intuições estava correta: nada da vida de Jesus interessa a Paulo; Paulo só queria saber «da morte na cruz, e de pouco mais». Mas esse «pouco mais», esse «pouco» que conquista a morte, foi precisamente o eixo fundamental para Paulo.
Sim, poderíamos concordar que Paulo ignora por completo o ensinamento de Jesus e que praticamente não presta atenção à sua pregação, aos seus milagres ou à sua vida como um todo, tal como é descrita nos Evangelhos – com uma exceção: os acontecimentos da Páscoa. Paulo constrói todo seu Evangelho, toda a sua versão do Cristianismo, apenas com base na Páscoa [de Jesus] – na Eucaristia, na cruz e na ressurreição.
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Uma jovem da Normandia foi lançada nas trevas daquilo que ainda tendia para uma espécie de «ateísmo intelectual» de finais do século XIX, enquanto para o inferno de Auschwitz – instrumento satânico de liquidação das pessoas escolhidas – foi enviado esse sacerdote polaco e também uma carmelita judia, Edith Stein, que se convertera da cultura intelectual mo derna. Levanta-se, inevitavelmente, a seguinte questão: Quem será aquela luz de Deus nas trevas do mal galopante do «terrorismo religioso»? Quem enviará Deus para sofrer essa forma particularmente refinada de afastamento de Deus «em nome de Deus»? Quem mostrará aos cristãos de hoje que não devemos responder à violência apenas com violência, nem invocar o nome de Deus em «guerras santas» sem Deus, e como é que eles se revelarão?
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Se eu vier a ser assassinado, sou capaz de entender e de aceitar que alguém me possa matar pelas minhas convicções políticas ou religiosas, ou simplesmente porque o meu rosto não lhe agrada, mas horroriza-me só de pensar que alguém me pudesse matar, apenas porque eu ia a passar na Oxford Street, às 10h42m de uma manhã de terça-feira. Esta forma de matar, completamente indiscriminada, priva as vítimas da sua identidade e da sua dignidade humana, como se fossem vítimas das câmaras de gás, despojadas das suas roupas.
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O jesuíta indiano Anthony de Mello chamou a atenção para o facto de em parte nenhuma dos Evangelhos Jesus ter pedido aos pecadores que manifestassem remorsos: não há lugar para remorsos no processo de conversão. Esse processo é um acontecimento de profunda alegria. A aflição suscitada pelo pecado sempre se misturou com a alegria e a gratidão pelo dom do perdão e pela sua generosa aceitação.
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São Zaqueu tornou-se o padroeiro e o protetor dos eternos buscadores, dos «vigilantes». E, para nossa surpresa, o seu papel não é convertê-los (qualquer velho santo poderia fazê-lo), mas velar pela sua paciência na antecâmara da fé. Afinal, Deus tem de ter «dos seus» mesmo fora dos edifícios das igrejas; aliás, também os tem nos intrincados labirintos da busca, em que os «piedosos» nunca se perderam nem sequer se aventuraram...
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Acreditar num Deus que não vemos também significa, no mínimo, esperar que Ele esteja onde nós não o podemos ver e, muitas vezes, onde estamos absolutamente convencidos que Ele não está nem poderia estar.
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Certa noite, depois de uma conversa extremamente longa e muito cansativa com um rapaz que, tal como eu, durante anos não se conseguira decidir sobre se acreditava ou não em Deus – e, acreditando, se a sua fé seria suficiente –, disse-lhe: «Sabes, não é tão importante ter a certeza de que acreditas em Deus. Com efeito, o mais importante não é se tu acreditas nele. O fundamental é que Deus acredita em ti. E talvez, neste preciso momento, seja suficiente para ti ter consciência disso».
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Há apenas uma forma de conquistarmos esse apaixonado ateísmo de protesto: abraçando-o. Abracemo-lo com a paixão da nossa fé e abençoemo-lo: façamos da sua experiência existencial parte da nossa própria experiência. Só poderemos obter a bênção da maturidade se a nossa fé tomar a sério a experiência humana da tragédia e da dor, e se suportar essa experiência sem a banalizar com consolações religiosas fáceis. A fé madura é a permanência paciente na noite do mistério.
Tomáš Halik
In Paciência com Deus, ed. Paulinas
Livro: Ser cristão hoje
Maria Clara Bingemer
Editora Ave Maria
«A cultura torna-se, mais que «valores» a defender ou ideias a promover, um trabalho a empreender sobre todo o tecido da vida social, a fim de manter a máquina do consumo oleada. «Trata-se de uma sociedade feita de “homens que querem ter alguma coisa”, e cada vez menos de homens e mulheres que “querem ser alguém”.»
É perante este quadro que assenta a reflexão da teóloga brasileira Maria Clara Bingemer, no Livro Ser Cristão, da Editora Ave Maria.
"A busca pelo sentido em um vácuo de sentido", "A emergência do laicato", "O cristão: pessoa de fé", "O desafio de ser 'de Deus' no meio 'do mundo'" e "Radicalidade evangélica e santidade" constituem alguns dos assuntos refletidos pela autora.
Abaixo você encontro um trecho do capítulo intitulado "Desafios ao ser cristão hoje".
Livro: Ser cristão Hoje
Maria Clara Bingemer
Diante da situação em que se encontra o catolicismo hoje, alguns desafios devem ser enfrentados a fim de que ele reencontre o seu lugar na área pública da sociedade e possa cumprir a sua missão de ser um caminho para se viver a boa-nova do Evangelho e do Reino de Deus pregado por Jesus.
Um primeiro desafio seria recuperar uma docta ignorantia ou agnosia ao falar de Deus e dos seus mistérios. A linguagem arrogante de quem pretende deter o monopólio e a exclusividade do discurso não condiz bem com o discipulado cristão.
Em seguida, viria a necessidade urgente de reconfigurar uma mística da profanidade, mostrando que não há que sair da realidade para encontrar a Deus. Ressituar o sagrado, a experiência de Deus no coração do mundo e do humano, mostrando que tudo não é Deus, mas tudo fala de Deus, é urgente para que os nossos contemporâneos possam experimentar esse Deus que lhes vem ao encontro, desde o coração do mundo.
