Diretor: Asghar Farhadi
Irã - 2009
Um filme é uma vida! Um filme tem vida; é feito a partir de muitas vidas (o enredo), por muitas vidas (diretor, atores e equipe) e para muitas vidas (todos nós).Um filme nunca é apenas a impressão inicial que ele nos deixa. Como não o é qualquer momento de nossa vida. É preciso deixar que ele nos penetre e, pouco a pouco, vamos sendo “tomados” pelo que ele nos apresentou e revelou. Talvez não possamos nos dar conta do quanto cada momento nos afeta. Mas, creio, do fundo do coração, que é melhor que nos demos conta. E, escrevendo, dou-me conta de que já estou falando da trama do filme: - não nos damos conta do número incalculável de desdobramentos (muitas vezes nefastos) que um gesto pode conter; um simples gesto do cotidiano, pleno de boas intenções e do desejo genuíno de ser o melhor para o outro, contém e gera o que nos escapa. Tudo pode se transformar num grande equívoco! Condição humana? Sim! Limitada? Sim! E que bela, contundente e terrível reflexão sobre nós, o filme nos traz! Sobre nossas pequenas decisões, frases soltas, brincadeiras inocentes, desejos de ajuda e partilha. Como somos pequenos e tudo e tanto nos escapa! Só o Mar (o que é o mar?...) é grande e implacável em seu movimento de ir e vir; implacável não por ser ruim ou nefasto, mas por ser de Verdade! Somos apenas uma pipa de papel, tremulando ao vento... E a Vida pode, então, nos escapar!
Reflexões feitas, voltemos ao filme. Claro que há referências e alusões específicas à cultura e religião islâmicas. Mas, fiquemos no que é comum ao humano e a todos nos une, independente de raça, cor, religião e condições várias. Começo por um diálogo no meio do filme.
Ahmar e Elly (que se queria pudessem ser um casal) conversam, no carro. Elly pede permissão para perguntar e diz: “Por que vocês se separaram?”. Ahmar não responde com um porquê, mas com: “Um dia, ela despertou e me disse:...”. A frase é dita em alemão (ele mora na Alemanha). Ele não a traduz para Elly, mas brinca de fazê-la repetir a frase em alemão. A frase também não é traduzida para nós, na legenda! Naquele momento, não me dei conta desse detalhe. Mas, anotei a frase que ele disse em seguida: “Um final amargo é melhor que uma amargura sem fim”. Ficaram em silêncio e o filme trouxe outras cenas.
Volto ao início do filme: saem, para um final de semana na praia, 3 casais, 2 deles com filhos e mais uma amiga (profa. de uma das crianças, a filha de Sepideh e Amir) e um amigo (de todos, e Sepideh pretendia que se interessassem um pelo outro). Estão todos se divertindo e buscando entrosar-se com Elly. Bonito ver os homens divertindo-se entre si, dançando, brincando e ajudando. E as mulheres! Lindas em seus véus que cobriam suas cabeças, realçando ainda mais a beleza dos seus rostos, e integrados a toda e qualquer tarefa executada (até o adentrar no mar). Tradição e cotidiano entrelaçados! Homens, mulheres, crianças: todos ajudando e participando. Até mesmo a “caseira” que alugava as casas dos arredores dá sua contribuição. Tentem observar (ou relembrar) as várias frases soltas: “Há um casal em lua-de-mel” (para convencer a “caseira” a arrumar uma casa para eles); o que os homens e as mulheres, dizem entre si, brincando com o possível romance a acontecer; os vários e rápidos diálogos entre um e outro e entre todos.
Da metade para o fim, tudo será muito rápido e tenso. E aí veremos a dor, a angústia, a dúvida, a inquietação, o sofrimento, o pesar, o sentimento de culpa, a tomada de consciência; todos estão tomados e comprometidos com o sentir, e cada um, em particular, segundo o que lhe tocava e cabia, dentro do contexto total. Ali veremos o desfiar das questões humanas. Cada momento é pleno de desespero e busca! Observe! Ali, travar-se-á nossa (vejam que já estou nos colocando “dentro e parte” do filme!) luta frente ao nosso próprio mal; a busca da verdade; as tentativas vãs de encontrar o culpado; a dor e temor frente à invasão e ao desrespeito da verdade do outro; a tentativa de resgate e redenção; o esforço para sairmos e nos ajudarmos a sair do nosso próprio atoleiro.
Mas, não conseguimos ser além de nossa frágil condição! Que sempre peçamos Ajuda e estejamos atentos a nossos pequenos gestos do cotidiano. Deles se faz a Vida!