Não se pode esquecer igualmente a necessidade de valorizar certos sujeitos e atores da comunidade eclesial que sempre foram e continuam a ser secundários. O laicato deve realmente ser formado e aceder à maturidade da fé para que possa ser sujeito pleno de missão e testemunha. Assim também, dentro do laicato, a mulher – sempre leiga, mesmo se for religiosa –, já que não tem acesso aos ministérios ordenados, deve ser revalorizada a fim de poder dar toda a preciosa contribuição a partir da sua identidade, para além do que já faz em termos de serviço humilde e não reconhecido.
Há urgência em redescobrir os sentidos, o corpóreo, a dimensão das emoções na experiência espiritual cristã. O risco da frigidez não ronda apenas a sociedade secular, mas entrou também, perigosamente, nas Igrejas. A experiência de fé não está movendo o afetivo ou, quando o faz, é de maneira banalizadora, infantil ou desordenada. Aí também haveria um desafio importante, para recuperar a importância da corporeidade, da sensibilidade e da afetividade.
Encontramo-nos num momento privilegiado para migrar de uma individualização da fé a uma personalização desta mesma, reconfigurando o sujeito dessa mesma fé. A fé tem um novo sujeito dotado de uma nova consciência religiosa que é importante assimilar e in tegrar ao conjunto do tecido eclesial. No fundo, tratar-se-ia de dar de novo ao amor a primordialidade da cidadania dentro da comunidade que pretende e se dispõe a viver o facto cristão.
De tudo o que por nós foi dito até agora, e que apenas roça muito leve e subtilmente o problema, na sua grandeza incomensurável, permanece uma convicção profunda e central: a experiência mística cristã é experiência de alteridade. Uma alteridade em que antropologia e teologia estão unidas indissociavelmente.
Não se trata, pura e simplesmente, de uma experiência do transcendente ou algo que desloque o ser humano do chão da sua realidade em direção a um plano sobrenatural ou a um nirvana situado alhures, num espaço que não se sabe bem qual é, aonde se vai em busca de sensações e esperando pelo cessar de todas as preocupações ligadas à realidade e à espessura da humanidade.
A experiência mística, no Cristianismo, é a experiência de um Deus encarnado. Fora deste dado central e absolutamente necessário, não há Cristianismo. Não havendo encarnação, não há a possibilidade de Deus assumir todas as coisas por dentro e viver a história passo a passo, por assim dizer, «na contramão» da sua eternidade. Não havendo encarnação, não há cruz, não há redenção, não há salvação. Não há, portanto, aliança entre a carne e o Espírito.
Certamente é esta a contribuição maior que a mística cristã tem para dar hoje, em tempos de ressacralização, busca de transcendência e novos paradigmas inclusive para a espiritualidade. Nada do que é humano é estranho à mística cristã, e toda a nova descoberta e toda a nova ênfase, em termos de humanidade, vêm não a ameaçar a mística cristã, mas, pelo contrário, a alimentá-la, a nutri-la, a fazê-la mais de acordo ao sonho de Deus Pai, Filho e Espírito Santo, que a tudo e a todos deseja cristificar e santificar pela sua práxis santificadora que preside a história e trabalha por dentro a carne do mundo.
Pelo contrário, toda a tentativa de escapar disso é tentação que descaracteriza a mística cristã na sua pessoalidade, na sua configuração trinitária, na sua dinâmica histórica e encarnatória.
Confessar com a boca e o coração que o Verbo se fez carne e o Espírito foi derramado sobre toda carne implica buscar a experiência e a união com o Deus, que assim determina comunicar-se com a humanidade, através desta carne na qual é possível experimentá-lo. E essa carne é a carne da «outra» que mostra uma maneira própria e diferente de ser humano; é a carne do outro que sente e nomeia Deus de «outro» modo; é a carne do «outro» que sofre opressão e injustiça e cujo rosto revela o Deus que se constituiu desde sempre em seu defensor e advogado. Integrar a carne do outro na experiência mais inefável do amor divino é o grande desafio que, hoje como sempre, está posto à mística cristã.
Desde que, pela encarnação de Jesus Cristo, foi feita uma aliança indissolúvel entre o Espírito e a Carne, todos os caminhos do Espírito passam necessariamente pela carne, ou seja, pela Alteridade Encarnada, único locus onde é possível encontrar e experimentar a Alteridade do Verbo Encarnado.
Maria Clara Bingemer
In: Ser Cristão hoje
Editora Ave Maria
O Mistério e o Mundo. Paixão por Deus em tempos de descrença,
Maria Clara Bingemer. Rocco, Rio de Janeiro 2013.
O título mostra o desafio da temática no paradoxo de mistério e mundo, Deus e descrença. A A. enfrenta-o em três níveis. Começa, em reflexão ampla, com a questão cultural da modernidade tardia em que acontecem a cultura secular e a crise da religião. Em seguida, ela debruça-se especificamente sobre a experiência religiosa ou mística para perscrutá-la nas histórias místicas biográficas, exemplificadas em duas mulheres – Dorothy Day, Etty Hillesum – num jesuíta belga, Egide van Broeckhoeven.
No primeiro passo, a A. traçou amplo quadro da situação presente. Ela chama-a de modernidade prematura ou tardia. Encara-a como interpelação em face da presença de mística cristã não vinculada à Igreja, mas vivenciada por homens e mulheres em sintonia com a fé cristã e o Evangelho. A pesquisa pretende redimensionar o conceito de mística que tem “decaído de sua nobre significação original”, na expressão de H. Vaz.
Ao aproximar-se da modernidade do século XX, Bingemer aponta, logo de início, ponto fulcral, ao afirmar, que “já não é mais a razão iluminista que aparece como critério fundante e nuclear da vida humana, mas um estímulo a um desenfreado consumo que faz o ser humano acreditar que nisso se encontra a felicidade” (p. 29).
Começa a tecer o quadro do contexto cultural, constatando a queda das utopias. Como a utopia que dominou até recentemente o mundo político se vestiu de traços socialistas, com a queda desse sistema, restou unicamente o modelo capitalista, agora na forma neoliberal. Tal fato afetou também o cristianismo histórico que participava de traços da utopia socialista. Há uma crise geral das utopias, fragmentadas e privatizadas. Outros acreditam ainda na utopia crítica em face do individualismo exasperado.
Marca o mundo atual o fim das certezas. A metáfora do líquido na linguagem de Bauman ou a do fim das grandes narrativas de Lyotard ou do simulacro de Baudrillard traduzem tal situação. “Tudo é passageiro, nada é certo”.
Vivemos o fim das hegemonias e o predomínio da pluralidade. Constata-se deslocamento do social para o cultural, fragmentando o conceito de cultura. Designam-na como cultura da passividade, do espetáculo, do consumo, de instrumento de poder, da pluralização de valores, não raro anárquica. Lipovetsky fala de “individualismo hipermoderno”. Paradoxo da soberania do indivíduo e da perda da posse do indivíduo sobre sua pessoa.
Está em curso uma nova geografia em termos econômicos, políticos e religiosos a estabelecer o atual contexto mundial. O impacto da globalização, das migrações de massa influencia-lhe a configuração. Surgem graves problemas éticos.
Prosseguindo a análise, a A. aponta série de fatores que merecem consideração: a abundância de meios e a escassez de fins, a crise da memória e das tradições, a crise da ética e a volatilidade da moral, a crise das instituições e a nova subjetividade e, finalmente, a nebulosidade da Transcendência e a desconstrução da fé.
Temos assim penetrante análise da sociedade atual. Cada item elencado carrega em si abundantes elementos para compreender o que se verá adiante nos capítulos seguintes.
Como problema fundamental, que afeta a temática central do livro, defrontamo-nos com a tão estudada e propagada secularização e a consequente crise da religião. Só depois de penetrar-lhe o fundo da questão, entenderemos o surto religioso, místico atual e nele as biografias místicas, a narrativa teológica e os três testemunhas escolhidos para estudo detalhado.
A religião sofre no mundo atual de intrigante paradoxo. De um lado, continua vigorosa a afetar os anseios, as subjetividades das pessoas. Doutro lado, já não consegue configurar a sociedade, como o fizeram em tempos de Cristandade. A A. analisa tal tensão interna de força e fraqueza, de impacto e recesso.
A religião constitui-se no mais onipresente e universal dos traços constitutivos da humanidade. Todas as culturas, exceto a moderna, nasceram em contexto religioso. Mesmo no momento presente, apesar da força corrosiva da secularização, a religião continua ocupando espaço na vida do cotidiano pessoal e na academia. A secularização substitui o mito pelo discurso racional, desencantando-o. Na base está um humanismo que desbanca o Sagrado, o Divino, Deus. A A. cita o pe. Vaz que faz recuar os albores da modernidade a Platão, para chamar a atual modernidade de moderna ou de pós-cristã. Nesse longo processo, o texto salienta algumas tendências da modernidade: do teocentrismo para o antropocentrismo, da ciência tutelada à emancipada e autônoma, da religião como explicação do mundo à concepção do mundo como autoexplicativa; da teologia como rainha das ciências para as atuais ciências, de concepção teocêntrica do mundo para a racional.
Tais transformações chocam-se com o Cristianismo histórico, impondo-lhe modificações profundas na concepção de criação, de história, do culto a Deus, do mistério da Encarnação. Aí se estabelece o diálogo entra ambos: Cristianismo e modernidade secularizante.
Nessa linha, a A. aprofunda temas como o antropocentrismo e a autonomia do humano; a hegemonia da razão, o poder da ciência e o desmando da técnica; a pluralidade e o fim das unicidades; a profanidade do mundo e o silêncio de Deus; o ateísmo teórico e prático; o vazio do sentido; a atrofia da liberdade; a sede de Absoluto; o primado da experiência e a crise de instituições e dogmas.
A simples enumeração dos itens trabalhados mostra a relevância da reflexão e desperta-nos a curiosidade de penetrá-la. Vale realmente seguir a A. em caminho tão rico, que a breve recensão não consegue fazer.
Os capítulos seguintes constituem o coração da pesquisa. Foram preparados pelas análises dos anteriores. Logo de início, a categoria de experiência ocupa lugar privilegiado para ser adjetivada com os termos religiosa, mística, desenhando assim novo momento, nova configuração e novos desafios.
O surgimento reativo da experiência deve-se, sem dúvida, às provocações secularizantes, objetivantes, pragmáticas da modernidade avançada. Interessa deter-se no conceito de experiência na perspectiva da filosofia e da teologia. Ela permite entender melhor a dimensão religiosa do ser humano. A A. delimita, de modo especial, quatro tipos de experiência: Religiosa, mística, de Deus, cristã de Deus.
O apuramento conceitual visa a que se aprofunde na experiência narrativa de Deus e assim ter acesso ao Mistério de Deus, num contexto movediço e perturbador de tal percepção. Para elaborar o conceito de experiência a A. frequentou o campo da etimologia, compulsou dicionários e enciclopédias, além de aludir aos sentidos comuns e vulgares do termo e de aludir ao frenesi de tudo experimentar por força de provocações externas e assediantes.
O livro avança ao aduzir a necessária distinção entre experiências, emoções e sensações que se confundem frequentemente no linguajar comum e na falta de clareza das nuances e proximidades dos termos. Há vinculação, mas não identidade entre emoção e experiência. A experiência vai mais fundo que a emoção, mesmo quando esta acompanha aquela. Nem a emoção nem a sensação identificam-se com a experiência. Limitar-lhes-iam o alcance.
Avançando na compreensão de experiência, o livro aborda o uso feito pela filosofia e teologia, incluindo a dimensão de transcendência do sujeito que experimenta. Retoma a definição de H. Vaz de que a experiência é a face do pensamento que se volta para a presença do objeto. Acentua a interação objeto-sujeito. Aponta quatro níveis de experiência: empírico, antropológico, metafísico e teológico.
Prossegue a reflexão, explicitando a experiência religiosa nas pegadas de Rudolf Otto, que a define a partir da dupla clássica categoria da sedução [fascinas] e do temor [tremendum]. Ela se situa na ordem do “totalmente outro” [der ganz Andere]. Outros autores trabalham características diferentes como inefabilidade, noética, passividade, transitoriedade e integração. Oferecem-se critérios para discernir as autênticas experiências religiosas como não depender de fenômenos extraordinários, a consciência de certeza de sua realidade, repercussões afetivas como paz, gozo, fruição, alegria e, finalmente, a presença do amor.