Maria Teresa Moreira Rodrigues
15.04.2012
“A SEPARAÇÃO (de Nader e Símin)”
Asghar Farhadi – Irã - 2011
Sobre os valores que regem nossas vidas. E que estão acima de escolhas pessoais!
O filme ficou presente em mim, como um presente, por vários dias. Novamente Asghar Farhadi é brilhante: numa linguagem cinematográfica moderna e dinâmica, e desde situações atuais, ele nos apresenta temáticas “velhas” e universais como o tempo. Nader (N.) e Símin (S.) têm uma filha Termeh (T.). O pai de Nader mora com eles e está com Alzheimer. Símin quer outros horizontes para si e para sua filha, e acredita que os terá, indo viver em outro país. Nader não deseja isso, e não quer deixar o velho pai. Alega Símin: “Mas ele nem o reconhece como filho!”. E Nader: “Mas eu reconheço que ele é meu pai!” (a verdade está além dele!). Por incidentes domésticos, esta família vai ter seu dia-a-dia entretecido com o de outra, a deRazieh (R.) e Hodjat. Com este enredo central, poder-se-ia pensar que o filme vai tratar de problemas de casal e de questões culturais e religiosas do Irã. Nada disso! Esse é apenas um mote para trazer temas universais que atravessam o tempo, diferentes culturas, raças e religiões, como: verdade, responsabilidade, comprometimento, temores, reverência a valores e às gerações.
O filme começa com uma máquina “de xerox” fazendo cópias de documentos. E termina com as pessoas daqueles documentos, mas impossibilitadas de fazer uma “cópia” de si mesmas, pois o que há, é só e apenas a realidade!: o local da Justiça (do viver), entre tantos que passam, entrando e saindo sem cessar. Nader e Símin sentados, compenetrados em si mesmos, separados por uma divisória, mas juntos pelo convívio permanente com um cotidiano que marca e demarca nossas ações com quem nos rodeia e com quem temos que conviver. Muitas vezes quis ater-me ao diálogo, expressões e cenas, mas tudo se passa muito rápido. Talvez como a vida de cada um de nós!
Embora diferentes na condição econômica, social, cultural e religiosa, vemos duas famílias com muitas semelhanças: pai, mãe e filha, sendo que em uma há um pai idoso, e na outra há um bebê a caminho. Ou seja, o tema das gerações e do cuidado e reverência a elas: isso nota-se nos diálogos e nos inquéritos, na delicadeza com que tratam as respectivas filhas e o idoso. Enfim, o cuidado com a família visto como valor que transcende a cada um deles, e não apenas como uma escolha pessoal. Todas as personagens respondem a algo que está além delas mesmas. Há sempre um princípio maior que as rege, e que norteia a relação consigo mesmo e com o próximo. É como se estivessem dizendo: “A verdade não é a minha! A verdade está além de mim!”. Todos estão genuinamente pré-ocupados com algo além deles: filhos, família, valores; e dentro da continuidade da vida têm temor do que acontecerá com a filha, caso pequem ou mintam, ou não cumpram com o que devem. Têm consciência de que tudo que se nos acontece é conseqüência de nossa ação no mundo, no aqui e agora; e por isso respeitam e buscam o melhor para todos, numa só direção: “Louvar (amor), reverenciar (respeito) e servir (estar para o outro)” são lemas embutidos na ação de cada um deles. Todos “temem” a Deus (ou Alá) e a uma Ética, como condição para pensar e viver a vida. O temor de pecar advém do grande e profundo Amor de Deus e a Deus; não necessariamente é temor de um Deus implacável e punitivo. Quando verdadeiramente AMO alguém, ele está além de meu eu e meus interesses; assim sendo, tudo quero fazer para manter-me no Amor e na relação com este que me ama e a quem amo.
No burburinho da vida e dos acertos e erros (representado na Delegacia e nos inquéritos e testemunhos): - Nader sabia da gravidez de Razieh, mas quando a vida do seu pai estava em risco, ele “não mais soube”, e essa era a verdade daquele momento; - Nader: pai e filha, a verdade acima de tudo; - o pai mente para preservar a filha; a filha faz o mesmo pelo pai; - Símin: quer reparar danos causados por sua decisão de ir-se de casa; Razieh: a verdade acima do que resolveria problemas financeiros; e...
Com quem a filha Termeh decidiu ficar importa pouco, dentro do que o filme nos conta, revela, desvela, aponta, interroga, inquieta e nos faz pensar. Os pais não a disputavam; todos se cuidavam.