A oração se apresenta como lugar privilegiado de tal experiência, mas não único. Ela cai sob o fato da interpretação pessoal e cultural. Cabe aproveitar as contribuições que a psicologia oferece para interpretá-la e salvá-la de riscos da anulação de si mesmo. A A. aponta também fatores modernos de rejeição da religião por razões tanto de limites da religião como também de atitudes pessoais equivocadas.
Na intelecção da experiência mística, há muita diversidade, seja por causa da natureza da abordagem psicológica, filosófica ou teológica, seja por causa dos percalços da linguagem que a exprime. Nela estão implicadas realidades teológicas fundamentais como o mistério e a graça, a encarnação e a vulnerabilidade e o fato de tantas testemunhas a narrarem.
Nos dois últimos capítulos, a A. se prende ao aspecto narrativo das experiências místicas, quer de maneira ampla quer no caso de três místicos concretos. As narrações dos místicos permitem-nos compreender o fenômeno e a experiência mística como um todo. Interpelam a teologia e levam-na a pensar. O testemunho refere-se ao que alguém viu, ouviu, experimentou, memorizou e juridicamente vale como prova de validade do acontecido. Experiência subjetiva exposta ao público. Na pós-modernidade, a teologia feita a partir de testemunhos recebe mais audiência. Daí a importância dos testemunhos de pessoas que se consomem no e pelo amor de Deus, os místicos.
A mística, continua a A., mantém aliança íntima com a ética, a saber, com a ação transformadora no mundo, marcado pelo conflito e sofrimento, com o compromisso político, com o diálogo respeito às outras experiências religiosas. Portanto, não se trata de realidade em que a pessoa se ensimesma e se prende à sua própria interioridade, mas se abre à práxis transformadora da realidade. Tal afirmação contundente encontra apoio em autores de renome como G. Gutiérrez, A. Schweitzer, M. Blondel, de Certeau, K. Rahner, J.B. Metz. Deste último, cita a bela frase de “ser místico de olhos abertos ao mundo para perceber seus desafios, sentir seus sofrimentos e conflitos”.
Ao prosseguir a leitura narrativa dos místicos, diz Bingemer, eles se definem como pessoas de olhos e ouvidos abertos para o divino, apaixonados por Deus. A mística mantém em face das instituições, inclusive eclesiásticas, atitude de tensão crítica, sobretudo no momento atual pós-moderno e pode ajudá-las no processo de encontrar na fé e na experiência de Deus o seu sentido último. Interessante perceber como os místicos vivem a experiência paradoxal. De um lado, escrevem, anotam, relatam em cartas as próprias experiências místicas e, de outro, não raro, sentem certa resistência em pôr por escrito essas experiências íntimas. Cabe notar que na tradição cristã se atribui importância ao escrito, ao livro, aos relatos. É uma religião do livro. Hoje se cultiva a teologia narrativa, processa-se a redescoberta da biografia como recurso teológico. Ao longo de toda a história da teologia, deparamos com maravilhosas biografias teológicas. Haja visto as famosas confissões de Santo Agostinho.
Para fechar esse livro profundo, bem detalhado, a A. relata-nos três histórias de vida com títulos significativos. Doroty Day, a revolução do coração; Etty Hillesum, a Shoá transfigurada; Egide Broeckhoeven, a intimidade com Deus e com os pobres. Lindas leituras espirituais para animar o cristão na vivência da vida de seguimento do Senhor.
Mais que um livro para leitura cursiva, trata-se de fonte de estudo para grupos que desejam penetrar a intrigante volta da mística em momento de tanto materialismo, consumismo e idolatria do indivíduo. Tanto as análises do contexto cultural dos primeiros capítulos, quanto o estudo da experiência, da linguagem e do exemplo de místicos oferecem luz para iluminar a complexa e quase contraditória experiência religiosa da pós-modernidade. Vale conferir.
João Batista Libanio
O tempo é um Rio que corre
Lya Luft
Editora Record - 2014
O Tempo É Um Rio que Corre” é o novo livro de Lya Luft e segue a linha de não-ficção, que dialoga diretamente com o leitor em reflexões pessoais. O livro é dividido em três capítulos que rimam com a analogia aquática do título: Àguas Mansas, Maré Alta e A Embocadura do Rio, que remetem à infância, juventude e amadurecimento da vida. Lya usa um relato essencialmente pessoal.
Vários poemas compõem a narrativa. Num deles, Lya diz:
Quando pensei que estava tudo cumprido,
havia outra surpresa: mais uma curva
do rio, mais riso,
mais pranto.
Quando calculei que tudo estava pago,
anunciaram-se novas dívidas e juros,
o amor e o desafio.
Quando achei que estava serena,
os caminhos se espalmaram
como dedos de espanto
em cortinas aflitas. E eu espio,
ainda que o olhar seja grande
e a fresta pequena.
Equipe do site.
O novo livro de poesia de Adélia Prado é, mais que um acontecimento literário a festejar, quase um pequeno milagre. A palavra não parece inadequada para descrever “Miserere”, reunião de 38 poemas que podem ser lidos como fragmentos do diálogo ininterrupto da autora com Deus. Nascida em 1935 em Divinópolis, Minas Gerais, onde mora até hoje, Adélia se aproxima dos 80 anos com a mesma curiosidade diante dos mistérios da vida que encantou os leitores de seus primeiros livros, “Bagagem” (1976) e “O coração disparado” (1978). Professora, mãe de cinco filhos e pacata dona de casa, Adélia se tornou na época uma celebridade, quando teve sua poesia “descoberta” por Affonso Romano de Sant’Anna e Carlos Drummond de Andrade. Seguiram-se, intercalados por longos períodos de silêncio poético (e alguns títulos de prosa), ‘Terra de Santa Cruz’, ‘O Pelicano’, ‘A Faca no Peito’, ‘Oráculos de maio’, ‘Louvação para uma Cor’ e ‘A duração do dia’.
O título ‘Miserere’ vem da expressão latina “Miserere nobis” (“Tende piedade de nós”), da liturgia católica, e já tinha sido usado por Adélia em um poema de 1978. O livro inteiro é atravessado pela constatação da fragilidade da matéria vida e pelo sentimento de inadequação, de um descompasso entre o corpo e o espírito, como no poema “Humano”:
“A alma se desespera, / mas o corpo é humilde; / ainda que demore, / mesmo que não coma, / dorme.”.
Mas também estão presentes versos sobre a condição feminina, como em ‘Senha’:
“Eu sou uma mulher sem nenhum mel / eu não tenho um colírio nem um chá / tento a rosa de seda sobre o muro / minha raiz comendo esterco e chão. Quero a macia flor desabrochada / irado polvo cego é meu carnho. / Eu quero ser chamada rosa e flor / eu vou gerar um cacto sem espinho.”
Luciano Trigo - do site G1
Livro: Deus Analisado. Os católicos e Freud.
Autor: Ricardo Torri de Araújo
Edições Loyola, 2014.
A crítica freudiana da crença em Deus e da religião inaugurou um novo continente no pensamento ocidental. A partir da afirmação de Freud de que a origem da crença em Deus é o complexo paterno e, portanto, que a religião só pode ser pensada como neurose ou ilusão, inventada por um ser humano desamparado e carente, a reflexão teológica se viu desafiada a trabalhar com as novas hipóteses e a encarar novos desafios, até porque, se Freud tem razão, a religião está fadada a desaparecer, cedendo lugar a uma era científica.
O livro de Ricardo Torri de Araujo traz importantes contribuições a essa discussão, pois decorre sobre as relações pessoais de Freud com o fenômeno religioso e analisa a postura freudiana desde as origens e a evolução da vida do fundador da psicanálise, pesquisando com rigor as principais biografias que existem sobre ele, assim como seus escritos, sua correspondência e as críticas ao seu pensamento.
O autor pesquisa com rigor e precisão uma exaustiva bibliografia, oferecendo ao leitor um “estado da arte” bem completa sobre a questão, e transita com desenvoltura pelos autores estudados, sobretudo pelo pensamento freudiano sobre a religião.
Sua intenção é apresentar, diacrônica e sistematicamente, a critica feita por Freud à religião e é preciso reconhecer que atinge magnificamente seu objetivo. Ao mesmo tempo, também narra a história da recepção da psicanálise pelo catolicismo. Se é verdade que a crítica de Freud , em um primeiro momento, se tornou maldita entre os católicos de sua época, não é menos verdade que hoje é impensável um catolicismo e uma teologia católica que ignorem a psicanálise freudiana ou se recusem a dialogar com ela.
O autor reforça esse diálogo reinstaurado afirmando, em sua conclusão: “ Depois de um estranhamento inicial, na grande `fermentação´ que antecedeu o Concílio Vaticano II e, sobretudo, após a realização do mesmo Concílio Ecumênico, a Igreja olhou para a psicanálise com grande esperança. Não poucos católicos passaram a frequentar a obra de Freud, e um número “bíblico” de jesuítas entrou na escala de Lacan”.
Embora reconhecendo que as grandes sínteses entre as duas disciplinas – teologia e psicanálise- ainda estão por ser feitas, é inegável que , ao entrar em diálogo, ambas se enriquecem e suspeitam de suas próprias premissas e conceitos.
Nesse caso, é o conhecimento humano que se enriquece com esse diálogo. Não resta dúvida de que este livro será uma grande contribuição para que isso aconteça.
(Maria Clara Bingemer)
A dimensão religiosa sofre fortemente o impacto da cultura. Por consequência, a cultura urbana moderna bate de cheio contra o imaginário religioso tradicional, questionando-o ou mesmo desfazendo-o. Ao conhecer esse mundo cultural, ao menos de modo sumário, brotam perguntas de fé, às quais a Teologia fundamental trabalha.
A partir dessa afirmação, padre João Batista Libanio, (1932 – 2014), em Introdução à Teologia Fundamental, procurou abordar os elementos basilares dessa disciplina teológica, seu percurso histórico até a atualidade e suas perspectivas e desafios diante da evolução cultural e do quadro religioso contemporâneo.
De acordo com o autor, a Teologia Fundamental olha para o simples fiel ou para o iniciante do curso de teologia e pergunta: na condição sociocultural de hoje, que desafios o cristão enfrenta para crer com lucidez e honestidade?
“No espírito da teologia latino-americana, ela lança primeiro olhar para a situação real e concreta. Descobre valências positivas e negativas que interferem na compreensão da fé. E sobre ela reflete à luz do grande projeto salvador de Deus. Assim nasce a Teologia Fundamental”.
A obra é dividida em sete capítulos que discorrem sobre a situação cultural e religiosa atual, percurso da Teologia Fundamental e seus novos rumos, as portas de entrada e saída da fé católica. Padre Libanio também abordou o conceito de revelação no Antigo e no Novo Testamento, Concílio Vaticano I e II, e, entre outros temas relacionados, a origem da evangelização.
Padre João Batista Libanio, nesta última obra, sinaliza que a Teologia Fundamental assume hoje a grave missão de iluminar os católicos no que se refere à própria fé em meio à cultura altamente fragmentada e empastelada. Além disso, carece tocar a sensibilidade e a afetividade das pessoas, hoje mais sensíveis ao belo, ao prazer, ao condizente com o próprio afeto.
(extraído do site da editora Paulus)
Desde a renúncia do papa Bento XIV e a eleição do papa Francisco, se intensificou a aspiração por uma reforma mais profunda na Igreja, condizente com o Concílio Vaticano II. Entre as mudanças, tornou-se uma prioridade a reforma da cúria romana. Então, em uma ação em conjunto, a equipe editorial da revista Concilium colocou-se imediatamente à disposição e buscou especialistas para dar subsídios ao plano de reforma da cúria. Assim surgiu esta obra, e os especialistas que se sucedem nestas páginas coincidem na necessidade de fortalecer o governo colegiado dos bispos e de ter a participação de leigos, especificamente de mulheres, no conjunto da burocracia e das responsabilidades de coordenação da cúria.
Autor: A. Melloni, C. Queiroz, W. Altmann, G. Mannion, H. Legrand, M. Faggioli, N. Tanner, P. Hünermann, S. Demel, T.j. Reese
Editora: Editora Vozes
Especificações: Brochura | 152 páginas
Que biografias são indispensáveis para o mergulho na vida e na obra de um artista isso não se discute. O passo além é que demonstra a relevância de cada um, como fica claro em 'A música de Milton Nascimento', do compositor belo-horizontino Chico Amaral. O autor se dedicou exclusivamente ao exame minucioso das canções que fizeram Milton ganhar o mundo.