A filha decidiu ficar com... o comprometimento consigo mesma e com a Verdade, acima de tudo!
Maria Teresa Moreira Rodrigues
01.03.2012
Diretora: Doris Dörrie
Alemanha e França - 2008
Este não é um filme sobre pais e filhos, casal de meia idade que se ama ou sobre ‘depois que se perde é que se dá valor’. Não, não é”. O filme é um longo, delicado e sensível tratado sobre o AMOR e a BUSCA de SI MESMO, passando pelo tratado sobre o efêmero, sobre a incomunicabilidade humana e sobre o território inexpugnável e inexaurível que somos, até para nós mesmos. Os atores são excelentes, os detalhes nem se diga; os sons do mar e das árvores; o lenço amarrado... Atentem!
- Num dia qualquer, em qualquer um de nós, algo adoece – ou envelhece; e disso precisamos cuidar. Não há escapatória. Somos colocados, de um jeito ou de outro, frente a frente com nossa debilidade e vulnerabilidade. O que fazer? O que valorizar? O que buscar? A quem contar? Com quem contar?
- Nossos entes mais próximos e queridos. Nós os conhecemos? Eles nos conhecem? Sabem de nós? Perguntamos sobre seus sonhos? Sonhamos juntos os muitos sonhos de cada um? A qual filho uma mãe deu menos atenção? E qual recebeu mais? E foi e é, e vive mais feliz por isso? Qual de nós, homem ou mulher, marido ou esposa, deixou de fazer o que mais sonhava e/ou tinha aptidão, porque as circunstâncias da vida assim fizeram com que fosse? Qual mãe? Qual pai? Qual filho?! Todos. Todos nós fomos o que pudemos ser, dentro de nossas possibilidades e debilidades. Sim, todos! Mas, também todos nós podemos ir além desse ser assim. No entanto, é preciso muita atenção, delicadeza, cuidado e muita, muita determinação, vontade e AMOR! E o filme nos conta:
Trudi e Rudi – é quase o mesmo nome! - casal às voltas com doença, velhice e relação com os filhos já adultos, envolvidos com a própria vida, não sabendo o que fazer com os pais, e mostrando as marcas afetivas deixadas pelos descompassos vividos na relação com eles e consigo mesmos; e netos que só podem olhar para seus “games-boy”. Enredo comum, não é? Mas, vamos também além dele, para podermos ir além de nós mesmos. "HANAMI" significa apreciar as flores; aqui, as cerejeiras em flor, pois florescem uma só vez ao ano e só duram 2 semanas. E a vida? Dura quanto? A filha pede à mãe, numa recordação de infância, que declame um poema. Como se chama ele? “A efemérida” (inseto que vive só um dia). Confrontada com o “não saber o que fazer”, Trudi busca as alternativas: “Façam o que sempre desejaram, e nunca fizeram”. E ela vai atrás: viagem, conhecer, ver, reencontrar. Mas, busca a si mesma: não por acaso, é pelo velho desejo de dançar Butô. No teatro, está escrito: “O paraíso é onde está a felicidade”. (Bu=dança; toh=passo. Combina dança e teatro; temas como nascimento, sexualidade, inconsciente, morte. O corpo é esvaziado de referências culturais e se entrega a todo tipo de metamorfose, seguindo os impulsos e instintos da alma). Nessa noite, seus braços estendem-se para alcançar a outra-ela, dançarina de Butô; e vai para o paraíso, no encontro consigo! Rudi, confrontado, agora ele, com a morte, sai em busca do que Trudi buscara. E não vai apenas por reparação, amor, ou elaboração do luto; vai também para encontrar-se. Para tal: sai para o desconhecido (Oriente), enfrenta-se com a não comunicação (é preciso “falar” outra língua), com o “perder-se”. Mas, está atento: veste-se com “as lembranças dela estão no meu corpo”, olha com olhos de ver e encontra a “fada-dançarina”. Com ela “dança sobre sua sombra” e parte para encontrar e esperar o “Monte Fuji”, que é o grande momento da revelação e encontro. Antes, foram os braços dela que o envolveram; agora, é ele quem a envolve. Observar: quem “entende” T. e R. são pessoas desconhecidas: anjos que nos chegam? E ambas dizem: “não fiz nada; apenas ouvi”. Dependemos de nossa busca, mas também de que a graça nos alcance. Saiamos ao Encontro e façamos nossa Dança!
A “mosca” (no filme) é o que nos atrapalha para sermos mais nós mesmos.
Maria Teresa Moreira Rodrigues
10.02.2012
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