Chico Amaral fez cerca de sete entrevistas com Milton, cada uma com cerca de três horas de duração, e optou por não transformar a montanha de informações em texto corrido. Adotou o formato pergunta e resposta, preservou a espontaneidade do registro e teve a boa ideia de inserir na conversa trechos de outras entrevistas (com Wagner Tiso, Eumir Deodato e Wilson Lopes, entre outros músicos).
A motivação para escrevê-lo partiu de um incômodo: “Vi problema no modo como a história da MPB é contada. Costuma-se dizer que, depois da bossa nova, o movimento mais importante foi o tropicalismo, mas a coisa mais inovadora que surgiu depois disso foi o Milton Nascimento. E não apenas em relação a diferenças, mas à evolução”. O trabalho de Chico é uma forma de esclarecer origem e influências da música de Milton.
Com prefácio do crítico Tárik de Souza, o volume traz dois ensaios escritos por Chico, além de discografia comentada e entrevistas centradas em Milton feitas por ele com Wagner Tiso, Nivaldo Ornelas, Nelson Ângelo, Tavinho Moura e Amilton Godoy.
MEMÓRIA INVEJÁVEL
Sabidamente tímido e reservado, Milton Nascimento recebeu Chico Amaral em sua casa, no Rio de Janeiro. “Surpreendentemente, ele falou bastante. Impressionei-me com a soltura dele”, conta o autor. Chico conseguiu se aprofundar em aspectos diversos da carreira de Milton, dono de memória invejável. Chega a se lembrar de conversas rápidas, sensações e passagens aparentemente sem grande importância vividas cinco décadas atrás. Isso esclarece muita coisa, como sua complicada relação com Tom Jobim. O livro traz DVD de 25 minutos, incluindo o depoimento de Milton.
Livro: A MÚSICA DE MILTON NASCIMENTO
De Chico Amaral
Editora Gomes, 96 páginas.
Entrevista do Papa Francisco ao Pe. Antonio Spadaro sj.
Editoras Paulus e Loyola
2013
Analisar a teoria criacionista por diversos vieses é o propósito dos professores de teologia Mario de França Miranda, da PUC-Rio, Mário Antônio Sanches e Cesar Kuzma, da PUCPR, organizadores do livro Age Deus no mundo? Múltiplas perspectivas teológicas. Publicado pela Editora PUC-Rio, em parceria com a Editora Reflexão, a obra é escrita por dez autores.
No capítulo “A ação de Deus no mundo segundo Karl Rahner”, o professor Mario França avalia uma frase de Rahner: “Deus atua o mundo e não no mundo”. O autor divide sua análise entre a ação de Deus na natureza e no ser humano, a partir do argumento de que toda realidade é manifestação de Deus.
A relação que existe entre Deus, o ser humano e o modo como acontece a ação de Deus no mundo é abordada no capítulo “A ação de Deus e sua realização na plenitude humana: uma abordagem escatológica na perspectiva de Jurgen Moltmann”, escrito por Cesar Kuzma. O autor descreve “ser cristão” como ter uma fé de advento, a espera do Deus que vem. Com isso, ele traça um paralelo direto com a teologia de Moltmann, a qual apresenta um Deus que vem ao encontro humano.
Mário Antônio Sanches fundamenta o capítulo “Evolução, diretividade ou acaso? Um diálogo entre teologia e biologia” em diferentes perspectivas teológicas no campo da criação e do desenvolvimento da espécie humana. Segundo Sanchez, Deus ama a criação como ela é e como ela se faz a cada instante, por isso não há um plano para ela ou uma determinada plenitude que ela tenha que atingir por mandato divino.
O livro reúne, ainda, artigos de mais sete autores: Mary Rute Gomes Esperandio (PUCPR); Sinivaldo Silva Tavares, OFM (Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis); José Roque Jungues, SJ, (Unisinos); Haroldo Reimer (PUC Goiás); João Luis Fedel Gonçalves (Studium Theologicum, Faculdade Bagozzi e Vicentina); Wilhelm Wachholz (EST); e Geraldo Luiz de Mori, SJ (FAJE).
Equipe do site
19.11.2013
Livro: Deus, não sem nós
autor: Manuel Hurtado
Editora: Edições Loyola
Deus, não sem nós, o título desta obra, mostra a radical determinação do ser de Deus para nós. Essa determinação geral e plural só é possível por uma determinação concreta e singular, a do ser de Deus por e para os “pobres da terra”. Deus é Deus como Deus dos pobres e não de outro modo, condição de possibilidade da determinação do ser de Deus a ser para todos nós. “A humanidade de Deus” nos permite refletir essa determinação do ser de Deus a ser para nós a partir de sua determinação a ser para os últimos da história. Deus não quer ser Deus sem nós, porque ele não quer ser Deus sem os pobres. Esta obra quer esboçar sit venia verbo os fundamentos de uma “teologia dos pobres”.
Se os pobres estão implicados na definição de Deus, apenas é possível pelas mediações que constituem a economia do ser trinitário de Deus: a identificação de Deus ao homem Jesus pela Encarnação e a identificação de Jesus aos pobres pela solidariedade histórica com eles. Dessas duas mediações resulta uma terceira: a identificação do próprio Deus aos pobres, que não se dá da mesma maneira que a primeira, mas continuamente em “superabundância”, “excesso”. Deus não é sem Jesus e ele não é sem os pobres. Esse “não-ser-sem” determina intrinsecamente o ser de Deus, mas de um modo diferente num caso e noutro.
Manuel Hurtado, jesuíta boliviano, nasceu em 1967. É doutor em teologia pelas Faculdades Jesuítas de Paris (Centre Sèvres) e professor de teologia sistemática na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) em Belo Horizonte. Colabora também na Faculdade de Teologia da Universidade Católica Boliviana, em Cochabamba. Ministra o curso "Caminhos da Experiência espiritual e Mística" no Centro Loyola-BH.
Veja a apresentação do Livro, feita pelo autor:
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Equipe do site
01.10.2013
Programas de busca, smartphone, aplicativos, rede social: as recentes tecnologias digitais invadiram com força nosso cotidiano. Entretanto, não apenas como instrumentos externos a serem usados para simplificar a comunicação e a relação com o mundo; na verdade, desenharam um espaço antropológico novo que está mudando nosso modo de pensar, de conhecer a realidade e de manter relações humanas.
A essa altura, o autor, Antonio Spadaro, se pergunta, e nos pergunta também: a revolução digital influencia de alguma forma nossa fé? Será que não se deveria começar a refletir sobre como o cristianismo deva ser pensado e falado neste novo cenário humano? Talvez seja hora de considerar a possibilidade de uma “ciberteologia” entendida como inteligência da fé (intellectus fidei) nos tempos da rede. Não se trata, porém, de simplesmente procurar na rede novos instrumentos para a evangelização, ou fazer uma reflexão sociológica a respeito da religiosidade na internet. Ao contrário – e aqui está a novidade pioneira de Spadaro –, trata-se de encontrar os pontos de contato e de interação produtiva entre a rede e o pensamento cristão. A lógica da rede, com suas poderosas metáforas, proporciona ocasiões inéditas para nossa capacidade de falar de comunhão, dom, transcendência. E, por sua vez, o pensamento teológico pode ajudar o homem na rede a encontrar novos caminhos em sua trajetória para Deus.
É um território ainda inexplorado que Spadaro aborda com um indiscutível conhecimento teológico e grande competência técnica, principalmente com o espírito de confiança na capacidade de o cristianismo e a Igreja estarem presentes onde o homem desenvolve sua capacidade de conhecimento e relacionamento. A rede é um contexto em que a fé é chamada a se exprimir não por causa de uma mera “vontade de presença”, mas uma conaturalidade do cristianismo com a vida do ser humano. O desafio, portanto, não está em como “usar” bem a rede, mas como “viver” bem nos tempos da rede.
***
Antonio Spadaro, padre jesuíta, é diretor da revista La Civiltá Cattolica e professor na Pontifícia Universida- de Gregoriana, na qual obteve seu doutorado em Teologia; consultor do Pontifício Conselho da Cultura e do Pontifício Conselho das Comunica- ções Sociais; e autor de muitas obras sobre cultura contemporânea e de ensaios sobre a internet. Em janeiro de 2011 criou o blog Cyberteologia.it (prêmio WeCa 2012), que mantém até hoje.
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04.09.2013
4. As linguagens das juventudes e da libertação
João Batista Libânio – Edward Guimarães
Editora Paulus
Nenhuma linguagem esgota a riqueza que irradia da pessoa de Jesus. Figura maravilhosa que há mais de 20 séculos tem fascinado milhões e milhões de pessoas: seguidores, pensadores, escritores, poetas, compositores, pintores, escultores e outros artistas. Cada geração tem mantido com ele contacto vivo, o interpretando com jeito próprio de falar, escrever e expressar por meio de alguma arte. Criam sempre novas maneiras de abordá-lo. Aqui buscamos apresentar algumas dessas expressões.
Eis o vol. 4 da série Linguagens sobre Jesus. O livro, organizado em duas partes, aborda as linguagens das juventudes e da libertação.
Na parte I, em sintonia com a Campanha da Fraternidade 2013, Juventude e Fraternidade, e no espírito da Jornada Mundial da Juventude, descreve e analisa a linguagem sobre Jesus das juventudes. Que linguagem sobre o “profeta crucificado e ressuscitado” lhes brota do coração, dos desejos, das canções e das expressões religiosas? Os jovens falam e falam muito sobre Jesus. Paremos um minuto para saborear-lhes as linguagens e sentir-lhes o pulsar do coração. Há enorme pluralidade de linguagens a mostrar-nos a mesma diversidade de perfis juvenis. A diversidade enorme dos tipos de jovens permite o surgimento de pluralidade de linguagem. Estas nascem da experiência de uns e, certamente, provoca e/ou alimenta a experiência de outros. Por meio delas, Jesus continua a ser encontrado de geração em geração e a provocar experiências de sentido para a vida.
O livro percorre maravilhosa gama de falas. Sonda os jovens do tempo de Jesus. Concentra-se, porém, nos de hoje. Lá estão os que revelam tendência tradicional. Outros manifestam toque carismático. Há aqueles que se proclamam religiosamente independentes, mas não esquecem a Jesus. E também não faltam os engajados socialmente. Nenhuma linguagem esgota a riqueza que irradia da pessoa de Jesus. Figura maravilhosa que há mais de 20 séculos tem fascinado milhões e milhões de pessoas: seguidores, pensadores, escritores, poetas, compositores, pintores, escultores e outros artistas. Cada geração tem mantido com ele contato vivo e o interpretando com jeito próprio de falar, escrever e expressar por meio de alguma arte. Criam sempre novas maneiras de abordá-lo. Aqui buscamos apresentar algumas dessas expressões.
Na parte II, abre-se então o campo para avançarmos a reflexão sobre a linguagem da libertação sobre Jesus. Perguntamo-nos acerca da linguagem sobre Jesus brotada na caminhada libertadora da Igreja da América Latina. Esta não se contentou em reproduzir, em seu seio, linguagens de outros Continentes. Bem pontualizava Henrique Vaz, ao dizer que chegara o tempo de gestar a Igreja-fonte e deixar de ser Igreja-reflexo. O mesmo vale da linguagem sobre Jesus. As linguagens tradicional, moderna e mesmo pós-Vaticano II se forjaram na Europa e de lá se irradiaram.
O livro mostra que no Continente latinoamericano produziu-se discurso diferente: libertador. Aqui gritavam vozes oprimidas à espera de palavras de libertação. Não bastava falar do Jesus da exegese moderna nem das pesquisas científicas que, sem dúvida, trouxeram muitas novidades. Fazia mister encontrar a linguagem de Jesus Cristo Libertador. A linguagem da libertação foca a relação entre Jesus e o Reino de Deus. Admira-lhe a liberdade e o tom profético. Termina mergulhando nas Comunidades eclesiais de base e aí beber-lhe a linguagem libertadora.
Equipe do site
01.07.2013
BETTO, Frei. O que a vida me ensinou, Saraiva: São Paulo, 2013.
No livro O que a vida me ensinou, Frei Betto, como nas diversas obras já publicadas, brinda-nos com instigantes e provocantes reflexões. O estilo do texto prende o leitor do início ao fim, pois, trata-se de conversa franca, amiga, concreta, cheia de entusiasmo e próxima do pulsar da vida. Dá vontade de interagir com o autor e dizer-lhe como vemos ou sentimos a vida também.
Nesta obra, por meio de doze recortes autobiográficos, o autor se desnuda e se dá a conhecer por meio da partilha de vivências profundas e impactantes de sua trajetória de vida. Em cada um deles, longe de ocupar simplesmente a centralidade do palco, convida-nos antes, a cada linha, a vencer o medo, olhar no espelho e avaliar a própria performance política na jornada da vida. Esta não tem ensaio. Acontece sempre ao vivo. Importa, portanto, o quanto antes, conhecermos a conjuntura, os sinais do tempo e do lugar onde atuamos e assumirmos corajosamente que a cada decisão, a cada passo... “cada um de nós compõe a sua história e cada ser em si carrega o dom de ser capaz e ser feliz”.
A cada linha explicita-nos a complexidade da realidade humana, em sua busca de realização e felicidade. A vida nos impõe exigências singulares. Se, junto com os demais seres vivos, coexistimos no mesmo planeta, a situação do ser humano revela-se original. Não nos basta sobreviver ou deixar a vida nos levar. Somos timoneiros do próprio barco e induzidos a assumir o leme e decidir a direção. Somos radicalmente indeterminados e abertos à transcendência. Além disso, a aventura da liberdade nos desafia, cotidianamente, a imprimir sentido à existência.
O dom da consciência ofereceu-nos oportunidades de desenvolver preciosas potencialidades específicas. Dentre elas merecem destaque as capacidade de: refletir sobre o caminho trilhado; admirar a beleza do caminho; tornar-se “eterno aprendiz”; desenvolver habilidades novas; guardar na memória afetiva experiências vividas, registrá-las, refletir novamente sobre elas e atribuir-lhes novos significados a cada balanço de vida; aguçar a sensibilidade diante da verdade, da beleza, da unidade, da bondade, da alteridade e, de modo muito especial, daquela que se encontra em situação vulnerável. A criança, o idoso, o empobrecido, o doente... somos interpelados social, política e eticamente ao contemplar o rosto humano. Somos impulsionados a amadurecer a capacidade de amar, responder, cuidar e promover a dignidade da vida.
No final, como cristão místico e militante e a título de conclusão, o autor nos oferece dez preciosos conselhos para quem deseja viver com autenticidade a religião no século XXI. Vale a pena conferir! Desejamos a todos boa leitura!
Edward Guimarães
Equipe do Centro Loyola
01.07.2013
O Pai-nosso aberto a crentes e não crentes.
Autor: José Tolentino Mendonça
Edições Paulinas, 2013.
“Qual é a vontade de Deus? A vontade de Deus é o Amor. O nosso único dever é o Amor. E, quando a gente diz: “Seja feita a vossa vontade”, sabe de antemão que isso significa: “Seja cumprido, atualizado, redesenhado o Amor”.
Estamos diante de um livro lindo! Além de profundo, poético, leve, é um livro para contemplar e meditar... O autor, que é padre e poeta português, nos coloca diante das grandes belezas-verdades da essência do cristianismo e da existência.
Veja abaixo parte da apresentação do livro:
Com este livro, José Tolentino Mendonça enfrenta um desafio corajoso e difícil: dirigir-se a crentes e a não crentes com as palavras do Pai-Nosso, a oração cristã por excelência, a que Tertuliano chamava "compêndio do Evangelho". O Autor capta no Pai-Nosso uma luz para o humano enquanto tal, uma direção para o seu caminho, enquanto ser humano, ainda antes das suas crenças e das suas pertenças confessionais.
A ideia que torna possível semelhante propósito é a de que esta oração exprime de tal modo a humanidade do homem que cada ser humano pode encontrar-se representado no Pai-Nosso. Nesta vontade de dirigir-se também aos não crentes há a madura convicção de que Jesus é "mestre de humanidade", de que o humano é espelho do divino, de que o ser humano é imagem de Deus e de que tudo o que é humano diz respeito ao próprio Deus.
Esta abertura ao outro - e também àquele que não pode, ou não consegue, ou não quer crer - produz um efeito de essencialidade e de simplicidade no olhar do autor, cuja visão da vida e da fé cristã emerge amplamente deste livro.
O autor percebe a dimensão universal do Pai-Nosso, onde a universalidade tem de confrontar-se com o fato de que cada ser humano é um filho. Cada ser humano tem uma interioridade, é um ser de desejo, precisa de pão e de perdão, luta contra o mal, habita aquela terra que, na ótica da encarnação, já não é o lugar que o separa de Deus, mas o único lugar do encontro possível entre o homem e Deus. Pela sua originalidade, está obra interessa a um amplo leque de leitores desejosos de viver, de modo mais autêntico, os valores humanos e cristãos.
Equipe do site
15.06.2013
Organizadores: João Décio Passos e Afonso M. L. Soares
Edições Paulinas - 2013
A renúncia do Papa Bento XVI seguida do Conclave e da eleição do novo Papa revelaram rupturas inesperadas na Igreja Católica, mesmo sendo a renúncia uma possibilidade prevista no próprio Código de Direito Canônico. A renúncia do Papa revelou vínculos implícitos com uma crise mais ampla e profunda na Igreja, o que impossibilitou o pontífice idoso de continuar seu mandato, conforme a tradição secular. E a mensagem ficou clara: deixar o papado para o bem da Igreja.
O livro quer refletir a novidade representada pela eleição de Francisco como bispo de Roma e traz, além de uma Parte intermediária de apresentação da biografia e do significado da eleição de Jorge Mario Bergoglio; uma 1ª Parte de análise da crise que precipitou a renúncia de Bento XVI e uma Parte conclusiva, com prospectivas do que poderá representar outra primavera na Igreja Católica, que promova uma volta às origens, retomando o caminho dos pobres e da pobreza como seu carisma fundante, por meio de uma reforma evangélica em plena fidelidade criativa ao Vaticano II. O livro conta ainda com prefácio de Dom Demetrio Valentini e posfácio de Dom Angélico S. Bernardino.
Participam do livro com reflexões interessantes o Pe. João Batista Libânio, Maria Clara Bingemer, Pe. Manoel de Godoy, Pe. Agenor Brighente e outros importantes teólogos e pastoralistas.
Equipe do Centro Loyola
01.06.2013
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